terça-feira, 10 de julho de 2012



O Problema da Arte do (a) Ator (iz)

        O que fazer? Os (as) atores (izes) entram em furiosa rota de colisão com muros de condições adversas que contradizem seus sonhos e reais necessidades.
        Penso. Pensar sem agir, assim como, agir sem pensar são sempre delírios, por isso ajo agora, escrevinhando, quem se dedica a este tipo de atividade, nesse rincão nordestino, corre dois riscos fundamentais: primeiro, tornar-se produto descartável e funcional de um mercado que o enxerga como mão de obra barata, desqualificada, completamente desprovida de qualquer valor intrínseco. Segundo e mais cruel problema, ser corrompido, recluso, sujeitável por seres que usam a arte apenas como mero aparelho auto-projecional, devido a uma visão de mundo desprovida de objetivos nobres.
      Tentarei não tornar este artigo improfícuo, tendo em vista que a questão carece de respostas urgentes. Na arte, como na vida, verdades plenas são gaivotas em alto mar, raridades.
      Creio. Crer sem fazer, assim como, fazer sem crer são desvarios, por isso faço agora, revelando. Homens e mulheres que participam de ações cênicas na província de "São José do Piauhy" sofrem de uma profunda crise paradigmática (isso vale para grande maioria dos artistas de todas as artes). Portanto, novos modelos devem vir à luz. As velhas mentiras infiltraram-se como verdades incontestáveis nas nossas cabeças e, os sofismas, que a grande irmãzinha internet e a mãezinha televisão, gentilmente nos deram, talvez careçam de análise mais acurada: a profissão de ator (iz) é uma atividade como qualquer outra, só que mais exigida, a fama, o glamour, que os aparatos midiáticos propagam como padrões inquestionáveis fazem parte de estratégias ideológica - comerciais, visam unicamente o lucro e a alienação, desgraçadamente, essas verdades tem servido de paradigmas para grande (bota grande nisso) maioria dos atores e atrizes piauienses.
      Pensem nos neurocirurgiões, juízes de direito, pilotos de caças, profissionais altissimamente qualificados, importantíssimos para as sociedades e nações qual o glamour que existe nessas atividades humanas? Por isso deixam de ser essenciais? O oficio de ator (iz), só tem sentindo se trouxer a marca da essencialidade para raça humana, caso contrário não passa de exibicionismo piegas. O glamour está em ser bom no que se faz.
       Quem foi que nos ensinou que atores (izes) não necessitam de estudo sistemáticos e continuados, por toda sua existência? Já nos perguntamos por que afirmamos tal disparate? “– Qual é! Ninguém faz minha cabeça, sou inteligente e descolado, frequento as altas rodas.” Falarão os incautos.
       Não sejamos tão ingênuos, somos frutos de construções sócio-culturais, não estamos, nem de longe, livre de influências, aliás, somos puro produto de influências várias. Quanto ao estudo? Para realizar-mos obras de artes autênticas teremos que ter a perícia de um neurocirurgião, o discernimento intelectual de um juiz e a técnica perfeita de um piloto de caça. Perguntem a qualquer um desses profissionais quantas horas por dia estudam? Dirão alguns: “– Mais nós somos artistas.”  Têm razão! Ser ator (iz) é de fato mais difícil, precisamos estudar mais que eles. Isso inclui ensaios, estudos bibliográficos, consumir arte de boa qualidade, escrever, apresentar e principalmente refletir sobre tudo isso. Os artistas da Wuppertal (Companhia da Pina Bausch) faziam isso de 8h da manhã às 22h, os atores do Odin (grupo do Eugenio Barba), trabalharam 14h por dia durante quatro anos para montarem seu primeiro espetáculo, o Galpão montou o Cerejau, em quatro semanas, intensivamente, depois de décadas apurando diuturnamente sua técnica de atuação.

     Artistas, não acreditemos que a vida é uma eterna festa, assimilamos um padrão comportamental midiático, com relação até o nosso lazer e o nosso prazer. Temos o direito ao prazer e divertimento como todo cidadão (ã) normal. Porém, o artista da cena, que preza por seu aparelho psicofísico-espiritual, não pode e não deve desgastar-se de segunda a domingo em alegrias etílicas. O sono, atividade física orientada, acompanhamento terapêutico regular, devem ser rotinas no cotidiano do ator (iz) devido às peculiaridades desse trabalho. O sexo do artista é vendido nas redes sociais, na TV, na mídia impressa como objeto de consumo. A sexualidade do ator (iz) deve ser motivo de zelo, devido à intensa troca sensório-emocional das relações. Deve ser tratado como consequência da busca de plenitude.

     Nós artistas, em virtude das programações que assimilamos, nutrimos desejo obsessivo pelo reconhecimento. Cuidado! Os que não conseguem se libertar desse sentimento, podem se tornar indivíduos nocivos á arte: profundamente fúteis materialistas, contumazes ultrassensíveis a crítica, vaidosos, arrogantes, com o correr dos anos preguiçosos e maldosos. O reconhecimento pode ou não acontecer. Vale á máxima: “A arte é muito maior que o artista.” Muita gente mais talentosa e disciplinada do que nós deram a vida por ela, sem obter nenhum reconhecimento. No sucesso e no fracasso equanimidade.
    Por fim, uma questão absurdamente prática, a sobrevivência do (a) interprete. Muito provavelmente você não ficará rico, nem comprará carros importados e mansões. Fará trabalhos chatos e tolos, dará aulas, será dirigido por pessoas sem talento, será alvo da inveja, incompreensão, maledicência, muitas vezes será enganado por criaturas de má fé, trabalhará de graça e até pagará para fazer o que gosta. Mas sobreviverá a troco de muito trabalho.

    Conhecerá pessoas e lugares interessantes, terá contato com o que de melhor e relevante o homem criou nas artes e na cultura, se for realmente um ator (iz) autêntico (a). Poderá inclusive, se tiver um pouco de cuidado aposentar-se e ainda continuar trabalhando. Felizmente a sociedade regulamentou a profissão de ator (iz) garantido alguns direitos básicos.
    Se conseguires equilíbrio, poderá constituir um lar, se interessar, ter filhos. Enfim ter uma vida normal, todavia, muito mais rica do que a dos seus contemporâneos.
    Coisas ainda precisam ser ditas. Mas “O mistério da arte só nós temos o poder de desvendar e, é uma caminhada árdua, porém possível.” Concluo com o poema de Paulo Leminski:
"isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além"

Adriano Abreu – Diretor do Piauhy: Estúdio das Artes
09/07/2012 às 22h de Segunda-feira.



3 comentários:

  1. É relevante esclarecer que essa realidade o qual você expõe de forma magnífica no seu artigo, é uma problemática dos nossos atores Piauienses, mas é uma realidade a nível de Brasil também. Nós não pensamos no nosso trabalho, não pensamos em teatro como é para ser pensado, nós simplesmente fazemos. E pensar é uma tarefa de aprendizado, assim como aprendemos a andar, comer, beber, ou qualquer outra atividade. Mais tudo isso infelizmente deu lugar a pobreza de espirito, a intelectualidade barata e desprovida, as invejas e discussões impróprias. Nós, nos encontramos em meio a uma geleira mental e cultural, mesmo estando em um estado quente como nosso querido Piauí. Por fim acredito na transformação e crescimento na mente dessa nova geração que se mostra interessada no verdadeiro fazer artístico. Oremos!!!

    Silmara Silva

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  2. Acredito, sim, que essa nova geração ainda levará as coisas mais a sério. Assim como eu tive e tenho que levar a cada dia. A arte está acima de nós. Como ouvi ontem a noite: "nós vamos e o que sobre é a arte, ela fica." Estudo sempre é válido e quando percebermos que a arte é algo espiritual e entedermos também que este oficio de ator (iz) também é uma profissão, talvez aí sim passaremos a valorizar a arte que nos rodeia.

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