Introdução
Em Rei Lear, Shakespeare afirma que “... se concedermos à natureza humana apenas o que lhe é essencial, a vida de humanos valerá tanto quanto a de um animal...”. Para o bardo inglês, é nossa vontade de supérfluo que nos diferencia dos outros bichos. E foi em concordância com o famoso dramaturgo e movido por esse sentimento, demasiadamente humano, de querer mais, de desejar mais, de sonhar vida “superfluamente” saudável para todos, que o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes convidou trinta e dois artistas a cavoucar “no que há por dentro” e, quem sabe, garimpar, lá no fundo, as sementes que gestarão “Uma Poética para um mundo novo”. Em si mesmos genéricos, título e subtítulo da provocação propiciaram aos e às artistas que aqui se manifestaram, pensar, de modo muito particular, com quais ações e sentimentos poderiam contribuir para fazer florescer a tão desejada Poética. Seria uma Poética, cujas linhas, embora díspares em cores e gêneros, trabalhariam unidas pela saúde do todo? Seria uma poética cujas formas se tocariam de tal modo simbióticas e solidárias, que todos a reconheceriam como uma forma manifesta do bem? Seria uma Poética capaz de ler o presente e apontar responsáveis pela distopia que nos assola? Ou uma poética que, questionando o poder, nos aponta o caminho do verdadeiro viver sob um regime de comunhão? Talvez não tenhamos mesmo uma resposta segura, mas que importam as conclusões apressadas? O que, verdadeiramente, importa é que, ao nos voltarmos para dentro, estamos nos engravidando da vontade manifesta de encontramos, em nós mesmos, saídas para o impasse em que nos metemos.
Ante a pronta resposta ao nosso preito, não poderíamos nos furtar de agradecer a todos pelo carinho e atenção com que nos brindaram e também de, com a vênia de todos, emitirmos impressões sobre o trabalho de nossos colaboradores.
Em “O
último café”, Eraldo Maia (ator, dramaturgo
e professor), utiliza-se de jogos semânticos para dialogar com a provocação que
lhe foi endereçada. Na delícia do café escondem-se os dissabores de Zé; na
dúvida de Rui, o fortalecimento das certezas de Zé; na esperança de Rui, todo o
desencanto de Zé; na inocência de Rui, o amparo para a maldade de Zé. Enquanto
para Rui a felicidade sempre será possível, para Zé só os que ignoram são
felizes. Em meio a esse emaranhado de antíteses, Maia nos indica que uma feliz
Poética para um mundo novo somente adviria do abandonar-se e deixar-se, assim,
como em criança, não saber ou não saber-se.
Acorda-te,
menina! Levanta-te, menina! Apela a atriz e contadora de histórias Talita Aralpe, em sua performance “Morada
de Passarinho”. Essa menina que não quis crescer toca seu xilofone e clama aos
quatro cantos por um novo despertar, acreditando que só a criança-passarinho poderá
fazer do mundo, um ninho aconchegante para todos que nele moram.
Diz Leminski
que Um homem com uma dor é muito mais
elegante... Talvez por revelar-se
mais do que pretende, talvez por fazer-se mais humano do que ele próprio
suporia. Em IZO-LADO-MENTE, a qual conclui fazendo-nos uma pergunta sufocante,
o ator, palhaço e Drag Queen, Fagner
Saraiva, reclama o tempo do abraço; abraço que apagaria o medo; abraço que
nos faria plural; abraço que mataria a solitude
que a todos nos apavora. Parece que para Saraiva, uma Poética para um mundo novo,
seria alicerçada no reconhecimento do outro, no abraço do outro, no braço do outro.
O
mundo é um útero, um grande e fértil útero, e a atriz Kelly Campelo é todo o mundo. Em sua performance “Corpo Político
Povo mulher”, essa Gaya explosiva, Dama primeira do amor, abre-se generosa ao
oferecimento de prazeres. E talvez seja mesmo nos prazeres sem trancas; nos
prazeres sem amarras; nos prazeres aquecidos e movidos pelos requebros de um corpo-útero-mulher,
que possamos encontrar os fios para o tecer de uma Poética para um novo mundo novo.
O
Brado do ator e locutor Reinaldo Adriano,
ao exclamar eu existo! É mais
que um Desabafo em si. Existir pressupõe a presença do outro, a aceitação do
outro, o olhar do outro. O espelho não nos enxerga, é a pupila do outro que se
dilata e nos desenha, é o dedo apontado do outro que diz do nosso existir. Esse
homem que congrega todas as cores; esse homem que se propõe despido de preconceitos;
esse homem que deseja a imortalidade da essência humana, é o homem-mãe gestando
uma nação de humanos siameses capazes de escreverem, a múltiplas mãos, uma Poética
para um mundo novo.
O
neologismo “Gorfus”, utilizado pelo ator, diretor e artista plástico Avelar Amorim, mais que nomear a
performance do talentoso artista, expõe-no em vômitos. Na revelação do rosto
que se despe da máscara, há um homem de vivos olhos e boca grande que golfa
expulsando de dentro o desespero. Ao jogar para fora o que lhe é indigesto
Amorim abre espaços, em seu ventre fértil, para um novo engravidar-se de
descobertas e criatividades, que serão paridas em gorfus coloridos sobre a tela
de uma nova Poética para um novo mundo novo.
A
bailarina e jornalista Débora Radassi,
na performance Por que tu me chamas?
Corre ao encontro do desconhecido. Essa figura forte, feminina e desbravadora
de futuros, vai. Mesmo incomodada por estranho chamado, a corajosa bailarina não
se furta ao desafio. Há em seus passos o desejo de ter-se com o(a) outro(a), buscando,
no encontro próximo, terreno fértil para a semeadura de uma Poética que
revestirá de beleza os verdes campos de um novo mundo-novo..
Tudo é
possível na surreal Receita democrática de Jujuba e Chicote (palhaço/a vividos
por Chico Vinícius e Poliana Helena). Na sopa democrática de Jujuba e
Chicote, misturam-se limões paridos de uma banana com ovos extraídos de uma
maçã. Até mesmo uma vela gestada em uma cenoura seria bem-vinda à democrática Receita
da alegria. Só não cabe o estranho e indigesto ingrediente, introduzido ali à
revelia dos cozinheiros, por se tratar de um ingrediente avesso ao democrático
sabor das sopas. Surpreendidos pelo aparecimento do indesejado ingrediente, nossos
cozinheiros tomam a decisão mais difícil para bons cozinheiros: tocar fogo no
livro de Receitas. A ação de Jujuba e Chicote nos alerta para a necessária
tomada de decisão, antes que a democracia da sopa desande, afetada por algum
estranho e indigesto ingrediente.
Assim
como rios do Nordeste que hibernam na seca e renascem sob as chuvas, o ator ribeirinho
Roney Rodrigues, nos evoca à luta
com que se constrói uma existência. Com sua voz campestre ecoando sobre as
águas do Marataoan e do Longá, Rodrigues reforça seu existir nos impelindo à
defesa da cultura campesina e nos conclamando a que não deixemos morrer à margem
nossas histórias. O artista nos aponta o passado como palatável sopa de
letrinhas para a construção de uma nova narrativa que seria a chave mágica a
descortinar um novo mundo novo.
A
atriz Ana Carolina transgride os
regramentos e, com a mesma tinta com que a melanina a contempla, picha angústias
e dizeres pelos muros que a aprisionam. Aqui tem tijolos, e dentro de nós?
Pergunta a atriz? A marca de sua mão formatada no barro - digital ancestral de
uma guerreira ascendente - talvez queira nos dizer que ali sempre habitou a
força da mulher. Barrada pelo “muro”, sufocada pela dureza do muro, a mão
cravada no barro grita ao mundo: eu existo, eu sempre existi. Despida de vestes
e reconhecendo a desorganização interna que a habita, Carolina extravasa, no
ato infracional da pichação, seu gemido tantas vezes calado e nos diz que ainda
não é hora de responder, mas de continuar perguntando: E dentro de nós, o que
há?
O
artista da dança, Datan Izaká,
realiza em sua performance Carniças Sintéticas um lindo jogo antitético entre
vida e morte. No mais precioso líquido, mistura de hidrogênio e oxigênio tão
cara à vida, dançam carniças sintéticas: aves natimortas, marionetes
manipuláveis, frutos de uma gestação fake,
cuja vida só poderia vir a ser pelas ações de um artista. Só o artista pode
fazer dançar pássaros mortos; só o artista pode fazer pulsar corações sintéticos.
Não teria, Izaká, utilizado pássaros como metáfora para nos dizer que somos nós
as verdadeiras carniças sintéticas, engessados e manipulados por um desenho de
produção que nos anula o voo? Como todo
bom artista, Izaká pergunta mais que responde, e isso é saudável à proposição
de uma nova Poética para um mundo novo.
O ator
e diretor Félix Sousa traz na
performance “Saudade” a angústia de sentir-se só. São de cunho existencial suas
interrogações iniciais: Para quê? Para quem? Se o teatro está vazio. Mais que ao
vazio espacial, Sousa se refere ao vazio interior que habita o artista quando o
outro não o aguarda. Mais que de solidão egoísta, Sousa fala da necessidade de
enxergar o outro, do existir com o outro, do Ser para outro, elementos vitais
quando se pretende alcançar uma Poética para um novo mundo-novo.
Assim
como Sofia, ante as atrocidades da GESTAPO, o ator Dan Martins também enfrenta a difícil decisão de escolher entre possibilidades
antagônicas e que lhe são tão caras. Em “Dilema”, Martins utiliza-se de breves
monólogos e diálogos da “casta” social que o cerca, para nos fazer refletir
sobre o ser artista numa sociedade que o vê como imoral e vagabundo. Ao
parodiar Drummond explicita, Martins, outra faceta do dilema que o consome:
permanecer na profissão escolhida mesmo sem a fama, o sucesso e o dinheiro tão
esperados? E agora José? O Sonho acabou? São com essas reflexões que Dan
contribui para o pensar na construção de uma Poética para um novo mundo novo.
Em sua
Performance “Lembranças”, a artista da dança, Carla Fonseca, utiliza como Porta Voz de si o canto desafiador do
Maluco Beleza: “... no momento em que eu
ia partir, resolvi voltar”, diz a canção, enquanto a artista, desolada, em
meio a um cenário vazio, debruça-se sobre Lembranças traduzidas em velhas fotografias.
Ao nos dizer, por meio da canção, que aquilo é tudo o que lhe resta, como se a
vida tivesse ficado no passado, e o presente não passasse de mero tempo vazio, Fonseca
nos aponta para a necessidade de revisitar-se e encontrar outras fontes vitais
de satisfação e prazer. Quem sabe, buscar no fundo do baú as velhas sapatilhas
e com elas dançar para vida.
Em direção ao interior. É
este o significado da palavra “Adentro” com a qual o ator e diretor Dionízio do Apodi nomeia sua
performance. Ao utilizar-se dela como metáfora em dúplice diálogo com as
imagens que nos propõe, Apodi convida-nos a abrir janelas no tempo e encontrar
rotas de fuga à rotina burocrática. Ao revisitar velhos-novos motivos guardados
a sete chaves, o artista nos convida a também fazer tocar a música que nos
embala rumo ao interior de nós e dos nossos. Em sua fuga bucólica para fora e
para dentro, Apodi nos diz que é preciso escapar pelas fendas do tempo,
fazer-se sonho andante, e nunca parar de reescrever a Poética do amor.
Borrão
de tinta nº 1 é a performance com a qual o ator e escritor Alisson Carvalho nos brinda. O artista despe-se de sentimentos
ególatras e faz da tinta a protagonista de suas ações: chuva de tinta a
fertilizar mão e mente criadoras; veios de tinta a regar o chão, estrelando em
fractais a plataforma segura onde flutua a criação. Tinta casca, tinta
invólucro, tinta útero, de onde, gestado, o artista-feto, rompe a placenta das
cores, para desnudar-se, ao mundo em aquarelas.
Com apoio em Hampi, de Yma Sumac, o artista da dança Samuel Alvis nos apresenta sua performance Anticorpa. Em paisagem cenográfica escura, a figura do artista performa, sob a forte presença vocal de Yma, com quem dialoga e expõe-se dançante. Alvis não se deixa consumir pelo mundo e sua força devoradora; ao contrário, é ele, Alvis, quem o antropofagia para, digerindo-o transformar-se, transformando-o.
A
jovem atriz ,Gessy Rubim, evoca, em
sua performance “Despedida”, as palavras da poetisa Cecília Meireles: Não ando perdida, mas desencontrada, para
com elas despir-se diante de nós. Ao reconhecer-se desencontrada, Rubim acende
a chama do procurar-se buscando forças dentro de si para o reencontro consigo
mesma. Embora finalize sua performance pedindo solidão, a atriz não está a
solicitar afastamento egoístico por impossibilidade de convivência com os outros,
mas nos acenando com a necessidade de um instante seu, de um tempo seu com o
qual possa pavimentar com novos e felizes encontros seu antes desencontrado
caminhar.
Bad for you
estampa a camiseta do performer Blu que,
nomeia sua performance com o mais cruel dos cárceres “O cárcere mental”.
Prisioneiro de si mesmo, emaranhado por fios que o ligam e o prendem ao nada,
escravo da máscara que, arrancada de seu rosto, nos contempla inexpressiva,
Blu, vive seu vazio às voltas com outras prisões. Talvez, sua grande
advertência esteja mesmo estampada na camiseta que lhe protege o peito: se não
melhorar para mim continuará também bad
for you. Chama-nos, assim, Blu, a atenção para a necessidade de uma Poética
que ao cuidar bem de mim, estará também a cuidar bem de todos.
O ator e diretor Rick Costa, propõe-se a dialogar com a provocação que lhe foi enviada nos perguntando: o que há por trás da máscara? Costa joga com a multiplicidade de rostos e nos mostra que sobre os mesmos olhos, muitos outros olhos podem nos compor; sobre o mesmo nariz, muitos outros disfarces nos contemplam; sobre a mesma face, muitas outras aparências podem se manifestar. Mas o que há mesmo por trás da máscara? Sob ela, tenha ela a aparência que tiver, há um homem, uma mulher; por trás dela, haverá sempre uma pessoa. Não importa se Brighella ou Arlequim; sob a máscara, mora um humano com o mesmo e universal desejo de ser feliz.
Que rapaz é esse que estranho canto / Seu
rosto é santo seu canto é tudo / Saiu do nada da dor fingida / Desceu a estrada
subiu na vida / A menina aflita ele não quer ver / A guitarra excita pois é pra
quê?
O músico Caio Leon, parece ter buscado inspiração para sua performance “Correndo” na canção Pois é pra quê? de Sidney Miller. Calçando all star para sustentar-se no passo americano, ocupando tato,
visão, audição com múltiplas e simultâneas tarefas, Leon expõe a desordem multifocal
com que a contemporaneidade nos sufoca, impingindo-nos a nos repartirmos em pedaços
para dar conta de tanta demanda. Sem tempo para o bom dia, sem tempo para a
reflexão, sem tempo para ser feliz, só mesmo correndo. Corre menino, corre,
corre, pois, No fim
do mundo há um tesouro / Quem for primeiro carrega o ouro / A vida passa no meu
cigarro / Quem tem mais pressa que arranje um carro / Pra andar ligeiro, sem
ter porque/ Sem ter pra onde, pois é, pra quê?
Enclausurado
entre muros, multiplicando-se por sobreposições de imagens, iluminado por uma
réstia que lhe aponta um “lá fora” possível, o artista da dança José Nascimento talvez nos esteja a
dizer que: por dentro há uma vontade incontida de voar, de romper todas as barreiras,
todas as amarras que nos prendem; por dentro há um desejo de expandir-se em
direção à luz e com ela voar. Por dentro há um artista múltiplo que luta
dançando para ser e estar em muitos outros corpos.
Ao som
de um lindo solo de piano, o ator e cantor Edivan
Alves nos mostra a performance Refugiarte. Com sua câmera passeando por
agendas, mãos que dedilham teclas, teclado sem dedos que o acaricie, embalagens
de comprimidos vazias, Alves nos mostra um traçado alegórico de seu cotidiano.
Ao aportar sobre uma página ainda não escrita, estaria Alves apontando para o
fim ou nos dizendo que há ainda muita história por ser contada? Ao plasmar
câmera e dedos sobre uma folha em branco, estaria Alves a nos dizer que o que
há por dentro é ainda incerto e impossível de se ler, por isso continuará
buscando?
Tendo
como fundo a cidade fantasma, a cidade sem alma, a cidade desumanizada, cenário
que lembra um bairro devastado por arma química, a atriz Silvianne Lima faz, com sua performance, palavra-alma, veemente
apelo à escuta, à necessária escuta de que tanto carecem negros, mulheres,
indígenas, pobres e Lgbts; enfim, oprimidos em geral. Para a atriz, a palavra é
Deus, mas se, como afirma o filósofo, Deus está morto, como então escutá-la? Em
seu desesperado apelo, Lima nos adverte que se a palavra não voltar a dizer o
passado não passará. Mas, para voltar a dizer, a palavra necessita de quem a
escute. E quem escutará o canto dos excluídos se de tão excluídos já não mais
cantam?
Eu evoco o sentido das coisas sentidas que
precisam ser ditas. Eu evoco o sentido das coisas sentidas que precisam ser
ditas. Eu evoco o sentido das coisas sentidas que precisam ser ditas. A
reiterada expressão dita pelo ator e diretor Luís Carlos Shinoda, em “Notas
para o novo mundo”, toca-nos a alma. E talvez seja mesmo esse o grande mote: a
evocação do sentido das coisas sentidas, que nos moverá na direção da
construção de um novo mundo novo. Para Shinoda e acho que para todos nós: amar,
ser, aprender, cuidar são as coisas sentidas, e evocar seus sentidos,
materializá-los em ações que os façam florescer deveria ser nossa grande luta.
Transformar tudo isso no cuidar do outro e de nós, fará com que a esperança
decantada por Shinoda se antecipe ao futuro e chegue agora, sem demora, na mais
eficaz forma de cuidado: a empatia.
É bem-vinda
e sugestiva a expressão Preta e Branco com que a atriz Bid Lima nomeia sua performance. Com ela, Lima nos aponta, à priori, para a ideia de apartheid entre humanos diferenciados
por cor de pele e gênero. Não à toa a eficiente atriz utiliza a flor
como metáfora para dizer que podem, sim, florescer pétalas pretas mesmo em solo
contaminado por branquitude tóxica. Como vidas que crescem e florescem ao
batuque ancestral dos tambores, essa flor-mulher-preta busca seu espaço
rompendo o solo árido que o machismo paternalista e branco procura impor. Com “Preta
e Branco”, Lima nos conduz a pensar que uma nova Poética para um mundo novo
passará sim pelo reagir, pelo insistir, por não se deixar vencer.
Em sua
performance “O saco”, o ator Reinaldo
Patrício nos demonstra velha e abominável prática utilizada pela ditadura
civil-militar de 1964, no Brasil. Após muito lutar, Patrício mostra-se capaz de
vencer o objeto de tortura livrando-se dele, mas quando tudo parecia voltar à
normalidade, e o sorrio já lhe visitava o rosto, outra vez é subjugado,
mostrando que não venceu o torturador. Apelando para este final inglório,
Patrício parece nos alertar que “os assassinos estão chegando, estão chegando
os assassinos” e com eles suas práticas.
Acendamos os sinais de alerta, e lutemos juntos para que não encontrem
por aqui espaço para atuação.
Em sua
performance “Laika”, o escritor, dramaturgo, professor e palestrante ,Roberto Muniz, afirma que o que há por
dentro é um enorme uivo em direção ao espaço. Contudo, Muniz parece “jogar” com
a autenticidade do que lhe vai por dentro quando, propositalmente, deixa-se
manipular por ordenamento exterior. Estaria o competente artista da palavra a
nos alertar sobre forças externas que acabam por ditar o direcionamento de
nossas ações? Estaria Muniz, chamando nossa atenção para a gravidade da
marionetização de nossas vontades e desejos? Seria este “enorme uivo” um pedido
de socorro do artista ante as exigências mercadológicas que nos conduzem a
satisfazer-lhe o apetite em detrimento de nossas vontades?
A atriz, gestora e produtora cultural, Silmara Costa, com o ato performático “Dia 05, local de nascimento Américas”, incitou-nos a viajar pelo território América. Não por essa imensa gleba situada do lado de baixo do equador e escravizada por mãos europeias, mas pela América mulher, essa índia morena de útero fértil e beleza solar a banhar-se de sol sob as linhas do equador; não pelo território América, palco genocida do índio nativo, morto aos milhões pelo fio da espada, mas sim pela América menina que ameniza seu calor sob o veio de água a escorrer-lhe no sexo (sexo rio que alegra o sertão árido e violento do homem que a desama); não pelo território América sequestrado, roubado, depredado pelo invasor europeu, mas sim pela América amante, dama de coxas morenas orgulho latino da mestiçagem nossa. Que os deuses banhem-se nos rios de seus úteros e as engravidem de saberes e cidadania.
São
Paulo, 04/10/2020, 17h e 32min.
*Silmara
Silva, eis aí minha contribuição ao Coletivo Piauhy Estúdio Das Artes.
Eraldo
Maia