Angustia e Libertação
“O mais urgente não me parece tanto
defender
uma cultura cuja a existência nunca salvou qualquer
ser humano de ter fome e da preocupação de viver
melhor,
Mas extrair, daquilo que se chama cultura,
ideias cuja
força viva é idêntica à da fome. ”
Antonin Artaud
Seguir a lógica infame onde a arte que devamos fazer seja do tamanho da
pobreza econômica do nosso Estado de nascimento, o Piauí, nunca nos pareceu uma
proposta aceitável. Sempre houve um esforço da nossa parte na realização de uma
proposta artística que fosse equivalente a opressão que formata esse lugar.
A principal responsabilidade daqueles que se fizeram artistas é
declarar, da forma mais contundente possível, através do seu trabalho, para
aquilo que chamam de sociedade, sua lancinante indignação contra quaisquer
ações que coloquem homens e mulheres nas sombras da indigência humana.
Inclusive, visões que subjugam os próprios artistas a condição de meros
sobreviventes.
Nas lagoas institucionais, os proprietários dos parcos recursos
destinados a essa área do desenvolvimento humano, fornecem aos fazedores de
cultura, a ração necessária a uma vida na arte, até o dia em que o próprio artista
vire a comida.
Dessa
forma, alguns de nós, os que possuem um sopro de sensibilidade ainda adentrando
nos pulmões artísticos, revela-se a realidade: vivemos em um permanente estado
de angústia, e a angústia confunde-se com o desejo de ser livre, a bruta
vontade de pegar as estradas do vento. Infelizmente, esse sentimento não reside
na maioria dos seres que vivem no universo da criação estética.
Os comensais necessitam de carne e vinho. Carne e vinho custam caro. O
banquete deve ser servido para poucos. Os realizadores da cultura nutrem-se dos
sobejos. Os comensais necessitam da pratica artística que justifique a
impressão civilizatória. Quais os artistas desconhecem essa equação? Como
pensam e agem aqueles que aprenderam e gostam de sobejar? O monstro da arte
possui muita cabeças, porém, a turba cada dia mais míope, só percebe a face
mais hipócrita ou mais incipiente da cultura.
Fazemos teatro, isso pode parecer simples, engraçado, estúpido ou até um
ato de profunda irresponsabilidade, neste ambiente, onde mulheres são mortas
por serem mulheres, e os homens que comentem essas atrocidades, se forem
comensais do banquete do mal, jamais verão a justiça na Terra, a Justiça que
faz as seguintes perguntas cinicamente: mulher ou homem? Preto ou branco? Vila
ou condomínio? Artista ou político? Gay ou pai de família? Qual o credo que professas?
Creio que isso justifica o fazer teatral dos pássaros, peixes e até mesmo das
víboras, pois mesmo egoisticamente elas, sem querer, colaboram. Pareceu-nos
coerente fazer da Cena uma forma de transmutar nosso asco por esses infelizes
que representam esse estado de coisas, na vontade de aprendermos o humano de
uma outra forma que não fosse essa distorção.
Nunca haverá arrependimento para aqueles que estão no meio dos palcos do
mundo gritando ou sussurrando profecias e impropérios aos ouvidos moucos dos
cidadãos da pólis. Agradecemos nossa “ração de pânico” e as mirradas politicas
culturais, porque somos gratos a quem nos apoia, independentemente de suas
motivações, no entanto, não existe nenhuma adesão irrefletida nessa gratidão,
sabemos engolir alegremente os restos, isso faz parte do ritual do banquete,
contudo, o relógio da bomba não para de girar, nossa arte é flor e vírus.
A
angústia, semente da libertação, deverá conduzir-nos nos caminhos de vento, não
perdemos a capacidade de amar. A direção será um mergulho tão forte na ventania,
até o total apaziguamento.
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo
Piauhy Estúdio das Artes
Em homenagem ao Dia
Nacional da Cultura
05/11/2017