quarta-feira, 31 de dezembro de 2014



Diálogos de Pedagogia Teatral

- No Último Diálogo de Pedagogia Teatral elucidamos como são realizados os processos de construções de espetáculos na perspectiva do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes.

4º Diálogo
Construindo Atos Teatrais Autênticos
 “Não o esqueça, homem: tudo o que você é, tudo o que você quer,
tudo o que você deve, parte de você mesmo.”
Johann Pestalozzi
           
        Processos de construção de espetáculos cênicos que utilizam atuantes com sólida formação cultural e profissional, diretores que compreendem a necessidade da realização do seu trabalho numa perspectiva dialógica, estruturado sob condições econômicas, técnicas e tecnológicas ideais, traduz uma realidade ainda distante no Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, bem como, na enorme maioria das expressões teatrais Brasil afora.
        Diante dessa constatação não devemos estacionar na conformação de nossas fragilidades, menos ainda no espírito utilitário das ideias comodistas, como os contumazes amantes do menor esforço, lucro fácil, vacuidades, plágio e outras concessões ainda mais inferiores que não seria construtivo lembrar, porém, é o que temos encontrado em boa parte das produções locais e nacionais no teatro contemporâneo. Afinal, o tudo e o nada agora são arte, pois o que dizem ser arte, necessariamente deve ser e, os que discordam, são taxados de arrogantes, conservadores e antipáticos. Continuarei discordando; no teatro e na vida detesto embusteiros. A lisonja, mentiras e ilusões levaram nossa arte para qual lugar?
       Deixando de lado essas quixotescas críticas, pois nada resolvem, e nos afastam do objetivo principal: a possibilidade da consecução de espetáculos teatrais qualificados, através de um envolvimento visceral da equipe criativa com o produto cultural que pretendem inventar coletivamente, utilizando muita racionalidade, um certo de grau de pragmatismo, ética e disciplina ilimitadas voltadas para criação de uma estética.
         Nós do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes temos procurado desenvolver uma práxis de montagem que acredita no atuante como Partícula Essencial do Trabalho Cênico, portanto, o treinamento dos atores e atrizes, parte de uma visão formativa desses elementos, em detrimento das dificuldades técnicas e culturais identificadas em cada um deles, consumindo a maior parte das nossas preocupações, bem como, parcela considerável do tempo gasto nas atividades criativas da equipe; ilustrando, teríamos o seguinte gráfico:


             Essa configuração significa perdas e ganhos, ou seja, se os nossos atuantes sedimentam, progressivamente, melhoria técnica, teórica e conceitual, por outro lado, o Coletivo não consegue avançar rapidamente em outras áreas importantes: como aumento dos recursos financeiros,  melhoria dos aspectos de divulgação, propaganda e organização burocrática, isso sem mencionar, um aumento considerável do tempo gasto em uma montagem, no entanto, foi a solução encontrada para fortalecer o nosso produto final, explicitando, um espetáculo onde a atuação seja, o máximo possível, homogênea (todos os atores e atrizes no mesmo nível de representação), vibrátil e corporificada com a mensagem a ser repassada.
            Ao contrário das outras organizações teatrais do nosso estado, até onde temos notícia, acrescentamos outras fases nos processos de construção de espetáculos (ver 1º Diálogo), fator que também dilata o tempo de concretização das nossas produções, dessa forma, temos os seguintes extratos em uma montagem:
- Estudos bibliográficos e de campo do diretor (permanentes e diários).
- Treinamento e outras atividades formativas dos atuantes (permanente).
- Formatação de Projeto de Montagem (plano escrito).
- Laboratórios de pesquisa, descoberta e apropriação de linguagens.
- Montagem propriamente dita (organização das linguagens em forma de espetáculo).
- Desmontagem (trabalho do atuante em criar por dentro de uma forma definida).
- Execução da parte visual do espetáculo (iluminação, figurinos, maquiagem, cenografia, ambientação sonora, etc).
- Ensaios gerais de afinação (de 5 a 10 ensaios).
- Estreias.
- Avaliação depois do contato com os espectadores.
- Ensaios posteriores de manutenção, enxugamento e revisão de linguagens.
             Essas fases (ou extratos) ocorrem, em geral, simultaneamente, porém, nunca são subtraídas dos processos criativos, tendo em vista, já fazerem parte de um sistema de construção cênica que têm se mostrado exitosa ( no processo e no resultado) podendo, sem sombra de dúvida, ser utilizada por outros grupos que ensejam um trabalho sério e frutificador,  guardando evidentemente as características, interesses, facilidades e dificuldades inerentes a cada equipe criativa, até porque, não é do nosso interesse, fazer proselitismo sobre nossos métodos, ética e princípios, o que serve para nós, pode não interessar a outros artistas e não nos cabe apregoar verdades absolutas, como sabemos, no teatro, em muitas ocasiões, elas são relativas.
             Como pedras vivas concretizamos os “Diálogos de Pedagogia Teatral”. Acreditando, que esses quatro textos que compõem uma só mensagem semeada no vento, possam contribuir de alguma forma com essa magnífica experiência humana chamada teatro, transformadora e reveladora dos homens e mulheres habitantes de todas as partes do mundo. Atividade tratada como irrelevante bobagem e perca de tempo por muitos e, indispensável, a vida de tantos. Arte que deve ser praticada com propriedade, respeito e alteridade para que possa iluminar, transcender e curar, se possível, o espírito dos seus espectadores, sem que seus oficiantes jamais se envaideçam desse ato. Lembremo-nos: o espetáculo é infinito, e a nossa existência no teatro uma breve cena, que pode ser indiferente a quem observa ou essencial para quem assiste e para os destinos da nossa arte. Assim nos ensinaram os grandes mestres que imortalizaram suas buscas alumiando nossos caminhos como quem acende uma estrela.
Agradecimentos: 
- Aos pedagogos que me reconciliaram com a pedagogia, atividade que ando há muito tempo apartado, e que esses mestres me convenceram o quanto preciso dela para ser um diretor teatral mais consequente:
·         Johan Pestalozzi, Anton Makarenco, Celestin Freinet e Paulo Freire.
- Aos Diretores-Pedagogos que me mostraram a importância do diálogo como ato de partilha entre os homens e mulheres do universo teatral. A esses mestres meu respeito cerimonial, pois me provaram que o teatro jamais será uma mentira e a importância de buscarmos a autenticidade na arte que construímos.
·         William Shakespeare, Constantin Stanislavski, Antonin Artaud, Jerzy Grotowski, Peter Brook, Etienne Decroux, Eugenio Barba, Richard Boleslavski, Eugenio Kusnet, Luis Otavio Burnier, Laurent Matallia, Paulo Machado, Leverdógil de Freitas e Chiquinho Pereira.
- Aos meus colaboradores mais próximos e não menos importantes interlocutores. Construtores dessa estrada evolutiva nos horizontes do teatro que é nosso ofício, vida e amor.
·         Arnaldo Pacovan, Caio Leon, Carlos Aguiar, David Santos, Érica Smith, Luã Jansen, Pablo Erickson e Silmara Silva.
- Ao mestre dos mestres, que reúne em si todas as potencias em grau superior. Leitura obrigatória a quem faz arte, que nos ensinou que fazemos parte do teatro perfeito de Deus.
·         Jesus Cristo.       

       Adriano Abreu
             Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

         Fim da Estação da Seca

domingo, 28 de dezembro de 2014



2014 Um Ano Teatral de Resistência e Fragilidades

          2014 fecha suas cortinas como começou:  repleto de lacunas e perplexidades com escassas iniciativas e esperanças esparsas nos céus do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
           Entre as lacunas e perplexidades é impossível deixar de lembrar: o que parecia começar promissoramente, acabou tornando-se  apenas mais imbróglio; falo do espetáculo “Batalha do Jenipapo”, realizado todos os anos na cidade de Campo Maior, promovido pela nossa Fundação Estadual de Cultura, e que se artisticamente não acrescenta muita coisa a cena piauiense, pelo menos garante uma trabalho remunerado anualmente para cerca de oitenta atores, atrizes, técnicos, produtores e diretor. Após a promessa de uma melhoria nas condições de trabalho dos artistas, inclusive celeridade no pagamento de cachês, nada se concretizou. As condições de trabalho não foram adequadas e o pagamento só foi liberado depois de muitas polêmicas desnecessárias. A nossa Instituição Estadual de Cultura, até o momento, também não pagou cachês e premiações referentes as comemorações do dia do Teatro, vinte e sete de março, ou seja, os artistas envolvidos no evento estão a mais de oito meses sem ver a cor do  dinheiro, conquistado com seu suado trabalho; o dia do teatro, realizado com tanta alegria, acabou tornando-se, apenas, uma antiga novela de luta pelos merecidos cachês. A Escola Técnica de Teatro Gomes Campos passou o ano praticamente fechada, em virtude de uma reforma interminável, correndo inclusive o risco de fechar permanentemente. O SIEC (Sistema de Incentivo Estadual a Cultura) perdeu quase cinquenta por cento dos incentivos fiscais, e deixou de avaliar alguns projetos teatrais por falta de recursos disponíveis. Enfim, cabe esperar melhores dias na cultura estadual representada pela FUNDAC.
          Na Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves as coisas não foram diferentes para nossa arte: o Festival Nacional de Teatro Ana Maria Rego não aconteceu; isso é inadmissível, lamentável e injustificável. Gostaria de lembrar o não pagamento das premiações do citado “Festival” a alguns grupos nacionais desde o ano de 2012, o que levou a um tremendo desgaste do nosso mais tradicional evento teatral nacional com vários grupos e artistas brasileiros. A FCMC tentou realizar uma circulação de espetáculos locais pela capital, projeto nunca concretizado, em detrimento da burocracia ou outro motivo qualquer, pouco importa, para o teatro produzido na cidade o ano foi de tremenda perplexidade. A Lei Arimatéia Tito Filho, de fomento as atividades culturais de Teresina,  continua inerte desde de 2012, isso inclui pelo menos quatro projetos teatrais sem solução de continuidade. Como vimos, na cultura publica municipal em relação ao teatro, tivemos um ano ridiculamente decepcionante.
       No quesito esperanças esparsas podemos citar: o SESC (Serviço Social do Comércio), que manteve os seus projetos nacionais: Amazônia das Artes, Palco Giratório (com menos espetáculos nacionais circulando que no ano anterior) e o Leituras em Cena. Digno de nota foi a participação do primeiro trabalho piauiense no Projeto Palco Giratório, “Menu de Heróis”, representado por atuantes ligados ao Núcleo do Dirceu. A instituição, conhecida nacionalmente pelo amplo apoio as artes cênicas,  ainda tentou articular uma circulação estadual de trabalhos teatrais no mês de março, convidando dez espetáculos locais, depois teve que cancelar, alegando problemas operacionais, no entanto, retomou o “Projeto Pipoca e Guaraná”, voltado para o público infantil e juvenil, que não tinha sido realizado em 2013. O SESC local passa por momentos de troca de Coordenação Regional de Cultura e, em 2015, aguardamos esperançosos, uma ação mais efetiva localmente na área teatral.
        As poucas iniciativas exitosas vieram dos grupos teatrais e artistas da cena, que diante das circunstâncias difíceis, produziram o que puderam produzir: a Épica Cia de Criações, dirigida por Wanderson Lima, apostou no seu trabalho “Secante”, obtendo bons resultados, inclusive levando o espetáculo para fora do estado; Corpos e Oficinão, capitaneados pelo diretor e ator Adalmir Miranda, investiu em jovens artistas com “Assombrações” e “Palhaçada”; o Humanitas mostrou um novo trabalho, em comemoração aos 15 anos de trabalho do ator Júnior Marks, com direção de Luciano Brandão, estreando “Quando o Amor Não é Assim é Assado”; o mesmo Luciano ainda encenou e adaptou um conto de Caio Fernando Abreu, dando origem ao espetáculo “Sobre Borboletas”; Jean Pessoa e Alinnie Moura retornam as atividades  juntos, com um novo grupo denominado Cabeça de Sol, e  um novo trabalho “A Noiva e o Caubói ”. O Grupo Utopia, do incansável Chicão Borges, estreou um trabalho de rua “O Casamento de Nego Chico e Catirina”; O Proposta, liderado por Roger Ribeiro, apresentou a peça “Adorável Chip Novo”, também, apostando em novas promessas; O Grupo Harém de Teatro continuou exibindo seu espetáculo “Abrigo São Loucas” pelo estado, através  do Programa Cultura Viva, Lari Sales levou sua “Rainha do Rádio” para Vitória-ES e Vitorino Rodrigues e seus companheiros continuam trabalhando espetáculos para crianças e investem  no espetáculo manifesto “Geleia Geral”. No mês de dezembro, já encerrando o ano cênico, tivemos uma pré-estréia; “Itararé a Republica dos Desvalidos”, texto de José Afonso e direção de Arimatan Martins. Outros criadores usaram seus talentos e recursos em trabalhos comerciais, voltados em geral para o público infantil, alguns até sem assinatura do grupo ou diretor, portanto, literalmente descartáveis.
As mostras de teatro, em bairros da periferia da cidade, também, protagonizaram bons momentos para cena teresinense, acompanhamos de perto duas delas: a do Grupo COTJOC, no bairro Cidade Jardim, e a do Grupo Utopia de Teatro, realizada no bairro São João, ambas com a participação de bons trabalhos e presença de grande público. Além disso, muitas organizações teatrais continuam produzindo as famosas representações da “Paixão de Cristo”, que se esteticamente são repetíveis,  em termos de público  e mídia atraem multidões que se entretêm alegremente com elas.
         O Coletivo Piauhy Estúdio das Artes continuou apresentando seus dois espetáculos: “FOGO” e “Exercício Sobre Medeia”. Consolidou seu projeto “Ciclo de Leituras Dramáticas”, com mais seis edições em 2014, sem nenhum apoio das Instituições Públicas de Cultura do Estado ou do Município. O “Ciclo” comemorou seu primeiro ano com uma grande festa na Casa de Cultura de Teresina, onde lançou o Suplemento Cultural do Coletivo, que atende pelo nome de “CIGARRA”, com nova edição prevista para janeiro de 2015. O grupo conseguiu, com imensas dificuldades financeiras, levar o espetáculo “FOGO” para o o 21º  Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga- Ceará, obviamente sem nenhuma ajuda da Gestão Cultural Pública Estadual ou Municipal, participando com excelente desempenho de público e de crítica da Mostra Nordeste, que abrange alguns dos mais significativos trabalhos teatrais da região no ano anterior. Apesar de não ser competitivo, a curadoria do evento e o juri popular, consideraram o espetáculo do Piauhy como um dos melhores do evento. Dessa forma, procuramos implementar uma visão estratégica de atuação no cenário teatral local, e agora nordestino, privilegiando produtos culturais de alta qualidade técnica, estética e conceitual, com foco principal na formação integral do atuante e suas interfaces com a arte do espetáculo. Criando e mantendo produtos teatrais diversos, além de fomentar ações que visam implementar, fundamentar e re-significar nossas “visões teórico-práticas”, como também, a de outros grupos, pesquisadores e artistas que compõem o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, dialogando a respeito dessas “visões” através de artigos regulares no blog do grupo, Suplemento Cigarra e Colóquios de Artes Cênicas, sem nunca esquecer a importância do respeito as plateias nessa construção.
        O Teatro continua vivo no Piauí! Apesar do descaso do poder público, fracas bilheterias, inercia de boa parcela da dita Classe Teatral, ausência de formação acadêmica, tendenciosíssimo dos invejosos, falsa unidade dos artistas da cena, egoísmo, ignorância e incompreensão. Descortinamos 2015 como quem declara amor ao futuro.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Dezembro de 2014        
         

            

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

"Pausa" nos Diálogos de Pedagogia Teatral para "Croniquinha do Silêncio Nosso de Cada Dia"


Croniquinha do Silêncio Nosso de Cada Dia

                           Silenciar em nome da necessária “Convivência Harmoniosa”, pois como sabemos, toda ética implica em renúncia. Então renuncio e falo nas entrelinhas.

              Seria maravilhoso se não fôssemos obrigados a vivenciar, cotidianamente, situações de escandalosa irracionalidade no universo da arte: ilicitudes, tendenciosíssimos, invejas não sublimadas, hipocrisia, presunção, irresponsabilidade, descortesia, falta de caráter e, a sempre presente, avidez pelo poder, dinheiro e reconhecimento sem mérito. Por que essa estúpida necessidade de autoextermínio que alguns indivíduos pertencentes ao mundo artístico nutrem?

            Steve Jobs falou certa feita, infelizmente, no agora sou obrigado a concordar com ele que; “quanto mais o mundo exterior tenta nos impor uma imagem nossa, mais difícil é continuarmos a ser artista. É por isso que muitas vezes os artistas têm de dizer: ‘- Adeus, tenho de ir. Estou ficando insano com isso e vou sair daqui.’ E depois ir hibernar para qualquer lado. Talvez mais tarde, voltemos a emergir de uma maneira um pouco diferente.” Por enquanto permaneço neste espaço e tempo, refletindo e trabalhando silenciosamente, porém, meus olhos continuam sempre abertos e o meu espírito sente todas as sórdidas nuances dessa infausta realidade.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Novembro de 2014

sábado, 15 de novembro de 2014

3º Diálogo de Pedagogia Teatral - O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica



Diálogos de Pedagogia Teatral
- No Terceiro Diálogo analisamos o ofício do Diretor Teatral sobre duas perspectivas: pedagogo-diretor e diretor-como-criador, técnico e artista, empenhado em uma relação dialógica com todos os componentes do ato cênico nos processos de construção de produtos teatrais, bem como, na coordenação e formação continuada de equipes criativas, utilizando como referenciais o nosso trabalho à frente do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes e o microcosmo Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
3º Diálogo
O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica
 “A minha convicção agora é muito sólida.
Por algum tempo eu não fui assim.”
Johann Pestalozzi

           No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, a principal tarefa do diretor (ou encenador como queiram), em suas interfaces, como pedagogo e criador, é suscitar, propor e coordenar dialogicamente, os artistas envolvidos no ofício de criar, num permanente encontro com estéticas, dúvidas, perplexidades e visões, estimulando, nesses agentes Estados Criadores. Antes de qualquer polêmica inútil gostaria de esclarecer que não enxergo diferença ontológica entre os termos diretor e encenador, em detrimento disso, usarei os dois indiscriminadamente, realizando este devido esclarecimento, não ferirei suscetibilidades. Outro ponto digno de nota é a questão do pedagogo-diretor e do diretor-como-criador, denominações que utilizo neste colóquio com intenções meramente didáticas, já que essas duas funções são indissociáveis, realizadas pelo mesmo sujeito, na multiplicidade dos processos cênicos.

        Célestin Freinet, educador francês, declara que é preciso semear nos indivíduos, dentro dos grupos de trabalho, a essa vontade da criação: “(...) Se os ATUANTES (grifo meu) não tem sede de conhecimentos, nem qualquer apetite pelo trabalho que você lhes apresenta, também será trabalho perdido enfiar-lhes nos ouvidos as demonstrações mais eloquentes. Seria como falar com surdos. Você pode elogiar, prometer ou bater... Os cavalos não estão com sede!”, ou seja, a equipe criativa e, os entes que a compõem, ainda não se encontram prontos, a qualquer ato artístico autentico, entre outras palavras, o Estado Criador não se instalou no ato teatral.

         A expressão COLETIVO, ultrapassada para alguns cultuadores do individualismo hedonista, impõe-se cada vez mais viva no teatro que vislumbramos. Nossa visão pedagógica e artística de encenador, preconiza, que processos criacionais e formativos vigorosos, desenvolvam-se com maior integridade, dentro das equipes onde as individualidades (não individualismos) conseguem, de maneira coordenada e com profundo senso de compartilhamento (caracterizando a dialogicidade), construir atos cênicos valorativamente significantes.
   
            Cabe ao diretor qualificar o agrupamento para realização das tarefas propostas, conhecendo as necessidades peculiares daquilo que escolheu como profissão, sem jamais tornar-se escravo de uma estúpida vaidade (dele ou de seus dirigidos, ou quem saiba de ambos), como o fazem, os diretores ideofrênicos (ver 1º Diálogo), acreditando-se iluminados, perfeitos e incorrigíveis.  Partindo da nossa investigação pessoal, podemos afirmar, com razoável segurança, a existência de determinados princípios essenciais que fundamentam o metier do diretor teatral, entre eles, gostaria de frisar: aceitação crítica das condições materiais e humanas colocadas à sua disposição na consecução da obra de arte, somados a um esforço continuo e gradual para transformação dessas condições. Compromisso moral e intelectual com a mensagem que deve ser re-passada a sociedade de forma corporificada pelo conjunto dos produtos culturais criados coletivamente.  Doação ilimitada (e amorosa) ao oficio de construir fenômenos teatrais de qualidade. Aguçamento sensório-cognitivo, emocional e espiritual, relativos a todos os aspectos que interferirão, positiva ou negativamente, durante a construção de espetáculos, como também, na condução dos grupos em situação de formação continuada. Solidez estética, técnica e conceitual nas propostas e projetos que realiza. Capacidade de liderar equipes criativas de forma democrática, mas não licenciosa, isso significa, uma enorme habilidade e autoridade na mediação dos conflitos, que acontecerão inevitavelmente, na condução dos trabalhos. O encenador alemão Manfred Werwerth resumiria boa parte do exposto sentenciando, que o diretor seria ao mesmo tempo um artista e técnico, “... em vias de afirmar o que talvez constitua sua mais profunda vocação: ser um educador popular”, para nós, um pedagogo-diretor.

         Hamartía é um conceito grego que significa erro de julgamento ou erro por ignorância. Nas tragédias gregas, uma forma comum de hamartía, era também o pecado contra a hybris (aquele orgulho ou excesso de autoconfiança que conduz os indivíduos a desobedecer os avisos divinos ou a violar qualquer importante lei). A hybris conduz à queda inevitável como punição pelo excesso de vaidade do herói. O diretor-como-criador, uma interface não menos importante que a do pedagogo-diretor, tendo em vista, comporem a unidade indivisível, deve possuir uma frieza cartesiana na execução de suas invenções, ou seja, deve duvidar, metodicamente, da eficácia das suas soluções estéticas e conceituais, para não ser punido por desconsiderar a hybris. Único detentor da tradução exata da linguagem empregada pela equipe criativa no espetáculo, o diretor tornou-se, em muitos casos, a prima-dona do teatro. Guindado historicamente a condição de figura mítica do fenômeno teatral, o que o tornou, em muitos momentos, vítima da sua própria condição, evadindo-se da realidade, diante dessa constatação, como nos ensinava Eurípedes: “- Aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco.” Embevecer-se com a própria criação ou com seu suposto status quo, para nós encenadores é, incontestavelmente, um ato de loucura. Neste caso, como antidoto para essa doença infantil da profissão, prescrevemos relações dialógicas a serem estabelecidas, pelo diretor-como-criador, de honesta e incondicional humildade com sua própria criação e, consigo mesmo em relação ao universo do teatro, pois será ele que pagará, até o ultimo seitil, pelas suas falhas trágicas.

         Métodos pétreos e regras inflexíveis são pouco eficazes para quem deseja enveredar pelo ofício de encenador que respeita os princípios essenciais da dialogicidade. Isso não significa, em nenhuma hipótese, a falta de método. Conheço diretores que conseguem conceber trabalhos relevantes partindo de intuições e pura criatividade, no entanto, os grandes ícones da direção, sentem a necessidade, na constituição de metodologias como arcabouços teórico-práticos que os auxiliam, mas não os acorrentam, na invenção dos seus teatros. No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes os nossos esforços, como diretor do grupo, estão voltados para duas frentes de atuação:

1ª A criação compartilhada de produtos cênicos que contribuam efetivamente para evolução do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense em todos os seus matizes, sem esquecer, naturalmente, a necessidade da convivência das nossas obras com o conjunto dos espectadores e tradições do Teatro Brasileiro. Isso implica, a necessidade de estabelecer, relações dialógicas com os grandes pedagogos-diretores de todos os tempos, do Brasil e do exterior, bem como, aprofundar estudos e pesquisas, sistematicamente, sobre a produção teatral e cultural mundial, principalmente, a realizada no século XX e início do século XXI.

2ª Dedicação a “Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude” (ver 2º Diálogo de Pedagogia Teatral), observando, as necessidades individuais de cada um deles, integrando-os as visões teórico-prática que passam a fundamentar a vida do Coletivo.

      Essas duas frentes, que denomino de Movimentos de Ação Dialógica, sendo a 1ª com o mundo sociocultural que envolve as artes cênicas e a 2ª relacionada a formação dos atuantes (isso inclui outros artistas e técnicos como músicos, maquiador, iluminador, etc), constituem, o que podemos chamar de metodologia, que não é um fim em si mesmo, mas uma possibilidade de compreender, agir e modificar realidades. Portanto, conhecer, socializar, organizar, implementar e codificar conhecimentos, práticas e atitudes, apesar de ser tarefa de todos os indivíduos da equipe, é obrigação do Diretor que incorpora a ação dialógica como práxis.

      Uma forma elucidativa na conclusão desse 3º Dialogo, é a contribuição milionária do poeta Manoel de Barros, que nos ensinou a importância das grandezas do ínfimo e, em seu magnifico poema “Uma didática da invenção”, onde nos dá, quase sem pretender, uma aula perfeita de direção, a qual reproduzo alguns fragmentos:

“Uma didática da invenção” (fragmentos)
I
“Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
II
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.
III
Repetir repetir — até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo (...)
(...) VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio. (...)

      “Apalpar as intimidades do mundo” é a síntese, exata e perfeita, do que é assumir com maestria o sacerdócio da Direção Teatral e, o presente verso, descredencia este ou qualquer outro ensaio sobre o tema.
                                                                Adriano Abreu

Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Estação da Seca

sábado, 1 de novembro de 2014

2º Diálogo A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude



2º Diálogo
A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude
“O problema que tenho que resolver, portanto, é este:
pôr em harmonia os elementos de qualquer arte
com o ser do meu espírito, pela observação das leis psicológico-mecânicas,
mediante as quais se elevam nosso espírito das intuições sensíveis aos conceitos exatos. ”
Johann Pestalozzi

           O violonista brasileiro Marcos Tardelli declarou em uma máster class de violão erudito, ao reparar o jovem artista de 12 anos de idade tocar uma canção de forma surpreendente: “- Todo talento é uma rampa abaixo.” Acrescentaria, a esta afirmação assustadora, que se esse talento não for realmente cultivado, inevitavelmente, será a tal rampa abaixo mencionada pelo genial músico brasileiro.
            O Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense em detrimento das estruturas éticas, filosóficas, pedagógicas e estéticas, forjadas, durante todo seu processo de construção e sedimentação como manifestação cultural, através de modelos valorativos questionáveis e, na maioria das vezes obtusos, tem tratado o problema da formação do atuante como assunto irrelevante. Acreditamos, ou fingimos acreditar, que tudo é uma questão de talento; e os talentos, depois de usados e abusados (principalmente abusados), ao longo dos anos, através de um atroz processo de má-formação e, desenvolvimento incompleto de suas habilidades e competências artísticas, tornam-se apenas; manifestações de um silencioso desespero.
            A ausência da academia reforça esse quadro desalentador, porém, infelizmente, esta ausência não tem sido decisiva neste processo de-formativo. Digo, infelizmente, porque se instituíssemos um curso superior em Artes Cênicas, o problema nem de longe estaria solucionado, pois a questão, vai além do simples acesso a conteúdos acadêmicos. A experiência nos mostra que a formação de atores, atrizes e performers deve passar por permanente processo de ação/reflexão/ação, isso significa, uma vida dedicada a aprendizagem, movida por uma vontade ininterrupta de auto aperfeiçoamento, sabendo que você nunca estará pronto e, principalmente, imbuídos da consciência de que os modelos relacionais estabelecidos com o teatro, serão definitivos, para efetivação do seu produto cultural, harmonizando ou desequilibrando sua vida profissional e pessoal.
           Relacionar-se sugere perceber as conexões existentes entre suas ações, num determinado tempo e, os efeitos dessas ações, para além do tempo presente. Ilustraremos com um exemplo bastante polêmico na dita Classe Teatral e, por ser polêmico, fundamental para essa ilustração, já que, reflete essa relação de causa e efeito entre as escolhas vivenciais do atuante e seu ofício, imaginemos: um ator que utiliza-se de drogas meia hora antes de um ensaio ou apresentação, deseja convencer-se (e convencer aos outros), de que o uso daquela substância não irá alterar sua percepção e, consequentemente, seu estado psicofísico. Sem dúvida, o hipotético ator, estabelece um relacionamento hipócrita com seu fazer artístico, neste sentido, imprestável para um ato teatral autêntico; geralmente, denomino este modelo de atuante de Tartufo, pois como o personagem de Molière, considera que “não há pecado se este for escondido”. Espera-se de comportamentos questionáveis, pelo menos, que se assumam os riscos, de forma consciente, por tais comportamentos, ou seja, o atuante pode até dar-se o desfrute do consumo de substâncias psicoativas antes de ensaios e apresentações, no entanto, não queira convencer a si e a equipe criativa que tal atitude não alterará seu bios-cênico.
            Até que ponto vai a nossa liberdade de iludir, iludindo-se? Acredito, que um comportamento absolutamente honesto, entre o atuante e sua arte já é, um gigantesco passo, para re-valorização dos nossos atos teatrais. Portanto, para que sua formação não seja uma descarada mentira, não se faça de Tartufo.
         Shopenhauer afirma que a infelicidade provém de uma busca incessante por uma vida sem sofrimento. Tendo em vista, que o sofrimento é inerente a vida, assim como a alegria; dor e prazer passeiam de mãos dadas sob um dia de sol. Aceitar essa realidade seria uma maneira razoável de não adoecer por existir. Para o artista da cena o inferno é o medo da não aceitação a sua obra e, os Campos Elísios seriam os elogios a sua “grande arte”, até aí tudo bem, não fosse os problemas que esse tipo de atitude carrega.  Outro dia, assisti a um espetáculo realmente muito ruim, desses em que a gente entra na sala de espetáculos com a satisfação sempre esfuziante dos apaixonados pelo teatro e, sai pensando seriamente, em cometer um ato de selvageria contra quem montou aquela coisa, por favor, não me falem da liberdade de criação, a realidade nem sempre é condescendente com os autoproclamados politicamente corretos. O que mais me chamou atenção, naquela infausta encenação, foi o ridículo comportamento narcisista do protagonista da peça, o sujeito parecia um pavão despenado durante todo espetáculo e, ao cumprimentar os espectadores, ao final daquilo que ele, erroneamente, considerava uma obra prima de atuação mostrou-se um “ser-coisa”, que busca a todo momento o ideal, e foge do real.
           Comportamentos doentios de muitos artistas são frutos, entre outras coisas, de uma visão que privilegia processos formativos incompletos, onde o que importa é a satisfação de necessidades pessoais imediatas, e o preenchimento de vazios existenciais constantes, mais que o teatro. Atores, atrizes e performers estabelecem então, relações frágeis e superficiais com a arte, onde o que vale é a supervalorização da imagem e a busca de relações indolores com o fazer artístico, e quem procura a sabedoria, mais que o conhecimento sabe, que relações indolores inexistem na vida ou na arte, porque tudo é vida. Como um Narciso, à beira de um lago de ilusões, este tipo de “escolho” da nossa profissão, admira-se como ser único e inigualável, na vã tentativa de esquivar-se da dor de uma existência difícil, que cedo ou tarde, vai obriga-lo a suicidar-se nas águas da sua vaidade. Frustração e pertencimento, gozo e destruição, deleite e degradação, são partes integrantes de uma formação que prima pela completude. Nessa perspectiva, na sua educação no ofício da atuação, não imite Narciso.
       O ator e diretor Chiquinho Pereira, um dos grandes atores do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense de outrora,  afirmava, com muita propriedade, que para ser um bom atuante, faz-se necessário possuir uma cosmovisão, isso implicaria um artista da cena completamente integralizado em tudo que diz respeito a cultura humana, bem como, um indivíduo pleno de habilidades e competências psicofísicas e até espirituais, advinda de uma espiritualidade não vaga, ou seja, o teatro solicita sujeitos com amplas percepções do mundo aplicadas, naturalmente, a tarefa de atuar. Outro dia perguntei a um grupo de atores e atrizes o que lhes ocorria quando eu falava o nome Salvador Dali; uns disseram surrealismo, outros falaram relógios desmanchando e alguns falaram até na dimensão do sonho, etc. Umas das pessoas do grupo disse que não lhe ocorria nada, pois não sabia do que eu estava falando. A pessoa que, ingenuamente, fez essa declaração não é de forma alguma desprovida de inteligência ou talento, no entanto, fatalmente desconhece, não valoriza ou não foi estimulada a perceber a importância de uma formação cultural sólida, somada, obviamente, a um cuidado especial com seu aparelho psicofísico para a realização plena do seu trabalho. Eugenio Barba, um dos ícones do teatro contemporâneo, é taxativo ao afirmar que “o teatro não é lugar para diletantes”. Esta máxima, se seguida ao pé da letra, significaria que é exclusivamente sua responsabilidade tornar-se apto ao exercício profissional de ator, atriz ou performer. Caso não sinta-se capaz de plantar na sua persona essa cosmovisão, essencial a qualquer práxis formativa, pelo menos não sejam diletantes.   
              Woyzeck é um personagem de Georg Büchner (da peça de mesmo nome) que submete-se, por alguns trocados, a uma experimentação estúpida de somente se alimentar de ervilhas, tal procedimento, e uma vida desestruturada o leva a loucura, crime e suicídio. No teatro, é fundamental, para o processo de formação do atuante que ele saiba escolher os trabalhos que deve participar e as pessoas com quem deve desenvolver suas atividades. Muitos trabalhos cênicos não passam de verdadeiras armadilhas. Quando era ator participei de um processo de montagem frustrante, passei praticamente um ano “comendo ervilhas teatrais”, imerso em um momento da minha vida cênica que só me trouxe desapontamentos. Oito longos meses trabalhando com um elenco descompromissado, conduzido por um diretor que, da forma como começou os trabalhos continuou, valorizando mais as brincadeiras, bichices e futriquinhas do que a realização do trabalho criativo, até o feliz dia, que ganhei a porta de saída para nunca mais voltar.
          As práticas de montagens são momentos pedagógicos fundamentais, através delas, o atuante tem contato com a carne viva do teatro, neste momento privilegiado atores e atrizes poderão internalizar conceitos e atitudes relativas aos seus estudos e pesquisas teóricas, bem como, vivenciar experiências e conhecimentos de vários artistas. Conhecendo esta verdade, faz-se necessário, aprender a gerenciar a carreira no que tange a construção e realização de produtos cênicos, na minha opinião, essa é uma das essências do nosso ofício e um fenômeno educacional por excelência. Conheço gente de teatro que está no ocaso profissional, com trinta quarenta anos de palco, sem nunca ter montado nada relevante, como o infeliz personagem de Büchner, apenas submeteram suas carreiras a criaturas e propostas nefandas, que nada acrescentaram a sua educação e realização teatral. Esforce-se para consecução de objetivos nobres, com vidas dedicadas a arte, cercadas de pessoas cheias de nobreza, isso é o cerne do teatro. Procure, acima de tudo, alimentos mais substanciosos na sua formação teatral, não se torne um Woyzeck.
         Na imensidão que é o universo teatral lembremo-nos sempre do sábio conselho de Paulo, o apóstolo cristão, na sua belíssima Carta aos Coríntios: “- Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não deixarei me dominar por nenhuma delas”.  Eis uma das chaves da iluminação, para quem procura mais a sabedoria do que o conhecimento, em uma existência dedicada a arte. Busque a claridade do trabalho árduo e fuja das trevas das facilidades. Faça de sua formação teatral um eterno encontro com todos os matizes da evolução.
         
Continua no 3º Diálogo
O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica

          
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Estação da Seca




quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Diálogos de Pedagogia Teatral - 1º Diálogo: Fazer Por Fazer? Melhor Não Fazer!




1º Diálogo
Fazer Por Fazer? Melhor Não Fazer!

“ Em vão se eleva o sol para nós, e em vão também ele se põe.
Em vão se estendem seus imutáveis encantos planos e campos, vales e
montanhas; não  são nada para nós. Muito menos aqui alcança minha
influência, mas hão de preencher-se esses vazios se a educação
do povo houver de elevar-se da insensatez de sua barbárie atual
á harmonia com o ser da nossa natureza. ”
Johann Pestalozzi
      Questionado sobre qual era o principal problema dos espetáculos produzidos pelo Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, respondi evasivamente, que era ausência de acabamento adequado dos produtos cênicos apresentados a nossa plateia ainda em formação. Todavia, a resposta carece de aprofundamento, já que, a falta ou o pouco esmero na finalização dos espetáculos locais é, apenas, o resultado de uma série de outras lacunas, que foram decisivas, para as deficiências evidentes do que o espectador acaba consumindo.
        O primeiro e, facilmente identificável ponto nevrálgico, causador de danos incorrigíveis, na quase totalidade dos espetáculos montados por essas plagas é o despreparo da grande maioria dos atuantes para realização de obras teatrais autênticas. Atores e atrizes com pouca ou má formação intelectual, incapazes, muitas vezes, de compreender o significado do que reproduzem, mecanicamente, em cena. Além disso, o aparelho psicofísico de enorme parcela dos nossos artistas da cena, não possui condições mínimas para uma atuação mais exigente, como se não bastasse, esses Núcleos Essenciais do Trabalho Cênico (os atuantes), são vitimados por duas características internalizadas na nossa prática teatral: o descompromisso, fruto da  indisciplina, com que encaram aquilo que deveria ser o foco de suas preocupações; a sua formação profissional, como também, um fator agravante, é a participação em processos de sistematização e realização de obras teatrais contaminadas por toda sorte de aberrações, conduzidos, por sua vez, por diretores e encenadores, quando não incompetentes, absolutamente Ideofrênicos.
          Considero Diretores Ideofrênicos, aqueles que operacionalizam seus trabalhos, valorizando unicamente suas toscas ideias (irrealizáveis ou esdrúxulas) preconcebidas, somadas a fragmentos metodológicos mal digeridos. Tornou-se lugar comum no nosso metier, encenadores que autodenominam-se stanislaviskianos, artaudianos, grotowiskianos, barbianos (sem mencionar os ditos contemporâneos), etc, que nem sequer, leram as obras desses pensadores do teatro e, quando leram, não as interpretaram corretamente, geralmente, tiveram contatos superficiais com o conhecimento produzido por esses mestres através de textos esparsos, catados feito pulgas na grande rede.  Obviamente, tais procedimentos, cedo ou tarde, entrarão em contradição com a realidade latente de atores e atrizes carentes de melhor preparação, condições materiais e tecnológicas precárias, baixos ou nenhum orçamento de produção e conteúdos abordados mal compreendidos ou mal elaborados. O resultado, quase sempre, são produto culturais de baixa qualidade técnica, estética e conceitual. Entre os chamados Diretores Ideofrênicos a prática comum, é a alusão, entre os membros de seu elenco, a elogios feitos as suas obras e realizações por figuras da dita Classe Teatral (quase sempre hipócritas) ou a bajulações de membros do público comum, em geral, portadores de um senso estético, por vezes, bastante adulterado. Dessa forma, institui-se no seio da nossa nobre arte, verdadeiros pactos de mediocridade, contudo, é importante salientar; nenhum elogio verdadeiro ou falso resolverá as deficiências do seu trabalho e nenhuma crítica negativa, ou até mesmo destrutiva, poderá apagar os méritos dele. Portanto, sem dar completamente as costas para críticas ou elogios, tendo em vista que essas categorias fazem parte do universo espetacular, faz-se necessário o desenvolvimento de uma importante competência no seio das equipes criativas; a autocritica. Esse elemento dentro de grupos ou coletivos teatrais, torna os Processos Criativos Clarividentes em contraposição a Processos Criativos Insuficientes, fortalecendo as organizações teatrais e, evitando, a manipulação do staff por diretores farsantes, geralmente camuflados por uma pseudo intelectualidade, respostas pré-fabricadas e um arsenal de piadinhas cretinas.
        No Piauí, o fenômeno teatral é realizado em organizações mais ou menos estáveis, o que possibilitaria, pelo menos em tese, a consecução de projetos de montagem mais completos, no entanto, isso não notabiliza-se na prática. No microcosmo teatral, que é o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, o que temos reparado são Processos Criativos Insuficientes, caracterizados pela supressão de algumas fases que, na contemporaneidade, orientam a concepção, condução e execução das obras artísticas de caráter cênico em grupos, núcleos e coletivos preocupados na qualificação de seus trabalhos. Localmente, as organizações voltadas a produção teatral, desenvolvem seus produtos da seguinte forma:   
1º Estudo preliminar realizado pelo diretor.
2º Leitura de mesa de texto dramatúrgico ou exposição inicial da ideia da montagem para o elenco.  
3º Dinâmicas introdutórias de curta duração (na maioria dos casos nem isso).
4º Decoração do Texto e marcação de cenas.
5º Ensaios gerais, geralmente três (concomitantemente a esta fase ocorre a produção de cenários, execução de figurinos, concepção de luz, sonoplastia e maquiagem se houver, etc).
6º Estreia.
          Tal esquema apresentado ainda é bastante otimista, pois em geral, a sistematização é bem mais modesta. Essa forma de vivenciar o ato cênico, infelizmente, tem sido a tônica da construção histórica do teatro no nosso estado e, os resultados verificados, mais que danosos, tornam-se catastróficos, certamente, com raras e alvissareiras exceções.
          A junção dos três elementos referenciados: atuantes despreparados, diretores incompetentes ou Ideofrênicos e Processos Criativos Insuficientes refletem o que denomino “Fazer Por Fazer”, portanto, as deficiências nos acabamentos dos espetáculos produzidos no Piauí, apenas demonstram, acima de tudo, relações éticas e valorativas questionáveis relacionadas ao universo profissional e amador no âmago do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
          Sem querer nos arvorar de donos da verdade, valorizando a liberdade de criação que deve ser a insígnia do nosso ofício, convicto da nossa falibilidade e limitações, porém, repletos do desejo de contribuir com o conhecimento adquirido, através de imenso esforço e muita humildade, para com o teatro como instituição milenar, cabe apontar soluções plausíveis, para elucidação ou pelo menos minoração dos efeitos nocivos das  teorias e práticas equivocadas reproduzidas localmente pela nossa arte historicamente. Nessa perpectiva elaboramos os Diálogos de Pedagogia Teatral.  Todavia, antes de mais nada, sugerimos aos que comprometem seu tempo, talentos e suas próprias vidas a essa atividade humana sem a certeza plena do que realizar, guiado por frágeis motivações, acompanhado de exíguas condições e repletos de um sentido de dubiedade com relação ao ofício, o Melhor, é Não Fazer Teatro!
Continua no 2º Diálogo
A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude  
         
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

Estação da Seca