Se o trabalho do ator(iz) é a minha bússola o espectador me serve como farol. Quando o encenador escolhe os "materiais" que utilizará no processo criativo não deve perder de vista a quem se destina o seu produto cultural. Aparentemente essa afirmação pode parecer óbvia, mas o encenador, técnicos e fundamentalmente atores(izes) estão imersos na feitura da obra, não raro, se esquecem que são apenas ferramentas, matéria prima e manufatura do espetáculo. A platéia é que fará com que o trabalho permaneça no espaço e, às vezes, no tempo.
Os coletivos artísticos podem concretizar construções que ampliem o universo cultural, cognitivo, valorativo e espiritual do seu público, elevando as perspectivas da vida dessas pessoas lhes proporcionando, além de entretenimento, emoção estética e, por vezes, se a obra for autêntica, até momentos de fruição da alma. Porém, podemos realizar trabalhos que não contribuam com a evolução cultural do espectador e, muitas vezes, até chegam a estagná-la.
A escolha da matéria prima é importantíssima na fabricação da obra de arte. Impossível conseguir a cor grená se decido trabalhar com um lápis grafite. É muito improvável manter meu terno branco limpo em um chiqueiro de porcos. Como criar uma impressão de suavidade se o que manipulo é grosseiro?
Após a escolha dos ingredientes faz-se, o alimento. A minha experiência convenceu-me, que se conhecermos o "sabor das substâncias" que escolhemos para a feitura do trabalho artístico, fica mais simples a sua manipulação. Denominamos esse processo de pesquisa. Essa fase, essencialmente coletiva no trabalho teatral, deve ser feita em processo de laboratório (com todo cuidado e rigor que o termo sugere), na contemporaneidade essa prática não é só salutar é indispensável.
Existe uma máxima que diz: “Dois tipos de espetáculos são imprestáveis: aqueles onde entendemos tudo e aqueles onde não entendemos nada”. A busca de equilíbrio entre os diversos aspectos que compõe a encenação devem definir aquilo que desejamos (re)passar. Duas coisas o espectador abomina: Uma é ser considerado um tolo e a outra é sentir-se tolo. Simultaneamente o espetáculo (isso vale para qualquer gênero artístico) deve oferecer a sua assistência o "enigma do mar revolto" e referenciais seguros no horizonte da obra. Se o espectador é meu farol o meu trabalho cênico é navio para ele.
Nessa maneira de pensar arte, ousadia e humildade, andam juntas em relação amorosa. Os frutos dessa ação dialógica, entre artistas e público, será o fortalecimento de um elã metafísico. Pois se existem verdades na arte (e existem por mais que tentem negar os filhos do relativismo) revelam-se, translucidamente na presença dos que a apreciam. Quem ignora esse princípio, por irredutibilidade conceitual ou por simples ignorância, age às cegas. A platéia é um fato concreto mesmo tendo seu gosto adulterado por séculos de dominação de uma arte inautêntica, sempre reagiu à autenticidade. Espectadores têm fome como filhos órfãos que esperam pacientemente adoção mesmo temporária, licenciosa ou fluida. Afinal, a platéia nunca foi escrava de ninguém quem pensa ao contrário está fadado ao fracasso. Cabe aos artistas, no tempo da vivência, alimentá-los, educá-los procurando nunca ser tiranizados por seu público (se isso acontece é o fim do artista e da arte) e, com muito cuidado, amá-los.
Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes
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