A História do Cavalinho de Pau
Conta à história que a atriz preocupadíssima que sua atuação fosse eivada de sucesso e brilhantismo propôs ao diretor ou encenador, esta segunda denominação está sendo largamente utilizada na contemporaneidade, em virtude disso existem explicações teoricamente tão complexas sobre as diferenças entre os dois termos que não vale a pena discutir neste texto, mas vamos ao diálogo:
Atriz - (convicta) Nesta cena eu vou entrar com um cavalinho de pau.
Diretor – (irritadíssimo) Não! Você não vai colocar o seu cavalinho de pau na minha cena.
O leitor pode imaginar o que aconteceu após esse breve diálogo. A partir do final do século dezenove e durante todo século vinte o Diretor Teatral tornou-se a figura absoluta do espetáculo E. G Craig preconizava que o melhor ator seria uma espécie de marionete turbinada (Über marionete), afirmava com muita tranqüilidade: "Seu objetivo não é se tornar um ator célebre, mas um artista de teatro... Se após cinco anos de palco você tiver sucesso, considere-se perdido. É preciso dedicar a vida inteira à arte." Parece impossível acreditar mas poucos grupos, companhias ou laboratórios teatrais perseveraram nos últimos cem anos sem essas “magnânimas” figuras; os mestres de cena.
Na realidade o encenador de magnânimo tem muito pouco, em geral, a conduta dessas vedetes da arte dramática, às vezes, é despótica. Eles decidem como será a montagem, distribuem as funções, espinafram o elenco, etc. Diplomata e general do coletivo elaboram estratégias e táticas de guerra na luta histórica que o teatro trava pela sua sobrevivência.
Único detentor da tradução exata da linguagem empregada pelo grupo no espetáculo, o diretor tornou-se, em muitos casos, a prima-dona moderna do teatro.
Os tiranizados (atores e atrizes) apóiam e, em alguns casos, pagariam para viver sob o julgo desses suseranos. C. Stanislavisk afirmava: “ Se o teatro não puder enobrecê-lo abandone-o”. E frisava: “Não ponha seus pés sujos de lama no teatro”. B. Brecht montava a mesma cena durante dias de centenas de jeitos diferentes e ao final saia dos ensaios profundamente insatisfeito com seus atores. J. Grotowski submetia seus interpretes a uma disciplina tão rígida que os levava, após horas seguidas de treinamento ininterrupto, a um estado de super excitação psicofísica-emocional , ideal segundo sua concepção, a criação. E. Barba, no começo do Odin, demorava quatro anos para montar um espetáculo com atores e atrizes vivendo quase que totalmente reclusos. Quem, realmente gente de teatro, não se submeteria a tão maravilhosas “ditaduras” para alcançar resultados artísticos tão surpreendentes?
Existe uma lenda que um ator dirigido por J.C Martinez ingenuamente pergunta ao diretor: “- Onde devo me posicionar nesta cena Zé Celso”. O cérebro que criou o Oficina estranhando aquela presença responde: “- Quem é você? O ator completamente aturdido: “- Sou o fulano. Já estou trabalhando a mais de um ano com você...” E Martinez friamente encerra a conversa: “- Pois fique daquele lado.”
Grandes encenadores tornam-se figuras míticas. Dizem que um ator liga quase sem voz para o criador do CPT Antunes Filho: “-Antunes estou muito doente com quase 40 de febre não tem como ir ensaiar.” Antunes responde secamente: “- Por acaso você já morreu.” Se tais histórias são verdadeiras ou mera ficção não importa, elas ilustram o poder e o caráter dos poetas da cena.
Diretores de teatro, geralmente, entram para arte pela porta larga dos atores e, independentemente dos seus êxitos como intérpretes, trazem características peculiares: são absolutamente alucinados por tudo que diz respeito as artes em geral e as cênicas em específico, disciplinados, possuem espírito investigativo, muitos são leitores compulsivos, escrevem eventualmente, tem um certo dom de liderança, rapidez nas respostas e trazem um olhar diferenciado sobre as coisas do mundo, filosófico mesmo. Quem não traz esses traços de caráter dificilmente será um bom encenador.
No final do século vinte e início do século vinte e um surge (definitivamente) uma outra criatura que disputa, em muitos casos, a soberania do diretor teatral, trata-se do produtor cultural, esse personagem não ambiciona o estrelato, nem se preocupa com os grandes dilemas do teatro mas, é o único, que em cem anos ameaça o poder absolutista dos encenadores. Eles tem a força de conseguir a grana que constrói sonhos. São invisíveis a olho nu e essenciais aos coletivos. O impacto dos produtores na arte dramática só o tempo dirá. Afinal, “O valor das coisas muda a luz do espiritual ou nas trevas do material”. Todavia, dentro das quatro linhas das salas de ensaio os diretores são pai, filho e espírito santo.
Com relação a história do cavalinho de pau? A atriz teimou e entrou com ele em cena. Até onde eu sei, ela e o diretor nunca mais trabalharam juntos, desde esse fatídico dia. Faltou habilidade por parte da atriz em camuflar (ou negociar) a sua subversão e ao encenador paciência para explicar que naquele momento, ao ver o todo, comprovou que era melhor o cavalinho ficar no estábulo dos signos imprestáveis, pelo menos até uma outra aventura.
Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes.