quarta-feira, 31 de dezembro de 2014



Diálogos de Pedagogia Teatral

- No Último Diálogo de Pedagogia Teatral elucidamos como são realizados os processos de construções de espetáculos na perspectiva do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes.

4º Diálogo
Construindo Atos Teatrais Autênticos
 “Não o esqueça, homem: tudo o que você é, tudo o que você quer,
tudo o que você deve, parte de você mesmo.”
Johann Pestalozzi
           
        Processos de construção de espetáculos cênicos que utilizam atuantes com sólida formação cultural e profissional, diretores que compreendem a necessidade da realização do seu trabalho numa perspectiva dialógica, estruturado sob condições econômicas, técnicas e tecnológicas ideais, traduz uma realidade ainda distante no Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, bem como, na enorme maioria das expressões teatrais Brasil afora.
        Diante dessa constatação não devemos estacionar na conformação de nossas fragilidades, menos ainda no espírito utilitário das ideias comodistas, como os contumazes amantes do menor esforço, lucro fácil, vacuidades, plágio e outras concessões ainda mais inferiores que não seria construtivo lembrar, porém, é o que temos encontrado em boa parte das produções locais e nacionais no teatro contemporâneo. Afinal, o tudo e o nada agora são arte, pois o que dizem ser arte, necessariamente deve ser e, os que discordam, são taxados de arrogantes, conservadores e antipáticos. Continuarei discordando; no teatro e na vida detesto embusteiros. A lisonja, mentiras e ilusões levaram nossa arte para qual lugar?
       Deixando de lado essas quixotescas críticas, pois nada resolvem, e nos afastam do objetivo principal: a possibilidade da consecução de espetáculos teatrais qualificados, através de um envolvimento visceral da equipe criativa com o produto cultural que pretendem inventar coletivamente, utilizando muita racionalidade, um certo de grau de pragmatismo, ética e disciplina ilimitadas voltadas para criação de uma estética.
         Nós do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes temos procurado desenvolver uma práxis de montagem que acredita no atuante como Partícula Essencial do Trabalho Cênico, portanto, o treinamento dos atores e atrizes, parte de uma visão formativa desses elementos, em detrimento das dificuldades técnicas e culturais identificadas em cada um deles, consumindo a maior parte das nossas preocupações, bem como, parcela considerável do tempo gasto nas atividades criativas da equipe; ilustrando, teríamos o seguinte gráfico:


             Essa configuração significa perdas e ganhos, ou seja, se os nossos atuantes sedimentam, progressivamente, melhoria técnica, teórica e conceitual, por outro lado, o Coletivo não consegue avançar rapidamente em outras áreas importantes: como aumento dos recursos financeiros,  melhoria dos aspectos de divulgação, propaganda e organização burocrática, isso sem mencionar, um aumento considerável do tempo gasto em uma montagem, no entanto, foi a solução encontrada para fortalecer o nosso produto final, explicitando, um espetáculo onde a atuação seja, o máximo possível, homogênea (todos os atores e atrizes no mesmo nível de representação), vibrátil e corporificada com a mensagem a ser repassada.
            Ao contrário das outras organizações teatrais do nosso estado, até onde temos notícia, acrescentamos outras fases nos processos de construção de espetáculos (ver 1º Diálogo), fator que também dilata o tempo de concretização das nossas produções, dessa forma, temos os seguintes extratos em uma montagem:
- Estudos bibliográficos e de campo do diretor (permanentes e diários).
- Treinamento e outras atividades formativas dos atuantes (permanente).
- Formatação de Projeto de Montagem (plano escrito).
- Laboratórios de pesquisa, descoberta e apropriação de linguagens.
- Montagem propriamente dita (organização das linguagens em forma de espetáculo).
- Desmontagem (trabalho do atuante em criar por dentro de uma forma definida).
- Execução da parte visual do espetáculo (iluminação, figurinos, maquiagem, cenografia, ambientação sonora, etc).
- Ensaios gerais de afinação (de 5 a 10 ensaios).
- Estreias.
- Avaliação depois do contato com os espectadores.
- Ensaios posteriores de manutenção, enxugamento e revisão de linguagens.
             Essas fases (ou extratos) ocorrem, em geral, simultaneamente, porém, nunca são subtraídas dos processos criativos, tendo em vista, já fazerem parte de um sistema de construção cênica que têm se mostrado exitosa ( no processo e no resultado) podendo, sem sombra de dúvida, ser utilizada por outros grupos que ensejam um trabalho sério e frutificador,  guardando evidentemente as características, interesses, facilidades e dificuldades inerentes a cada equipe criativa, até porque, não é do nosso interesse, fazer proselitismo sobre nossos métodos, ética e princípios, o que serve para nós, pode não interessar a outros artistas e não nos cabe apregoar verdades absolutas, como sabemos, no teatro, em muitas ocasiões, elas são relativas.
             Como pedras vivas concretizamos os “Diálogos de Pedagogia Teatral”. Acreditando, que esses quatro textos que compõem uma só mensagem semeada no vento, possam contribuir de alguma forma com essa magnífica experiência humana chamada teatro, transformadora e reveladora dos homens e mulheres habitantes de todas as partes do mundo. Atividade tratada como irrelevante bobagem e perca de tempo por muitos e, indispensável, a vida de tantos. Arte que deve ser praticada com propriedade, respeito e alteridade para que possa iluminar, transcender e curar, se possível, o espírito dos seus espectadores, sem que seus oficiantes jamais se envaideçam desse ato. Lembremo-nos: o espetáculo é infinito, e a nossa existência no teatro uma breve cena, que pode ser indiferente a quem observa ou essencial para quem assiste e para os destinos da nossa arte. Assim nos ensinaram os grandes mestres que imortalizaram suas buscas alumiando nossos caminhos como quem acende uma estrela.
Agradecimentos: 
- Aos pedagogos que me reconciliaram com a pedagogia, atividade que ando há muito tempo apartado, e que esses mestres me convenceram o quanto preciso dela para ser um diretor teatral mais consequente:
·         Johan Pestalozzi, Anton Makarenco, Celestin Freinet e Paulo Freire.
- Aos Diretores-Pedagogos que me mostraram a importância do diálogo como ato de partilha entre os homens e mulheres do universo teatral. A esses mestres meu respeito cerimonial, pois me provaram que o teatro jamais será uma mentira e a importância de buscarmos a autenticidade na arte que construímos.
·         William Shakespeare, Constantin Stanislavski, Antonin Artaud, Jerzy Grotowski, Peter Brook, Etienne Decroux, Eugenio Barba, Richard Boleslavski, Eugenio Kusnet, Luis Otavio Burnier, Laurent Matallia, Paulo Machado, Leverdógil de Freitas e Chiquinho Pereira.
- Aos meus colaboradores mais próximos e não menos importantes interlocutores. Construtores dessa estrada evolutiva nos horizontes do teatro que é nosso ofício, vida e amor.
·         Arnaldo Pacovan, Caio Leon, Carlos Aguiar, David Santos, Érica Smith, Luã Jansen, Pablo Erickson e Silmara Silva.
- Ao mestre dos mestres, que reúne em si todas as potencias em grau superior. Leitura obrigatória a quem faz arte, que nos ensinou que fazemos parte do teatro perfeito de Deus.
·         Jesus Cristo.       

       Adriano Abreu
             Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

         Fim da Estação da Seca

domingo, 28 de dezembro de 2014



2014 Um Ano Teatral de Resistência e Fragilidades

          2014 fecha suas cortinas como começou:  repleto de lacunas e perplexidades com escassas iniciativas e esperanças esparsas nos céus do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
           Entre as lacunas e perplexidades é impossível deixar de lembrar: o que parecia começar promissoramente, acabou tornando-se  apenas mais imbróglio; falo do espetáculo “Batalha do Jenipapo”, realizado todos os anos na cidade de Campo Maior, promovido pela nossa Fundação Estadual de Cultura, e que se artisticamente não acrescenta muita coisa a cena piauiense, pelo menos garante uma trabalho remunerado anualmente para cerca de oitenta atores, atrizes, técnicos, produtores e diretor. Após a promessa de uma melhoria nas condições de trabalho dos artistas, inclusive celeridade no pagamento de cachês, nada se concretizou. As condições de trabalho não foram adequadas e o pagamento só foi liberado depois de muitas polêmicas desnecessárias. A nossa Instituição Estadual de Cultura, até o momento, também não pagou cachês e premiações referentes as comemorações do dia do Teatro, vinte e sete de março, ou seja, os artistas envolvidos no evento estão a mais de oito meses sem ver a cor do  dinheiro, conquistado com seu suado trabalho; o dia do teatro, realizado com tanta alegria, acabou tornando-se, apenas, uma antiga novela de luta pelos merecidos cachês. A Escola Técnica de Teatro Gomes Campos passou o ano praticamente fechada, em virtude de uma reforma interminável, correndo inclusive o risco de fechar permanentemente. O SIEC (Sistema de Incentivo Estadual a Cultura) perdeu quase cinquenta por cento dos incentivos fiscais, e deixou de avaliar alguns projetos teatrais por falta de recursos disponíveis. Enfim, cabe esperar melhores dias na cultura estadual representada pela FUNDAC.
          Na Fundação Municipal de Cultura Monsenhor Chaves as coisas não foram diferentes para nossa arte: o Festival Nacional de Teatro Ana Maria Rego não aconteceu; isso é inadmissível, lamentável e injustificável. Gostaria de lembrar o não pagamento das premiações do citado “Festival” a alguns grupos nacionais desde o ano de 2012, o que levou a um tremendo desgaste do nosso mais tradicional evento teatral nacional com vários grupos e artistas brasileiros. A FCMC tentou realizar uma circulação de espetáculos locais pela capital, projeto nunca concretizado, em detrimento da burocracia ou outro motivo qualquer, pouco importa, para o teatro produzido na cidade o ano foi de tremenda perplexidade. A Lei Arimatéia Tito Filho, de fomento as atividades culturais de Teresina,  continua inerte desde de 2012, isso inclui pelo menos quatro projetos teatrais sem solução de continuidade. Como vimos, na cultura publica municipal em relação ao teatro, tivemos um ano ridiculamente decepcionante.
       No quesito esperanças esparsas podemos citar: o SESC (Serviço Social do Comércio), que manteve os seus projetos nacionais: Amazônia das Artes, Palco Giratório (com menos espetáculos nacionais circulando que no ano anterior) e o Leituras em Cena. Digno de nota foi a participação do primeiro trabalho piauiense no Projeto Palco Giratório, “Menu de Heróis”, representado por atuantes ligados ao Núcleo do Dirceu. A instituição, conhecida nacionalmente pelo amplo apoio as artes cênicas,  ainda tentou articular uma circulação estadual de trabalhos teatrais no mês de março, convidando dez espetáculos locais, depois teve que cancelar, alegando problemas operacionais, no entanto, retomou o “Projeto Pipoca e Guaraná”, voltado para o público infantil e juvenil, que não tinha sido realizado em 2013. O SESC local passa por momentos de troca de Coordenação Regional de Cultura e, em 2015, aguardamos esperançosos, uma ação mais efetiva localmente na área teatral.
        As poucas iniciativas exitosas vieram dos grupos teatrais e artistas da cena, que diante das circunstâncias difíceis, produziram o que puderam produzir: a Épica Cia de Criações, dirigida por Wanderson Lima, apostou no seu trabalho “Secante”, obtendo bons resultados, inclusive levando o espetáculo para fora do estado; Corpos e Oficinão, capitaneados pelo diretor e ator Adalmir Miranda, investiu em jovens artistas com “Assombrações” e “Palhaçada”; o Humanitas mostrou um novo trabalho, em comemoração aos 15 anos de trabalho do ator Júnior Marks, com direção de Luciano Brandão, estreando “Quando o Amor Não é Assim é Assado”; o mesmo Luciano ainda encenou e adaptou um conto de Caio Fernando Abreu, dando origem ao espetáculo “Sobre Borboletas”; Jean Pessoa e Alinnie Moura retornam as atividades  juntos, com um novo grupo denominado Cabeça de Sol, e  um novo trabalho “A Noiva e o Caubói ”. O Grupo Utopia, do incansável Chicão Borges, estreou um trabalho de rua “O Casamento de Nego Chico e Catirina”; O Proposta, liderado por Roger Ribeiro, apresentou a peça “Adorável Chip Novo”, também, apostando em novas promessas; O Grupo Harém de Teatro continuou exibindo seu espetáculo “Abrigo São Loucas” pelo estado, através  do Programa Cultura Viva, Lari Sales levou sua “Rainha do Rádio” para Vitória-ES e Vitorino Rodrigues e seus companheiros continuam trabalhando espetáculos para crianças e investem  no espetáculo manifesto “Geleia Geral”. No mês de dezembro, já encerrando o ano cênico, tivemos uma pré-estréia; “Itararé a Republica dos Desvalidos”, texto de José Afonso e direção de Arimatan Martins. Outros criadores usaram seus talentos e recursos em trabalhos comerciais, voltados em geral para o público infantil, alguns até sem assinatura do grupo ou diretor, portanto, literalmente descartáveis.
As mostras de teatro, em bairros da periferia da cidade, também, protagonizaram bons momentos para cena teresinense, acompanhamos de perto duas delas: a do Grupo COTJOC, no bairro Cidade Jardim, e a do Grupo Utopia de Teatro, realizada no bairro São João, ambas com a participação de bons trabalhos e presença de grande público. Além disso, muitas organizações teatrais continuam produzindo as famosas representações da “Paixão de Cristo”, que se esteticamente são repetíveis,  em termos de público  e mídia atraem multidões que se entretêm alegremente com elas.
         O Coletivo Piauhy Estúdio das Artes continuou apresentando seus dois espetáculos: “FOGO” e “Exercício Sobre Medeia”. Consolidou seu projeto “Ciclo de Leituras Dramáticas”, com mais seis edições em 2014, sem nenhum apoio das Instituições Públicas de Cultura do Estado ou do Município. O “Ciclo” comemorou seu primeiro ano com uma grande festa na Casa de Cultura de Teresina, onde lançou o Suplemento Cultural do Coletivo, que atende pelo nome de “CIGARRA”, com nova edição prevista para janeiro de 2015. O grupo conseguiu, com imensas dificuldades financeiras, levar o espetáculo “FOGO” para o o 21º  Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga- Ceará, obviamente sem nenhuma ajuda da Gestão Cultural Pública Estadual ou Municipal, participando com excelente desempenho de público e de crítica da Mostra Nordeste, que abrange alguns dos mais significativos trabalhos teatrais da região no ano anterior. Apesar de não ser competitivo, a curadoria do evento e o juri popular, consideraram o espetáculo do Piauhy como um dos melhores do evento. Dessa forma, procuramos implementar uma visão estratégica de atuação no cenário teatral local, e agora nordestino, privilegiando produtos culturais de alta qualidade técnica, estética e conceitual, com foco principal na formação integral do atuante e suas interfaces com a arte do espetáculo. Criando e mantendo produtos teatrais diversos, além de fomentar ações que visam implementar, fundamentar e re-significar nossas “visões teórico-práticas”, como também, a de outros grupos, pesquisadores e artistas que compõem o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, dialogando a respeito dessas “visões” através de artigos regulares no blog do grupo, Suplemento Cigarra e Colóquios de Artes Cênicas, sem nunca esquecer a importância do respeito as plateias nessa construção.
        O Teatro continua vivo no Piauí! Apesar do descaso do poder público, fracas bilheterias, inercia de boa parcela da dita Classe Teatral, ausência de formação acadêmica, tendenciosíssimo dos invejosos, falsa unidade dos artistas da cena, egoísmo, ignorância e incompreensão. Descortinamos 2015 como quem declara amor ao futuro.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Dezembro de 2014