Um grito solto no ar!
Fogo, espetáculo do Piauhy Estúdio das Artes, com texto de Adriano Abreu, baseado no conto homônimo de Vitor Gonçalves Neto, teve sua estreia no dia 11 de outubro na Galeria de Artes, do Club dos Diários com uma boa plateia.
Como forma de contextualização, o espetáculo trata de construir cenas sobre os incêndios ocorridos em Teresina, na primeira metade da década de 1940, quando era interventor federal o ex-governador do Piauí, Leônidas de Castro Melo. Este episódio foi um dos momentos mais obscuros da história do Estado do Piauí, quando dezenas de casas de palhas foram queimadas na capital propositalmente com intenções diversas, que bem poderiam ser para limpeza da pobreza no centro urbano da capital ou mesmo da especulação imobiliária. Agora o que mais assustou no fato foi a extrema violência da policia ao caçar os culpados pelos incêndios. Uma violência que foi às raias da loucura e do bom senso, culpando e matando inocentes.
O espetáculo do Piauhy Estúdio das Artes surpreende pela ousadia. Raros tem sido os momentos em que o teatro do Piauí tem falado de sua própria história, raríssimos, por sinal. E quando se atrevem em fazê-lo, alguns deles, ainda veem com ares de desculpas. Isso, com absoluta certeza, tem sido um dos motivos do fracasso do nosso teatro, que fica montando peças sem interesse para ninguém. Aqui não estamos colocando falar sempre sobre nossos problemas, principalmente, sobre nosso folclore tão cantado com olhar de benevolência, não só no teatro mais também na música, na dança e na literatura. O teatro tem o dever de revelar, de esmurrar o estomago, de ir fundo naquilo que está mais escondido na alma humana, só assim cumpri com o seu dever, tendo em vista que a realidade que está aí é muito mais cruel.
Fogo, do Piauhy Estúdio das Artes, talvez não vá tão fundo. Mas passa uma sensação para o espectador de que o Grupo cumpriu com aquilo que se comprometeu, e fez um espetáculo instigante, surpreendente, com belas imagens de atuação. Um espetáculo raro como quase nunca tem acontecido no nosso teatro, daqueles em que você sai com uma sensação de que nem tudo está perdido. Com um elenco compacto, objetos de cena distribuídos em arena e usados pelos atores de forma firme e sob uma luz criativa, as cenas das casas queimadas se desenvolvem alinhavadas em um pano de fundo formado por um casal, em que se destaca a atuação forte e vibrante da atriz Érica Smith.
Quando colocamos que o Grupo não foi tão fundo talvez seja por que o material em que baseou o texto tenha sido de um autor único. Isso por que já existe um vasto material sobre aqueles incêndios em Teresina, inclusive, com teses de doutorado e outros escritos. Só para exemplificar, temos o livro do professor Alcides nascimento “Fogo – Modernização e Violência Policial em Teresina (1937-1945)” e “A Cidade em Chamas”, do dramaturgo e ator Afonso Lima, material em que o Grupo poderia ter ido mais fundo em suas pesquisas.
Fogo, que tem direção de Adriano Abreu, com os atores Carlos Aguiar, David Santos, Vitor Sampaio e Érica Smith, pontuado com sons de instrumentos de percussão ao vivo, um achado, com certeza vai se ajustando durante sua temporada. Falo do ritmo, da modulação da voz dos atores, às vezes estridentes outras inaudíveis, e da emoção da cena. O espetáculo já é um marco na trajetória do nosso teatro, por trazer para a cena um episodio ainda um tanto nebuloso e desconhecido da nossa história.
Um tempo em que na cidade de Teresina vivia-se a mordaça, o medo e a inquisição em meio às chamas que esturricavam as casas de palhas, e nem sequer se podia mencionar o nome fogo. Tudo era silencio na cidade. Autoridades caladas, jornais empastelados e o povo com medo: casebres de palhas feitos a sangue e suor, sendo consumidos, fosse em pleno sol a pique ou em noites de luar, sem nunca ter-se descoberto os autores ou autor de tamanhas barbáries.
Vida longa a Fogo, do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, o teatro piauiense precisa.
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