quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Diálogos de Pedagogia Teatral - 1º Diálogo: Fazer Por Fazer? Melhor Não Fazer!




1º Diálogo
Fazer Por Fazer? Melhor Não Fazer!

“ Em vão se eleva o sol para nós, e em vão também ele se põe.
Em vão se estendem seus imutáveis encantos planos e campos, vales e
montanhas; não  são nada para nós. Muito menos aqui alcança minha
influência, mas hão de preencher-se esses vazios se a educação
do povo houver de elevar-se da insensatez de sua barbárie atual
á harmonia com o ser da nossa natureza. ”
Johann Pestalozzi
      Questionado sobre qual era o principal problema dos espetáculos produzidos pelo Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, respondi evasivamente, que era ausência de acabamento adequado dos produtos cênicos apresentados a nossa plateia ainda em formação. Todavia, a resposta carece de aprofundamento, já que, a falta ou o pouco esmero na finalização dos espetáculos locais é, apenas, o resultado de uma série de outras lacunas, que foram decisivas, para as deficiências evidentes do que o espectador acaba consumindo.
        O primeiro e, facilmente identificável ponto nevrálgico, causador de danos incorrigíveis, na quase totalidade dos espetáculos montados por essas plagas é o despreparo da grande maioria dos atuantes para realização de obras teatrais autênticas. Atores e atrizes com pouca ou má formação intelectual, incapazes, muitas vezes, de compreender o significado do que reproduzem, mecanicamente, em cena. Além disso, o aparelho psicofísico de enorme parcela dos nossos artistas da cena, não possui condições mínimas para uma atuação mais exigente, como se não bastasse, esses Núcleos Essenciais do Trabalho Cênico (os atuantes), são vitimados por duas características internalizadas na nossa prática teatral: o descompromisso, fruto da  indisciplina, com que encaram aquilo que deveria ser o foco de suas preocupações; a sua formação profissional, como também, um fator agravante, é a participação em processos de sistematização e realização de obras teatrais contaminadas por toda sorte de aberrações, conduzidos, por sua vez, por diretores e encenadores, quando não incompetentes, absolutamente Ideofrênicos.
          Considero Diretores Ideofrênicos, aqueles que operacionalizam seus trabalhos, valorizando unicamente suas toscas ideias (irrealizáveis ou esdrúxulas) preconcebidas, somadas a fragmentos metodológicos mal digeridos. Tornou-se lugar comum no nosso metier, encenadores que autodenominam-se stanislaviskianos, artaudianos, grotowiskianos, barbianos (sem mencionar os ditos contemporâneos), etc, que nem sequer, leram as obras desses pensadores do teatro e, quando leram, não as interpretaram corretamente, geralmente, tiveram contatos superficiais com o conhecimento produzido por esses mestres através de textos esparsos, catados feito pulgas na grande rede.  Obviamente, tais procedimentos, cedo ou tarde, entrarão em contradição com a realidade latente de atores e atrizes carentes de melhor preparação, condições materiais e tecnológicas precárias, baixos ou nenhum orçamento de produção e conteúdos abordados mal compreendidos ou mal elaborados. O resultado, quase sempre, são produto culturais de baixa qualidade técnica, estética e conceitual. Entre os chamados Diretores Ideofrênicos a prática comum, é a alusão, entre os membros de seu elenco, a elogios feitos as suas obras e realizações por figuras da dita Classe Teatral (quase sempre hipócritas) ou a bajulações de membros do público comum, em geral, portadores de um senso estético, por vezes, bastante adulterado. Dessa forma, institui-se no seio da nossa nobre arte, verdadeiros pactos de mediocridade, contudo, é importante salientar; nenhum elogio verdadeiro ou falso resolverá as deficiências do seu trabalho e nenhuma crítica negativa, ou até mesmo destrutiva, poderá apagar os méritos dele. Portanto, sem dar completamente as costas para críticas ou elogios, tendo em vista que essas categorias fazem parte do universo espetacular, faz-se necessário o desenvolvimento de uma importante competência no seio das equipes criativas; a autocritica. Esse elemento dentro de grupos ou coletivos teatrais, torna os Processos Criativos Clarividentes em contraposição a Processos Criativos Insuficientes, fortalecendo as organizações teatrais e, evitando, a manipulação do staff por diretores farsantes, geralmente camuflados por uma pseudo intelectualidade, respostas pré-fabricadas e um arsenal de piadinhas cretinas.
        No Piauí, o fenômeno teatral é realizado em organizações mais ou menos estáveis, o que possibilitaria, pelo menos em tese, a consecução de projetos de montagem mais completos, no entanto, isso não notabiliza-se na prática. No microcosmo teatral, que é o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, o que temos reparado são Processos Criativos Insuficientes, caracterizados pela supressão de algumas fases que, na contemporaneidade, orientam a concepção, condução e execução das obras artísticas de caráter cênico em grupos, núcleos e coletivos preocupados na qualificação de seus trabalhos. Localmente, as organizações voltadas a produção teatral, desenvolvem seus produtos da seguinte forma:   
1º Estudo preliminar realizado pelo diretor.
2º Leitura de mesa de texto dramatúrgico ou exposição inicial da ideia da montagem para o elenco.  
3º Dinâmicas introdutórias de curta duração (na maioria dos casos nem isso).
4º Decoração do Texto e marcação de cenas.
5º Ensaios gerais, geralmente três (concomitantemente a esta fase ocorre a produção de cenários, execução de figurinos, concepção de luz, sonoplastia e maquiagem se houver, etc).
6º Estreia.
          Tal esquema apresentado ainda é bastante otimista, pois em geral, a sistematização é bem mais modesta. Essa forma de vivenciar o ato cênico, infelizmente, tem sido a tônica da construção histórica do teatro no nosso estado e, os resultados verificados, mais que danosos, tornam-se catastróficos, certamente, com raras e alvissareiras exceções.
          A junção dos três elementos referenciados: atuantes despreparados, diretores incompetentes ou Ideofrênicos e Processos Criativos Insuficientes refletem o que denomino “Fazer Por Fazer”, portanto, as deficiências nos acabamentos dos espetáculos produzidos no Piauí, apenas demonstram, acima de tudo, relações éticas e valorativas questionáveis relacionadas ao universo profissional e amador no âmago do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
          Sem querer nos arvorar de donos da verdade, valorizando a liberdade de criação que deve ser a insígnia do nosso ofício, convicto da nossa falibilidade e limitações, porém, repletos do desejo de contribuir com o conhecimento adquirido, através de imenso esforço e muita humildade, para com o teatro como instituição milenar, cabe apontar soluções plausíveis, para elucidação ou pelo menos minoração dos efeitos nocivos das  teorias e práticas equivocadas reproduzidas localmente pela nossa arte historicamente. Nessa perpectiva elaboramos os Diálogos de Pedagogia Teatral.  Todavia, antes de mais nada, sugerimos aos que comprometem seu tempo, talentos e suas próprias vidas a essa atividade humana sem a certeza plena do que realizar, guiado por frágeis motivações, acompanhado de exíguas condições e repletos de um sentido de dubiedade com relação ao ofício, o Melhor, é Não Fazer Teatro!
Continua no 2º Diálogo
A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude  
         
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

Estação da Seca

Nenhum comentário:

Postar um comentário