quinta-feira, 12 de julho de 2012




A História do Cavalinho de Pau

       Conta à história que a atriz preocupadíssima que sua atuação fosse eivada de sucesso e brilhantismo  propôs ao Diretor ou Encenador,  esta  segunda denominação está sendo largamente utilizada na contemporaneidade, em virtude disso existem explicações teoricamente tão complexas  sobre as diferenças entre os dois termos que não vale a pena discutir neste texto, mas vamos ao diálogo:
Atriz - (convicta) Nesta cena eu vou entrar com um cavalinho de pau.
Diretor – (irritadíssimo) Não! Você não vai colocar o seu cavalinho de pau na minha cena.

        A partir do final do século dezenove e durante todo século vinte o Diretor Teatral tornou-se a figura absoluta do espetáculo E. G Craig afirmava  que o melhor ator seria uma de marionete turbinada ( Über marionete),  afirmava com muita tranqüilidade: "Seu objetivo não é se tornar um ator célebre, mas um artista de teatro... Se após cinco anos de palco você tiver sucesso, considere-se perdido. É preciso dedicar a vida inteira à arte." Parece impossível acreditar mas poucos Grupos, Companhias ou Laboratórios  teatrais perseveraram nos últimos cem anos sem essas “magnânimas” figuras; os "Mestres de Cena."

       Na realidade o Encenador de magnânimo tem muito pouco, em geral, a conduta dessas vedetes da arte dramática, às vezes, é despótica. Eles decidem como será a montagem, distribuem as funções, espinafram o elenco, etc. Diplomata e general do coletivo elaboram estratégias e táticas de guerra na luta histórica que o teatro trava pela sua sobrevivência.

      Único detentor da tradução exata da linguagem empregada pelo grupo no espetáculo, o diretor tornou-se, em muitos casos, a prima-dona do teatro.

 Os tiranizados (atores e atrizes) apóiam e, em alguns casos, pagariam para viver sob o julgo desses suseranos. C. Stanislavisk afirmava: “ Se o teatro não puder enobrecê-lo abandone-o”.  E frisava: “Não ponha seus pés sujos de lama no teatro”.  B. Brecht  montava a mesma cena durante dias de centenas de jeitos diferentes e ao final saia dos ensaios profundamente insatisfeito com seus atores.  J. Grotowski  submetia seus interpretes a uma disciplina tão rígida  que os levava, após horas seguidas de treinamento ininterrupto, a um estado de super excitação psicofísica-emocional , ideal segundo sua concepção, a criação. E. Barba, no começo do Odin, demorava quatro anos para montar um espetáculo com atores e atrizes vivendo quase que totalmente reclusos. Quem do teatro não se submeteria a tão maravilhosas “ditaduras” para alcançar resultados artísticos tão surpreendentes?  

        Existe uma lenda que um ator dirigido por J.C Martinez ingenuamente pergunta ao Diretor: “- Onde devo me posicionar nesta cena Zé Celso”. O cérebro que criou o "Oficina" estranhando aquela presença responde: “- Quem é você?" O ator completamente aturdido: “- Sou o fulano. Já estou trabalhando a mais de um ano com você...”  E Martinez friamente encerra a conversa: “- Pois fique daquele lado.”

       Grandes encenadores tornam-se figuras míticas. Dizem que um ator liga quase sem voz para criador do CPT Antunes Filho: “-Antunes estou muito doente com quase 40 de febre não tem como ir ensaiar.” Antunes responde secamente e bate o telefone: “- Por acaso você já morreu.” Se tais histórias são verdadeiras ou mera ficção não importa, elas ilustram  o poder e o caráter  dos "Mestres da Cena."

     Diretores de Teatro, geralmente, entram para arte  pela porta larga dos atores e, independentemente dos seus êxitos como intérpretes, trazem características peculiares: são absolutamente alucinados por tudo que diz respeito as artes em geral e as cênicas em específico, disciplinados, possuem espírito investigativo, muitos são leitores compulsivos, escrevem eventualmente, tem um certo dom de liderança, rapidez nas respostas e trazem um olhar diferenciado sobre as coisas do mundo, São seres "filosóficos" mesmo. Quem não traz esses traços de caráter dificilmente será um bom Encenador.

       No final do século vinte e início do século vinte e um surge (definitivamente) uma outra criatura que disputa, em muitos casos, a soberania do Diretor Teatral, trata-se do Produtor Cultural, esse personagem não ambiciona o estrelato, nem se preocupa com os grandes dilemas do teatro mas, é o único, que em cem anos ameaça o poder absolutista do Encenadores. Eles tem a força de conseguir a grana que constrói sonhos. São invisíveis a olho nu  e essenciais aos coletivos. O impacto dos Produtores na arte dramática só o tempo dirá. Afinal, “O valor das coisas muda a luz do espiritual ou nas trevas do material”.

               Com relação a história do  cavalinho de pau?  A atriz teimou e entrou com ele em cena. Até onde eu sei, ela e o Diretor nunca mais trabalharam juntos, desde esse fatídico dia. Faltou habilidade por parte da atriz em "camuflar" (ou negociar) a sua subversão e ao Encenador paciência para explicar que naquele momento, ao enxegar o todo do espetáculo, comprovou que era melhor o cavalinho ficar no estábulo dos signos imprestáveis, pelo menos até uma outra aventura. 

Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes

terça-feira, 10 de julho de 2012



O Problema da Arte do (a) Ator (iz)

        O que fazer? Os (as) atores (izes) entram em furiosa rota de colisão com muros de condições adversas que contradizem seus sonhos e reais necessidades.
        Penso. Pensar sem agir, assim como, agir sem pensar são sempre delírios, por isso ajo agora, escrevinhando, quem se dedica a este tipo de atividade, nesse rincão nordestino, corre dois riscos fundamentais: primeiro, tornar-se produto descartável e funcional de um mercado que o enxerga como mão de obra barata, desqualificada, completamente desprovida de qualquer valor intrínseco. Segundo e mais cruel problema, ser corrompido, recluso, sujeitável por seres que usam a arte apenas como mero aparelho auto-projecional, devido a uma visão de mundo desprovida de objetivos nobres.
      Tentarei não tornar este artigo improfícuo, tendo em vista que a questão carece de respostas urgentes. Na arte, como na vida, verdades plenas são gaivotas em alto mar, raridades.
      Creio. Crer sem fazer, assim como, fazer sem crer são desvarios, por isso faço agora, revelando. Homens e mulheres que participam de ações cênicas na província de "São José do Piauhy" sofrem de uma profunda crise paradigmática (isso vale para grande maioria dos artistas de todas as artes). Portanto, novos modelos devem vir à luz. As velhas mentiras infiltraram-se como verdades incontestáveis nas nossas cabeças e, os sofismas, que a grande irmãzinha internet e a mãezinha televisão, gentilmente nos deram, talvez careçam de análise mais acurada: a profissão de ator (iz) é uma atividade como qualquer outra, só que mais exigida, a fama, o glamour, que os aparatos midiáticos propagam como padrões inquestionáveis fazem parte de estratégias ideológica - comerciais, visam unicamente o lucro e a alienação, desgraçadamente, essas verdades tem servido de paradigmas para grande (bota grande nisso) maioria dos atores e atrizes piauienses.
      Pensem nos neurocirurgiões, juízes de direito, pilotos de caças, profissionais altissimamente qualificados, importantíssimos para as sociedades e nações qual o glamour que existe nessas atividades humanas? Por isso deixam de ser essenciais? O oficio de ator (iz), só tem sentindo se trouxer a marca da essencialidade para raça humana, caso contrário não passa de exibicionismo piegas. O glamour está em ser bom no que se faz.
       Quem foi que nos ensinou que atores (izes) não necessitam de estudo sistemáticos e continuados, por toda sua existência? Já nos perguntamos por que afirmamos tal disparate? “– Qual é! Ninguém faz minha cabeça, sou inteligente e descolado, frequento as altas rodas.” Falarão os incautos.
       Não sejamos tão ingênuos, somos frutos de construções sócio-culturais, não estamos, nem de longe, livre de influências, aliás, somos puro produto de influências várias. Quanto ao estudo? Para realizar-mos obras de artes autênticas teremos que ter a perícia de um neurocirurgião, o discernimento intelectual de um juiz e a técnica perfeita de um piloto de caça. Perguntem a qualquer um desses profissionais quantas horas por dia estudam? Dirão alguns: “– Mais nós somos artistas.”  Têm razão! Ser ator (iz) é de fato mais difícil, precisamos estudar mais que eles. Isso inclui ensaios, estudos bibliográficos, consumir arte de boa qualidade, escrever, apresentar e principalmente refletir sobre tudo isso. Os artistas da Wuppertal (Companhia da Pina Bausch) faziam isso de 8h da manhã às 22h, os atores do Odin (grupo do Eugenio Barba), trabalharam 14h por dia durante quatro anos para montarem seu primeiro espetáculo, o Galpão montou o Cerejau, em quatro semanas, intensivamente, depois de décadas apurando diuturnamente sua técnica de atuação.

     Artistas, não acreditemos que a vida é uma eterna festa, assimilamos um padrão comportamental midiático, com relação até o nosso lazer e o nosso prazer. Temos o direito ao prazer e divertimento como todo cidadão (ã) normal. Porém, o artista da cena, que preza por seu aparelho psicofísico-espiritual, não pode e não deve desgastar-se de segunda a domingo em alegrias etílicas. O sono, atividade física orientada, acompanhamento terapêutico regular, devem ser rotinas no cotidiano do ator (iz) devido às peculiaridades desse trabalho. O sexo do artista é vendido nas redes sociais, na TV, na mídia impressa como objeto de consumo. A sexualidade do ator (iz) deve ser motivo de zelo, devido à intensa troca sensório-emocional das relações. Deve ser tratado como consequência da busca de plenitude.

     Nós artistas, em virtude das programações que assimilamos, nutrimos desejo obsessivo pelo reconhecimento. Cuidado! Os que não conseguem se libertar desse sentimento, podem se tornar indivíduos nocivos á arte: profundamente fúteis materialistas, contumazes ultrassensíveis a crítica, vaidosos, arrogantes, com o correr dos anos preguiçosos e maldosos. O reconhecimento pode ou não acontecer. Vale á máxima: “A arte é muito maior que o artista.” Muita gente mais talentosa e disciplinada do que nós deram a vida por ela, sem obter nenhum reconhecimento. No sucesso e no fracasso equanimidade.
    Por fim, uma questão absurdamente prática, a sobrevivência do (a) interprete. Muito provavelmente você não ficará rico, nem comprará carros importados e mansões. Fará trabalhos chatos e tolos, dará aulas, será dirigido por pessoas sem talento, será alvo da inveja, incompreensão, maledicência, muitas vezes será enganado por criaturas de má fé, trabalhará de graça e até pagará para fazer o que gosta. Mas sobreviverá a troco de muito trabalho.

    Conhecerá pessoas e lugares interessantes, terá contato com o que de melhor e relevante o homem criou nas artes e na cultura, se for realmente um ator (iz) autêntico (a). Poderá inclusive, se tiver um pouco de cuidado aposentar-se e ainda continuar trabalhando. Felizmente a sociedade regulamentou a profissão de ator (iz) garantido alguns direitos básicos.
    Se conseguires equilíbrio, poderá constituir um lar, se interessar, ter filhos. Enfim ter uma vida normal, todavia, muito mais rica do que a dos seus contemporâneos.
    Coisas ainda precisam ser ditas. Mas “O mistério da arte só nós temos o poder de desvendar e, é uma caminhada árdua, porém possível.” Concluo com o poema de Paulo Leminski:
"isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além"

Adriano Abreu – Diretor do Piauhy: Estúdio das Artes
09/07/2012 às 22h de Segunda-feira.