Iluminando o Sentido
“E, quando dizemos que o homem é responsável por si
próprio,
não queremos dizer que o homem é responsável
pela sua
restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.”
Jean-Paul Sartre
Trabalho com um iluminador realmente
genial. Esse jovem artista possui verdadeira obsessão pelo seu trabalho
criativo, isso me interessa e inspira. As concepções em iluminação cênica que
ele realiza, fazem parte, não só de um conjunto internalizado de teorias e
técnicas, apuradas durante anos de convivência (provavelmente deste a infância)
com extensões elétricas, mesas de luz, racks, refletores e gelatinas coloridas,
sem falar, num número incontável de espetáculos de todos os gêneros mas, acima
de tudo, a maestria que enseja construir,
ainda na juventude, traduz-se num sentido
muito profundo, uma atitude existencial que o torna, no momento da criação,
indivisível. Nestes instantes seu
corpo-mente-espírito, irrequieto, fica apaziguado e a plenitude se
instaura.
As experiências vivenciais,
motivações e até limitações que plantaram
no seu ser esse sentido são
impossíveis de dimensionar na totalidade, contudo, o que nos interessa neste
texto é analisar, não é essa energia
interior , que o torna um artista diferenciado, mas o esforço que ele terá
de realizar para equalizar sua busca pessoal em relação ao conjunto dos
outros seres humanos, ou seja, aquilo que chamamos sociedade. Sociedade que o
despedaçará (mesmo ele sendo um criador único), como um in-desejado, caso não
compreenda certas implicações e compromissos.
Aqueles que assumem a aventura
do mergulho na totalidade, através de
quaisquer práticas, na busca legítima, mas as vezes desorientada, da sua
própria unidade tendo como
referencial um caminho diametralmente oposto,
daquilo que os grupos sociais consideram parâmetros da normalidade,
provavelmente aprenderão, da pior forma,
que a sociedade é um fato real, impossível de ser ignorado. Os grupos
sociais são portadores de códigos, normas e regras, possivelmente diferentes e
conflitantes, com valores e crenças dos que buscam sua individuação,
infelizmente, quer queiramos ou não, a
coletividade, que como sabemos tem meios, certamente, irá de maneira violenta,
enquadrá-los, e o fará de maneira precisa e mortal, caso não saibas conduzir “seu carro e seu arado por sobre os ossos
dos mortos”.
Alguns artistas, que se
propõe a autenticidade e a in-divisibilidade, aparentemente tornam-se
antissociais, neste ponto reside o problema. Jung afirmou em um de seus
primeiros escritos: “- Se alguém realiza
este tipo de aventura, será esmagado pela sociedade como um inimigo e, isto
será justo, se ele não paga a sociedade.” O controverso psicanalista
conclui: “- Se eu estou em busca do in-indivíduo em mim mesmo, eu preciso pagar a sociedade cuidando dos doentes, em
um tal caso , existe um equilíbrio entre meu interesse pessoal e o fato de que
eu faço algo pela sociedade.”
O trabalho teatral pode
tornar-se essa contrapartida essencial, esse ponto de equilíbrio, entre o
artista e sua tribo. Porém, existem perguntas indispensáveis que devem ser
feitas por todos nós, que adentramos na floresta
do autoconhecimento em busca de completude: qual o objetivo da arte que faço? Essa arte cura os doentes da minha aldeia? Realizo
meu ofício como quem deixa um legado para o futuro ou, estupidamente, tento
imprimir minha persona nas páginas hipócritas de uma arte exibicionista? Sempre é salutar, para os que se fizeram
artistas, lembrar que as verdadeiras obras de arte, mesmo quando não são
anônimas, são quase impessoais.
Sintetizando, para que o
sentido condutor de sua busca
pessoal faça sentido para a comunidade, evitando seu massacre, é necessário: o compromisso velado que sua experiência tem alguma serventia para a sociedade
e não somente para satisfação de sua necessidade de indivisibilidade. Todavia, é importante salientar; você que
definirá que serventia é essa, caso
contrário, passarás de servidor da tribo, para a condição de escravo dela. Vale a máxima de Eugenio Barba: “- Não
adianta querer saber o que teatro representa para a sociedade, isso é uma
pergunta inócua. O importante é saber o que eu quero do teatro da sociedade.” No
entanto, suas práticas artísticas sempre deverão ter caráter terapêutico. Fundamental também aceitar
que meu trabalho, mesmo não sendo anônimo, deverá trazer uma força impessoal,
ou seja, gravo nas páginas do futuro não somente um produto cultural, mas uma
visão de arte, que aglutinará pessoas nas gerações que virão, independentemente
da lembrança do meu nome. Por fim, meu caminho
para iluminação deverá ser fundamentado na maestria, acompanhada de uma
metodologia que se materializa numa desconcertante precisão técnica. Isso não é
tarefa para vaidosos, preguiçosos ou diletantes.
O nosso inestimável
iluminador apenas começou a sua faina. Quando terminará? Quando o derradeiro
refletor apagar seu lume e, um espectador, balbuciar com a voz embargada: “- Quando aquela luz invadiu a cena e toda
força, vida e emoção do atuante foi revelada, senti que tinha vivido um momento
memorável...” Então, após este momento, onde a arte de artistas
completamente indivisíveis e em total
harmonia promoveu a saúde da sociedade, sem personalismos, nosso sempre jovem senhor da luz, já exausto pelas agruras
do tempo, poderá dormir e sonhar com a eternidade.
Para
Pablo Erickson. Futuro Senhor da Luz
Adriano Abreu
(Diretor do Piauhy Estúdio das Artes)
Teresina –
Setembro
2014
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