terça-feira, 29 de março de 2011

Pausa para poesia:



ator

Adriano Abreu

entidade surge
magia carrega
combustão encena
técnica,  espírito,  tradição.

seus gestos
traduzem linguagens
arquétipos imemoriais
histórias,   cores,  emoção.

sua fala
borboletas azuis
trombeta simbólica
cura,  ritmo,  anunciação.

deus ourives
vaidade nula
almas borda
pano, linha, tecelão.

fora       isso
teatro     há?
nunca houve
não   haverá.

A história do Cavalinho de Pau




A História do Cavalinho de Pau





         Conta à história que a atriz preocupadíssima que sua atuação fosse eivada de sucesso e brilhantismo propôs ao diretor ou encenador, esta segunda denominação está sendo largamente utilizada na contemporaneidade, em virtude disso existem explicações teoricamente tão complexas sobre as diferenças entre os dois termos que não vale a pena discutir neste texto, mas vamos ao diálogo:

     Atriz - (convicta) Nesta cena eu vou entrar com um cavalinho de pau.
     Diretor – (irritadíssimo) Não! Você não vai colocar o seu cavalinho de pau na minha cena.

     O leitor pode imaginar o que aconteceu após esse breve diálogo. A partir do final do século dezenove e durante todo século vinte o Diretor Teatral tornou-se a figura absoluta do espetáculo E. G Craig preconizava que o melhor ator seria uma espécie de marionete turbinada (Über marionete), afirmava com muita tranqüilidade: "Seu objetivo não é se tornar um ator célebre, mas um artista de teatro... Se após cinco anos de palco você tiver sucesso, considere-se perdido. É preciso dedicar a vida inteira à arte." Parece impossível acreditar mas poucos grupos, companhias ou laboratórios teatrais perseveraram nos últimos cem anos sem essas “magnânimas” figuras; os mestres de cena.
     Na realidade o encenador de magnânimo tem muito pouco, em geral, a conduta dessas vedetes da arte dramática, às vezes, é despótica. Eles decidem como será a montagem, distribuem as funções, espinafram o elenco, etc. Diplomata e general do coletivo elaboram estratégias e táticas de guerra na luta histórica que o teatro trava pela sua sobrevivência.
     Único detentor da tradução exata da linguagem empregada pelo grupo no espetáculo, o diretor tornou-se, em muitos casos, a prima-dona moderna do teatro.
     Os tiranizados (atores e atrizes) apóiam e, em alguns casos, pagariam para viver sob o julgo desses suseranos. C. Stanislavisk afirmava: “ Se o teatro não puder enobrecê-lo abandone-o”. E frisava: “Não ponha seus pés sujos de lama no teatro”. B. Brecht montava a mesma cena durante dias de centenas de jeitos diferentes e ao final saia dos ensaios profundamente insatisfeito com seus atores. J. Grotowski submetia seus interpretes a uma disciplina tão rígida que os levava, após horas seguidas de treinamento ininterrupto, a um estado de super excitação psicofísica-emocional , ideal segundo sua concepção, a criação. E. Barba, no começo do Odin, demorava quatro anos para montar um espetáculo com atores e atrizes vivendo quase que totalmente reclusos. Quem, realmente gente de teatro, não se submeteria a tão maravilhosas “ditaduras” para alcançar resultados artísticos tão surpreendentes? 
         Existe uma lenda que um ator dirigido por J.C Martinez ingenuamente pergunta ao diretor: “- Onde devo me posicionar nesta cena Zé Celso”. O cérebro que criou o Oficina estranhando aquela presença responde: “- Quem é você? O ator completamente aturdido: “- Sou o fulano. Já estou trabalhando a mais de um ano com você...” E Martinez friamente encerra a conversa: “- Pois fique daquele lado.”
      Grandes encenadores tornam-se figuras míticas. Dizem que um ator liga quase sem voz para o criador do CPT Antunes Filho: “-Antunes estou muito doente com quase 40 de febre não tem como ir ensaiar.” Antunes responde secamente: “- Por acaso você já morreu.” Se tais histórias são verdadeiras ou mera ficção não importa, elas ilustram o poder e o caráter dos poetas da cena.
   Diretores de teatro, geralmente, entram para arte pela porta larga dos atores e, independentemente dos seus êxitos como intérpretes, trazem características peculiares: são absolutamente alucinados por tudo que diz respeito as artes em geral e as cênicas em específico, disciplinados, possuem espírito investigativo, muitos são leitores compulsivos, escrevem eventualmente, tem um certo dom de liderança, rapidez nas respostas e trazem um olhar diferenciado sobre as coisas do mundo, filosófico mesmo. Quem não traz esses traços de caráter dificilmente será um bom encenador.
    No final do século vinte e início do século vinte e um surge (definitivamente) uma outra criatura que disputa, em muitos casos, a soberania do diretor teatral, trata-se do produtor cultural, esse personagem não ambiciona o estrelato, nem se preocupa com os grandes dilemas do teatro mas, é o único, que em cem anos ameaça o poder absolutista dos encenadores. Eles tem a força de conseguir a grana que constrói sonhos. São invisíveis a olho nu e essenciais aos coletivos. O impacto dos produtores na arte dramática só o tempo dirá. Afinal, “O valor das coisas muda a luz do espiritual ou nas trevas do material”. Todavia, dentro das quatro linhas das salas de ensaio os diretores são pai, filho e espírito santo.
      Com relação a história do cavalinho de pau? A atriz teimou e entrou com ele em cena. Até onde eu sei, ela e o diretor nunca mais trabalharam juntos, desde esse fatídico dia. Faltou habilidade por parte da atriz em camuflar (ou negociar) a sua subversão e ao encenador paciência para explicar que naquele momento, ao ver o todo, comprovou que era melhor o cavalinho ficar no estábulo dos signos imprestáveis, pelo menos até uma outra aventura.



Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes.

O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação




O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação





    Sempre fui um espectador desconfiado da dança, em parte admiro a plasticidade promovida pelos atores-bailarinos, mas, meu olhar, penetra fundo e busca uma “alma”, infelizmente, muitas vezes, não a encontro em boa parcela das representações coreográficas, como também, dificilmente encontro no teatro esse espírito. Todavia, no teatro, essa ausência me incomoda menos que na dança, geralmente, o teatro inorgânico também não possui plasticidade. Então é só tentar relaxar e esperar a peça acabar.
        Paradoxalmente, apaixonei-me pelo teatro que busco cinestesicamente, aconteceu com o espetáculo “As criadas”, texto de Gean Genet, dirigido por Laurent Matallia. Três magníficos atores: Chiquinho Pereira, Fernando Freitas e o próprio Diretor ao montarem sua versão das “Criadas” fizeram, literalmente, um balé. Os três cheios da vida daqueles espíritos humanos bailaram em cena. Não lembro praticamente nada do texto falado, mas, emociono-me até hoje quando rememoro a movimentação daquele ótimo espetáculo.
        Como Diretor de Teatro, daquele dia em diante, estava condenado a buscar “O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação”. Confesso que aprendi com o mestre Matallia aquela maneira tão particular de trabalhar a cena (aquela “dança”), tenho tentado aperfeiçoá-la submetendo-a aos interesses dos espetáculos e atores que dirigi e, é claro, aos meus próprios interesses, contudo, aquela alma da personagem Solange (contida na interpretação do Chiquinho Pereira), a Clara (executada pelo Fernando) e a Madame feita pelo Laurent, só em alguns atores (izes) que percorreram comigo as improváveis trilhas dos que fazem teatro no Piauí-Brasil, consegui imprimir.
      Na sede do Balé de Teresina trabalhávamos corpo e movimento com a competente bailarina e coreógrafa Luzia Amélia e após horas acumuladas de trabalho criativo intenso, alguns atores conseguiram plasmar em seus corpos o “Corpo em Vida”. Extraordinária sensação ver seres absolutamente indivisíveis em situação de representação. Todas as suas energias psicofísicas e espirituais ator-doadas no ato criativo. Um estado de arte superior.
       Esses momentos são raros e desejados por todos os artistas: famosos e anônimos, talentosos e medíocres, todos querem, poucos pagam o preço, que não é barato. Nesses momentos de consagração, o artista oferece seu corpo, mente e espírito em sacrifício ao seu ideal mais puro sem egoísmo, hipocrisia, preguiça ou vaidade. Quando isso acontece o trabalho do Diretor(a) do Coreógrafo(a) atinge sua plenitude, sua realização e, ao mesmo tempo, perde o sentido, o artista é a própria arte.
       Tal “glorificação” só é alcançada através de uma busca dolorosa, onde a bioenergia do ator-bailarino deve entrar em equilíbrio com o seu ser “espiritual-criativo”. O resultado sempre é a “revelação” de uma grande verdade humana.
        O espectador quando tem a sensibilidade e a sorte de presenciar um desses momentos sente-se maravilhado, mas também, na beira de um precipício. Para quem vê e faz é uma sensação indescritível. Lembro-me, com a felicidade de quem guarda um segredo, de cada um desses momentos que grandes artistas me proporcionaram, algumas vezes em espetáculos de teatro e dança e muitas vezes em ensaios e laboratórios cênicos.
      Naquele dia provei novamente desse sabor. Algo mais ficou gravado nos meus arquivos de Diretor de Teatro, além da ação orgânica dos atores, foi uma declaração contundente da nossa consultora Luzia Amélia, durante a avaliação do trabalho, momento crítico onde muitos irão para casa com a sensação de dever cumprido, outros com a impressão que a vitória escapou-lhe das mãos por sua própria ausência. A diretora do Balé de Teresina declarou: “O corpo não mente”. Ao que eu humildemente acrescentaria: “O corpo, a mente e o espírito do verdadeiro artista não metem”. Quando o ator-doa é cumprida a promessa que um dia a arte soprou repetidamente aos seus ouvidos: “ Eu sou a única vingança humana contra a morte... Eu sou a única vingança humana contra a morte... Eu sou a única vingança humana contra a morte...”


Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes.