sexta-feira, 29 de agosto de 2014

                                                                      

Vivo! Gozando de Perfeita Saúde!
Assinado: O Teatro!


            Perderam seu tempo e o trabalho aqueles apressados que escreveram em um túmulo: “- Aqui jaz o Teatro”. Estou a trinta dias, de forma ininterrupta, fazendo, vendo e pensando teatro. Funeral mesmo, temos acompanhado, cotidianamente pelas ruas e nas TVs, com o cortejo de políticos defuntos, seus risos arregalados e discursos mumificados secularmente.   Esses “zumbis”, infelizmente, de cultura não entendem patavina e, seus assessores para área cultural, só tem contribuído para o progressivo aumento da ignorância entre eles.
             Deixemos o mundo dos mortos e cuidemos da vida teatral pulsante dos últimos dias na nossa ainda provinciana capital do estado do Piauí: 26 de julho (a exatamente um mês) o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes comemorou no varandão da Casa da Cultura de Teresina, com presença maciça do público, o primeiro ano do Projeto “Ciclo de Leituras Dramáticas”. Artistas, intelectuais, amantes das artes cênicas abrilhantaram uma noite fantástica, onde foi celebrado também, os 450 anos de nascimento do maior dramaturgo da literatura universal, William Shakespeare, através da leitura dramatizada de “4 cenas de 4 comédias” do bardo. Lembro-me, com sorriso sorrateiro nos lábios, do comentário nada estimulante de um colega de trabalho que me declarava: “– Quem é que vai querer assistir uma leitura dramática? Existe público para isso?” As 10 primeiras edições do projeto provaram o contrário. Realmente, “o tempo é o senhor da razão!”  Caminhamos para 11ª Edição do Ciclo com pouquíssimos apoios institucionais, ampla colaboração da classe artística, de amigos e de Teresina, repletos da vontade de ler, beber, comer e fazer amor com mais dramaturgias, riquezas da cultura dos seres humanos em sua aventura pela Terra.
              O SESC (Serviço Social do Comércio) continuou durante todo mês de agosto, como faz todos anos, dois projetos maravilhosos: “SESC Amazônia das Artes” e “Palco Giratório”. Gostaria de fazer duas críticas, espero que construtivas, a essas iniciativas incríveis: 1ª Colocar apresentações as 15:00h têm impossibilitado o acesso de muitas pessoas interessadas na apreciação das mesmas. 2ª Formação de plateia, na minha sempre humilde opinião, não deve ser apenas entupir um ônibus de alunos e “despejar” dentro de uma casa de espetáculos, conversando com alguns desses garotos, afirmaram para mim, que “não sabiam nem o que estavam fazendo ali”. Até para formar plateias é necessário um processo educativo prévio. Contudo, fazer circular produtos culturais por toda Amazônia Legal e pelo Brasil é mais que uma iniciativa de cultura é um investimento no povo brasileiro. Para concluir essa etapa da nossa viagem, queria fazer uma deferência, ao espetáculo “Viúva Porém Honesta” do Grupo Magiluth de Pernambuco (circulando pelo Palco Giratório), uma “farsa maravilhosamente irresponsável” (o maravilhosamente é grifo meu) como afirma o elenco que, para mim, só não foi mais sensacional por dois motivos: 1º Um sujeito viciado em celular postado atrás da minha poltrona que insistia em iluminar com seu aparelho conectado em uma dessas ferramentas viciantes, denominadas redes sociais, durante boa parte da peça. Esse mesmo cidadão já é contumaz nessa prática durante apresentações culturais, portanto, quem identificar esse sujeito em alguma apresentação cultural avise-o: “- Ou desliga o celular ou fica em casa meu chapa.” 2º na hora do bate papo final com o elenco do espetáculo, sempre aparece um camarada para fazer colocações, digamos infaustas, sobre os trabalhos apresentados. Obviamente toda crítica e, elogios também, devidamente fundamentados, são bem-vindos, todavia, certas colocações, muitas vezes, ocas de essência, seriam melhor omitidas. O pior é que as práticas artísticas dessas “sumidades”, em geral, contrariam seus discursos. Porém, como dizia aquele famoso comercial de TV “nada substitui talento” e, eu acrescento, a pesquisa e a atualização. O Teatro sobrevive a milênios e, nunca morrerá, porque evoluiu com a saga dos homens e mulheres, quem não estiver aberto para esta evolução, certamente, está fadado ao anacronismo. Portanto, parabéns ao Magiluth e ao SESC.
          Alguns grupos se mobilizaram durante o mês de agosto no sentido de colocar seus “blocos nas ruas”, dignos de notas: a CIA Épica de Criações com seu libelo do drama da seca nordestina, o coreográfico “Secante”, outro coletivo que estreou no mês foi o “Humanitas” com o solo do ator Júnior Marks  “Quando o Amor é Assim e Não Assado” e o Grupo “Utopia de Teatro”, capitaneado pelo nosso batalhador Chico Borges e o seu espetáculo “O Casamento de Chico e Catirina” alegrando os cidadãos da cidade “quase” verde. O Coletivo Piauhy Estúdio das Artes apresentou suas obras na Casa da Cultura (aniversariante do presente mês) dia 12/08 “FOGO” e dia 16/08 “Exercício Sobre Medeia”, espetáculo estrelado pela atriz Silmara Silva que abriu, como homenageada, a “V Mostra de Teatro: Arte ao Alcance de Todos, promovida pelo COTJOC (CIA de Teatro Jovens em Cena) residente no Bairro Cidade Jardim.
        UMA MARAVILHOSA FESTA DO TEATRO BRASILEIRO DE EXPRESSÃO PIAUIENSE a “V Mostra do COTJOC”. As dez atrações cênicas que compuseram a programação merecem uma breve referência para ilustração da mais importante realização desses 30 dias de intensa atividade teatral: - Dia 16 de Agosto na Casa de Cultura de Teresina aconteceu o “Exercício Sobre Medeia”, Silmara Silva lançou o projeto de forma emocionante, em uma performance de alta voltagem, revelando a potência de uma atuação visceral.  Dia 22 de agosto, abrindo a oficialmente a Mostra, vimos o  espetáculo “O Casamento de Nego Chico e Catirina”, do Grupo Utopia de Teatro que já frutifica o esforço realizado pelo grupo durante anos, em uma apresentação singela, as vezes ingênua, mas que tende a evolução. No mesmo dia apresentou-se o Grupo W de Teatro com a adaptação da fábula “O Gato de Botas”, afirmo, de forma respeitosa, recheada do carinho que sinto pelo elenco, que a peça carece de aprimoramento técnico, estético e conceitual. Fechando a noite do dia 22/08, assistimos, com muita satisfação a CIA Truá apresentar um dos espetáculos de maior longevidade no cenário teatral local, o maravilhoso, “Dezessete Minutos Antes de Você”, maior prova de que a qualidade faz a diferença e que uma obra de arte autêntica sobrevive as intempéries do tempo e das dificuldades. No dia 23/08 aconteceram mais 3 espetáculos, infelizmente, nesse dia tive que optar pelo espetáculo do Coletivo Atelier Voador de Salvador-BA, denominado “O Diário de Genet”, que não me suscitou élan, apesar da proposta interessante e boa representação de um dos dois atores.
        Retornando a mostra do COTJOC, mesmo sem estar presente na noite do dia 24/08, gostaria de comentar dois dos trabalhos apresentados, pois os assisti anteriormente: “A Pele do Lobo” peça do grupo promotor do evento, que reflete uma melhoria significativa em relação a outras produções do Grupo teatral do bairro da Cidade Jardim, outro trabalho da noite, foi o  teatro em forma de manifesto “O Chip Nosso de Cada Dia”  do Grupo Proposta de Teatro, assinado pelo ator e diretor Roger Ribeiro, homem da arte que tem se notabilizado como um grande formador de atuantes, revelando artistas de valor, como a própria homenageada do evento Silmara Silva,  neste trabalho não foi diferente, apesar das limitações da peça, o elenco formado por jovens atuantes, realmente encanta, com destaque especialíssimo para Nanda Sousa, que se continuar no ofício dará imensas alegrias a nossa arte. Faz-se necessário uma menção ao Grupo Buriti de Teatro que apresentou “Estranho Espelho Meu”, espetáculo que ainda não tive o prazer de assistir, mas gostaria de ressaltar a delicadeza sempre presente no líder do grupo Dan Martins, que a poucos dias realizou mais um festival de artes em sua terra natal, Buriti Grande-MA.
                 Dia 25/08 abriu as asas da V Mostra coordenado pelo ator e diretor Arimatéia Bispo, com exibição na feira do Bairro, do estatuismo de Silmara, que conseguiu comover centenas de pessoas que passaram pela praça, um momento mágico, para todos que o vivenciaram. A noite, no espaço “Jaburu Eventos”, totalmente lotado, a CIA Épica de Criações apresentou “Secante”, um espetáculo que representa a linha de pesquisa e desenvolvimento da linguagem do coletivo, repleto de signos e belas imagens, o produto cultural abriu de maneira significativa a última noite da festa. Encerrando as apresentações teatrais tivemos o escatológico “Pau de Arara”, do Grupo Careta de Caxias-MA, o espetáculo agradou ao público presente pelo seu apelo popular e, pelas atuações do competente Maciel Mourão e do genial de Jean Pessoa.  A V Mostra do COTJOC ainda foi contemplada com boas atrações musicais, Aline Cardoso e Gilsinho, no lançamento do projeto, e a talentosa Laíz Mara no encerramento. O humorista Valbert Dourado também contribuiu com o projeto, proporcionando boas gargalhadas ao público presente no 2º dia. Enfim, dezenas de artistas iluminaram a região da Pedra Mole e a Casa da Cultura, nos 4 dias iluminados por Dioniso que foram acompanhados de forma entusiástica por centenas de espectadores.
             Importante lembrar que o “mês teatral” ainda não terminou, teremos o aguardado Festival de Improvisações dia 30/08, durante todo dia, na galeria do Clube dos Diários. O Festival é promovido pelo Grupo Raízes e coordenado pela atriz e diretora Lorena Campelo. Depois de 30 dias transcorridos, só reafirmamos, o teatro continua vivo e gozando de perfeita saúde, graças a abnegação e trabalho árduo de muitos e certamente com o olhar agradecido do público e de todas as divindades.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
          
          

            
    

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A Profunda Arte do Não Saber

          

A  Profunda Arte do Não Saber


“Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.”
Manoel de Barros



              Tinha  momentos que já não sabia por onde andar e a falta de imaginação pairava, como um bloco de concreto, sobre a minha cabeça. Os dias dentro das horas pareciam delicadas cirurgias no coração, todo tempo preferia não morar em mim mesmo, porém, uma parte da minh’alma sabia que sabia de tudo, apesar, da outra banda, pular cotidianamente de um arranha céu, posto que de nada sabia.

              Dirigi desta maneira o espetáculo “FOGO”, da mesma forma dirigi o “Exercício Sobre Medeia” e todas as demais coisas também foram realizadas da mesmíssima forma. Certa vez olhei estupefato a atuante, em estado de fúria, mandando porrada em todas as portas e janelas da sala de ensaio, deu-me uma vontade tremenda de dar um chutão, daqueles de tiro de meta, no seu e no meu orgulho ferido, nada fiz, ou se ainda me lembro, apenas atirei o texto no chão, rídiculo e impotente protesto, os palcos da verdade sempre encerram suas portas aos orgulhosos.

               A cada atraso, descompromisso ou negligência de um ator durante os processos de criação escorria dos meus dentes cerrados um palavrão que envenenava as minhas rotinas, envenenei-me, contudo, conduzi “meu carro e meu arado sobre os ossos dos mortos.” Tudo evoluia sempre e indissolutamente, porque é assim que um espetáculo autêntico é feito. Os não letrados na arte de construir mundos desconhecem, mas  a verdade é que a profissão teatral é em essência idiossincrática, ao longo da vida, nos teatros que inventamos, revelam-se gramáticas emocionais nos nossos espíritos, no meu, trago enraizada uma morfologia que não herdei de nenhum mestre, que fala mais ou menos assim: “- Nunca trate nenhum milímetro do seu trabalho teatral como coisa inútil. Se assim o fizeres, terá em mim, o diretor, um pistoleiro mortal a espreitá-lo nas veredas do seu descaso com a arte. Essa arte, filha do louco Dioniso, coisa mais especial que tudo para mim.” Perdi bons e valiosos amigos em virtude desta inegociável regra gramatical.

                Não existe maior sabedoria para um homem ou mulher de teatro do que saber acender ou apagar uma luz no momento certo, qualquer pessoa das cênicas que desconheça essa habilidade morrerá em vida, nessa “arte saguinária” que denominam teatral. Antes de entrarmos em cena pela primeira vez com o “FOGO” um dos atuantes começou a chorar porque o figurino não havia chegado, eu quase berrei no seu ouvido para que uma luz se acendesse: “- Não chore, nem fique triste, fique é com raiva.” Aquele foi um dia memorável para todos nós. Quem não deseja correr riscos não esta pronto para o teatro. Essa é uma verdade irretorquível.

              Apago a luz com um verso do “Caderno do Aprendiz” do poeta que conhece as grandezas do ínfimo: “Tenho o privilégio de não saber quase tudo./E isso explica/ O resto.”


Adriano Abreu (Diretor do Piauhy Estúdio das Artes)

Teresina - Agosto 2014