Ateliê de Atuação
- Corresponde a uma coletânea de textos sobre o trabalho do atuante, seus desafios, perspectivas metodológicas, proposições éticas, técnicas e filosóficas relacionadas aos princípios norteadores da produção do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes.
Por Onde Começar? Pela Concentração de Suas Forças Criativas!
Os atuantes que trabalham no
Coletivo Piauhy Estúdio das Artes são persuadidos da necessidade de
desenvolverem um método de trabalho atorial. Sabem, também, que a exigência
primeira, o princípio e fundamento dessa forma de trabalhar é a Concentração das Forças Criativas de
quem atua.
A palavra metodologia (arte de
dirigir o espírito na investigação da verdade) tem sido negligenciada por
atores, atrizes e performers reiteradamente. Representar ou performar, para
muitos, depende única e exclusivamente de talento, ideias pré-concebidas ou da
frágil perspectiva da inspiração. Grotowski afirmava, e eu concordo nesse ponto
integralmente com ele que: “... o teatro
tem certas leis objetivas e que a satisfação está vinculada a obediência dessas
leis...” Essencialmente, uma é indispensável, podendo ser traduzida da
seguinte forma: “Na ausência de uma
concentração inabalável por parte do atuante é praticamente inviável um ato
cênico autêntico e transformador (grifo meu)”.
Apesar da obviedade de tal
constatação, faz-se necessário, algumas elucidações sobre a questão:
1ª A Concentração das Forças Criativas não
acontece de forma automática (como um dispositivo plug and play), trata-se de
elemento processual de difícil “instalação” e aquisição.
Infelizmente, esse recurso metodológico
usado de forma consciente como princípio norteador da função de atuar e
fundamento essencial do trabalho cênico, não se “instala” ao bel prazer dos
atores, atrizes e performers, pelo contrário, acontece por saltos quantitativos
e qualitativos de acordo com as características de cada indivíduo somados a
complexidade das ações artísticas a serem realizadas. Conheço alguns atuantes
que começam seu processo de concentração horas
e, até mesmo dias, antes do ensaio ou apresentação. Cabe a cada artista
descobrir suas necessidades, limitações e potenciais para o fortalecimento e
efetividade de sua concentração.
2ª Para
concentrarem-se criativamente os atuantes precisam desenvolver algumas
atitudes, competências e habilidades, portanto, tal capacidade não nasce com o
indivíduo, ela pode e deve ser “treinada”.
Podemos afirmar que no campo atitudinal a
aceitação das condições objetivas e subjetivas ao desenvolvimento da criação é
mesmo condição indispensável para sua realização. No entanto, tal atitude de
aceitação, não pode ser subserviente, isso significa que devemos sempre lutar
por melhores condições para realização do ato criativo. Porém, se reagirmos,
intempestivamente, as inadequações recorrentes no nosso ofício, melhor seria,
abandonar o fazer artístico, tendo em vista, essas condições quase sempre
estarem longe do ideal. Portanto, o que afirmamos, é que se no momento exato do
desenvolvimento do trabalho criacional, imprimirmos nuances de rebeldia
infantil ou exacerbação de uma criticidade ingênua, tal atitude dificultará, ou
tornará inexequível a instauração de sua concentração.
Ser competente para concentrar-se
significa, entre outras coisas, ter prazer em resolver problemas de forma
criativa, saber dialogar com o tempo e espaço cênico, bem como, com os demais
elementos da ação teatral ou performativa, para tanto, o atuante deverá possuir
uma certa resistência a fadiga, domínio e aguçamento dos sentidos e uma mente
racionalmente aberta a abstração. Além disso, buscará introjetar no seu
bios-cênico habilidades interpretativas mais profundas capazes de subjetivação
e ressignificação, bem como, imaginatividade e intuição afinadas, que o levem a
corporificar, corretamente, a mensagem a ser (re)passada a equipe criativa (no
momento dos ensaios e laboratórios) e aos espectadores na apresentação pública
do produto cultural.
3ª Esse
fundamento, acima de tudo, exige integração de todas as energias psicofísicas,
sensoriais para sua consecução.
Compreendemos
que qualquer desequilíbrio corporal, psicológico, sensorial ou precariedade na
compreensão das reações e intenções exigidas na execução do objeto cênico a ser
construído, não se coadunam com processo de aquisição da Concentração das
Forças Criativas. Explicitando, podemos afirmar, que problemas físicos (como má
preparação ou doenças), emocionais, resistência ou má interpretação aos
estímulos inerentes ao trabalho, descrença ou desconfiança naquilo que faz,
baixa estima, meio ambiente inadequado, etc, podem dificultar e inviabilizar a
aquisição desse fundamento. Como podemos ver o problema da Concentração das Forças Criativas é bem mais amplo do que parece e,
como em tudo nas artes cênicas, não pode ser reduzido a superficialidade.
Alguns atuantes dificilmente
alcançarão um nível satisfatório de concentração, em virtude das dificuldades
na compreensão e implementação das nuances citadas anteriormente, dificuldades
reforçadas por estruturas de caráter que também prejudicam este elemento tão
complexo. Pessoas excessivamente inseguras ou vaidosas, estarão constantemente pré-ocupadas no que os circundantes estarão pensando sobre eles,
dificilmente conseguirão, estados de atenção e objetividade satisfatórios.
Elementos que nutrem de forma contumaz condutas reativas ou um racionalismo
sectário em detrimento do medo de perder o controle que supõem ter sobre suas
personas, terão muitos impasses na aquisição da concentração criativa.
Concentrar-se nas cênicas é um “abandonar-se” a um encontro mais
profundo com um ser indivisível que nada mais esconde, isso exige humildade,
generosidade e uma enorme dose de coragem.
Denominamos ator-doamento este momento, em que o artista através da
integralização de todas as suas energias, consegue transcender a si próprio.
Nestes instantes sublimes o atuante está pronto a constituir-se na própria arte
da qual é oficiante. Todavia, isso tudo, ainda é apenas uma pequena parte do
ofício de atuar.
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das
Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)
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