quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense 2016: Dias Melhores Virão?

Foto: Alysson Castro

         Ano após ano tenho feito uma retrospectiva do período que vai se encerrando na Cena Teatral Piauiense, certamente, uma única visão não contempla a diversidade de pensamentos que permeiam a questão, porém, um teatro que não expõe, de forma opiniosa suas vísceras, não é um teatro sério, então, mãos à obra:

          Como sempre, tivemos poucas estreias, demonstrando a fragilidade dos produtores teatrais locais, em manter uma continuidade e regularidade na construção de produtos cênicos, devemos destacar o “Grupo Harém de Teatro”, que consegue todos anos fazer o dever de casa, sempre apresentando novos trabalhos, em 2015 foi a vez de “Um Bico Para Velhos Palhaços”, de Matei Visniec, com direção de Arimatan Martins, comemorando os 30 anos de atividades do grupo. O Harem ainda realizou a sexta edição do FESTLUSO (Festival de Teatro Lusófono) e reestreou a “Casa de Bernarda Alba” de Lorca, finalizando as comemorações dos seus 30 anos, com a última apresentação da antológica “Raimunda Pinto Sim Senhor”, de Francisco Pereira da Silva.

            O GRUTEPE (Grupo de Teatro de Pesquisa), também, estreou o seu “Itararé a República dos Desvalidos”, remontagem do clássico texto de Afonso Lima, também sob a batuta de Arimatan. Necessário fazer merecida menção ao COTJOC- COMPANHIA DE TEATRO JOVENS EM CENA, capitaneado por Arimatéia Bispo, que além da “Mostra Teatro ao Alcance de Todos”, e da sua tradicional “Paixão de Cristo”, levou aos palcos do Estado, “ A Verdadeira História de Romeu e Julieta”, Direção Alinie Moura Do Caermo e Arimatéia Bispo, para o texto de Jean Pessoa. Outra boa surpresa foi a estréia de "Casimira Quietinha", texto de Waldilio Siso, direçao de Avelar Amorim. O Grupo Utopia de Teatro, dirigido por Chicão Borges, também, tem conseguido montar alguns trabalhos e realizado sua mostra anual. Vitorino Rodrigues e sua trupe realizaram “ZUMBEATS”, boa iniciativa para o teatro infanto juvenil. O Grupo Escalet de Teatro, da cidade de Floriano, protagonizou a 4ª Edição do Festival Nacional de Teatro e, manteve algumas montagens. Parnaíba conseguiu, também, realizar uma produção teatral ainda pequena, com os grupos de Carmem Carvalho e o Coletivo Cabaça, dirigido por Rick Costa. Além disso, algumas poucas produções comerciais, as tradicionais Batalha do Jenipapo, Paixões de Cristo, Operetas de Natal e uma ou outra iniciativa com menor visibilidade.

            O SESC-Piauí realizou duas iniciativas na área teatral: SESC Março de Artes Cênicas e Festival Pipoca e Guaraná, no entanto, uma pergunta incômoda tem pairado no ar: Por que o SESC Piauí não consegue colocar as produções locais nos seus dois projetos de circulação, Palco Giratório e SESC Amazônia das Artes? O que incomoda é que os nossos espetáculos possuem, muitas vezes, até maior qualidade dos que os que tem circulado por aqui. A Classe Teatral Piauiense, de forma organizada, deve sim em 2016, procurar explicações mais fundamentadas, por parte da Coordenação Regional de Cultura do SESC-Piauí, sobre essa questão.

           A FCMC (Fundação Cultural Monsenhor Chaves), na atual gestão, deixou o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense no vácuo de iniciativas, esperamos alguma coisa positiva no último ano da administração de Lazaro do Piauí e Firmino Filho.

          A SECULT-Piauí (Secretaria de Cultura) abre suas portas com algumas perspectivas interessantes, entre as principais estão: a recuperação dos espaços culturais da capital e interior, e a setorialização do SIEC (Sistema de Incentivo Estadual a Cultura) por áreas artísticas já em 2016, o que pode ser muito positivo para os bons projetos cênicos. O Secretário Fábio Novo, tem procurado dialogar com os produtores teatrais, tem força política e atuação na área, dessa forma, é torcer, e crer para ver.

          O Coletivo Piauhy Estúdio das Artes conseguiu manter seus projetos “Fogo”, Exercício Sobre Medeia” e o Ciclo de Leituras Dramáticas (com mais seis edições este ano de 2015), ministrou seis oficinas de iniciação teatral na Casa da Cultura de Teresina com turmas lotadas, está em processo com dois novos trabalhos teatrais e mais um Pocket Show, “Música de Primeira Para Interpretes de Última”, estabelecemos uma maravilhosa parceria com o Grupo Harem de Teatro, coordenando a parte formativa do FESTLUSO. No ano que se encerra obtivemos conquistas relevantes para o cenário teatral piauiense: destacamos nosso protesto na escadaria da extinta FUNDAC, onde exigimos respeito e seriedade no trato com o artista da cena. Outro momento glorioso foi a temporada vitoriosa do espetáculo “Exercício Sobre Medeia”, no Rio de Janeiro, abrindo o “Projeto Grandes Minorias” (Teatro Glauce Rocha), a convite da dramaturga Marcia Zanellato. Fundamental e inédito para a arte do Piauí, foi a nossa participação no FILTE (Festival Latino Americano de Teatro da Bahia), onde proferimos um colóquio no Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste-NORTEA, como também, conseguimos inserir o FESTLUSO no Fórum dos Grandes Festivais de Teatro do Brasil. Além disso, o solo de Silmara Silva levou a maioria dos prêmios no 4º Festival Nacional de Teatro de Floriano, na categoria monólogos. Portanto, este ano para nós, foi de construir pontes, para integração do nosso teatro com outros criadores, pesquisadores e agrupamentos de várias partes do país.

            2016 se avizinha trazendo grandes expectativas, e o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, descortina o ano com a esperança de trazer em parceria com os grupos Harem e Oco Teatro Laboratório (da Bahia), um encontro do Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste para Teresina, este evento possibilitaria a participação de alguns dos melhores coletivos e pesquisadores do teatro brasileiro na nossa cidade, compondo as atividades de formação do Festival de Teatro Lusófono 2016. A contribuição de todas as instituições públicas, bem como, de empresas privadas, será de suma importância para o fortalecimento dessa e de outras ações nossas e do movimento teatral piauiense como um todo.

           Esperamos dias melhores para nossa arte, e o nosso compromisso, é a inserção do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, de forma orgânica, na nova cena do Teatro Contemporâneo Brasileiro, nós do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, estamos prontos.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
31 de dezembro de 2015
        

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O Medo Paralisante da Crítica




                                                                       
O Medo Paralisante da Crítica
(O Corajoso Compromisso do Atuante Iluminado)


            Ninguém é obrigado a fazer Teatro. Fortalecido por convicções muito fortes, considero que muitos indivíduos deveriam, sem remorsos, eximir-se dessa atividade humana tão prazerosa, porém, exigente de dedicação, disciplina e sacrifícios. Todavia, se o seu espírito inclina-se de maneira irrefreável para o ofício cênico, realize-o com o primor dos mestres e, pleno das motivações corretas, caso contrário, pela força do tempo que sempre revela todas as contradições, você poderá tornar-se um estorvo para a arte teatral e criar imensos problemas para si mesmo.
           Todos os artistas da cena estão sujeitos a crises e situações difíceis durante a vida profissional. O ambiente que circunda a nossa arte está repleto de muitas energias, algumas extremamente benéficas e outras abjetas. A conscientização da influência dessas forças no processo criativo, para os atuantes, é essencial na diminuição do impacto negativo que algumas delas exercem sobre o produto final do trabalho, o espetáculo. Este ensaio visa contribuir para minoração do efeito destrutivo de uma das mais poderosas influencias energéticas que atores e atrizes enfrentam: “O Medo Paralisante da Crítica”.
            Antes mesmo de entrarem em cena, alguns atuantes, literalmente congelam com o pavor de um possível julgamento contrário as suas aspirações, é como se o ato teatral fosse um crime digno de culpa ou absolvição. Absolutamente pueril e de certa forma irracional, tais comportamentos e sentimentos não são resolvidos num passe de mágica. Grande parte de nossas vidas na arte passamos criticando, as vezes ferozmente, as manifestações cênicas que consumimos. O efeito dessa prática recorrente, volta-se contra nós mesmos, então começamos a internalizar um certo pavor da não aceitação do nosso trabalho e, consequentemente, das nossas personasA vontade de atuar, confunde-se, em um grande número de casos, com a necessidade de ser amado, essa necessidade, na cabeça do artista, significa ter a aprovação (de preferência verbalizada) da nem sempre justa classe teatral em primeiro lugar (alguns forçam a aprovação e se comprazem nela), dos parentes e amigos em segundo plano, estranhamente, em último lugar, do anônimo público pagante.
          Vítimas de vaidade aguda ou baixa estima crônica, no momento do comentário, indicativo do suposto fracasso, apontado por um “colega do teatro”, alguns pensam em desistir do ofício, outros passam anos sem executar nenhuma proposta mais relevante em virtude do terror da crítica e passam a vida murmurar a eminente desgraça pelo mundo afora.
          Existe remédio para este mau? Como livrar-se da doentia dependência do elogio dos colegas de ofício, em muitos casos, como sabemos, hipócrita? Qual a cura da esquizofrênica necessidade de “arrasar” e ser reverenciado no cenário teatral no qual habitamos? A pergunta para todas essas questões resume-se em única palavra: ESTUDO.
          Quando estudamos compreendemos que o universo do teatro é bem maior que uma confraria de comadres ou um poleiro de pavões. O ato de estudar nos qualifica a entender que qualquer perspectiva cênica, inclusive a nossa (as vezes enxergamos tudo, menos o nosso umbigo), é passível de sucessos e fracassos e que ambos, são temporários, aparentes e relativos. Compreendemos, ao aprofundar o conhecimento, que fundamentar aquilo que realizamos torna-se nosso escudo contra malfadadas críticas, proporcionando-nos maturidade para aceita-las e, até incorporá-las, ao nosso aperfeiçoamento quando construtivas (aliás elas também existem). O comprometimento com nossa arte passa, invariavelmente, pela condição permanente de aprendiz e por uma dose ilimitada de coragem.
          Portadores dessa valentia percorreremos nosso caminho, enfrentando derrotas, as vezes mais valiosas que vitórias, as duas, certamente transitórias. Caminhemos destemidamente, com um sorriso nos lábios como quem diz: “- A luz que plantei em mim inundou a minha arte e, esta fonte, jamais se extinguirá."

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Fim da Estação Seca




Teresina- Piauhy

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Arte Para Liberdade da Tribo




Arte Para Liberdade da Tribo

      A arte, como tudo que se aplica a vontade e a criação humana, está se distanciando da realidade premente da longa aventura humana no belo planeta azul.
       Vivenciamos uma volta em direção ao hedonismo. Neste sentido, conclamamos aos seres que se dedicam a arte, a lutar por experiências que façam com que o humano, humanize-se. Tornar o esforço do fazer artístico uma busca pela paz e, sofrer para alcançar a paz, não é tarefa para egoístas.
       Ególatras são os artistas que veem o trabalho na arte como fonte de supressão dos ímpetos de fé e amor. Egoístas são os artistas que tornam sua arte fetiche para poucos. Orgulhosos são os que tornam suas buscas estéticas, meros objetos de repressão da força transformadora dos homens e mulheres.
         A virtude chega na arte quando coloco minhas realizações a serviço da evolução espiritual dos protagonistas e espectadores do objeto artístico. Hoje, mais que ontem, necessitamos buscar a verdade e esquecer os relativismos no campo da criação do fenômeno cênico. Aqueles que discutem a finalidade desses objetos de forma tristemente egocêntrica estão fadados a se perderem pelo caminho.
        O caminho é a cura das dores da alma, através do encontro com o Deus que habita dentro de cada um de nós. A negação do divino nas nossas existências é a negação de si mesmo.
         Preocupações individualistas distorcem o ser artista, o reduzem ao que podemos chamar: “salvador daquilo que nunca pôde salvar”. A luta é por uma cena rica de beleza da verdade.  Esse conceito regenera o povo e o concentra nas veias da iluminação.
          O princípio que deve guiar nossas ações será: O artista vive e trabalha para os homens e mulheres da tribo. Almeja que eles percorram, com relativa segurança, os vales das sombras da existência. Artistas e sociedade rumo a certeza de uma vida plena de sabedoria e conhecimento.  Quem constrói a arte são os homens e mulheres e em seus nomes ela será exercida, sem egoísmo, vaidade e com ampla firmeza no propósito da busca da verdade e harmonia com todas as coisas da Terra.

Adriano Abreu e Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

Fim da Estação Seca

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Atuar Verdadeiramente! Ato Único de Libertação!



Atuar Verdadeiramente!
Ato Único de Libertação!


“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. 
A liberdade não é um fim, mas uma consequência. ”

(Leon Tolstoi)



                      A liberdade do ator deve ser total. Isso é um fato inquestionável para os que buscam a autenticidade.  Todavia, o que vem a ser essa tal liberdade? Como o atuante consegue ser completamente livre para criar o seu papel, abrindo-se de forma confiante para ele, ator-doando-se nele?

                      O que aprisiona os atores e atrizes são suas percepções passivas do papel, então eles acreditam cegamente que podem se esconder por trás de alguma tradição, ou o que é pior, revoltar-se contra as tradições, considerando-as como grilhões que devem ser rompidos. Afirmo, tanto uma quanto outra posição encarceram os artistas da cena em falsas convicções.

                      Então atores e atrizes continuarão perdidos, debatendo-se ou omitindo o problema fundamental da liberdade. Vociferando, ou silenciosamente magoados, os atuantes continuam vendendo muito barato o seu inalienável direito de serem livres. Pois nenhum encenador, minimamente capaz (a praça está repleta de incapazes), aliena o artista da sua automia criativa, se assim o faz, a justificativa sempre é a omissão ou ação equivocada dos mesmos.

                      Dirigi um artista que possuía muitos recursos criativos, no entanto, fui rechaçando uma a uma as soluções que ele me apresentava para construção da personagem, é necessário ressaltar que algumas dessas soluções eram realmente muito boas, porém, eu queria algo mais daquele ator, almejava o extraordinário, vaidade de um jovem diretor que se aventura a dirigir um atuante talentoso, ele não reclamava, tão pouco se rebelava silenciosamente, como o fazem os hipócritas, apenas, trabalhávamos os dois à espera do imponderável. Foram horas naquele frenesi da criação de uma categoria essencial para os homens e mulheres do teatro, a busca suprema da verdade, onde só os verdadeiramente livres ousam chegar. Naquele exato momento, quando o caos psicofisiológico e a exaustão buscam desesperadamente a ordem, o nosso ator balbuciou uma palavra: - MÃE! Até hoje não consigo dimensionar o que aconteceu naquele exercício de cruel libertação, o certo é que naquela ação de absoluto desnudamento, a sala de ensaios ficou minúscula para tanta vibração, e eu, um pobre e jovem diretor, tonteei e não pude dizer mais nada. O atuante tinha conseguido finalmente conquistar sua alforria. Depois desse fatídico dia, realizamos a apresentação combinada, e ele nunca mais atuou.

            Onde a mentira acaba e as verdades eternas do teatro fazem morada, ali reside a liberdade de atores e atrizes. Qualquer outro discurso tradicional ou contemporâneo, conservador ou vanguardista, serão perca de tempo. Teatro é para quem tem coragem e sabe, que destruir é muito fácil, mas construir é para os valentes da vida inteira.

Dedico este texto ao ator Carlos Betão, pois sabe escutar verdadeiramente em cena, uma das mais difíceis tarefas para um atuante.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Teresina – Estação da Seca

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobre a Memória, o Teatro e a Vida


Dedico este texto ao Centro Cultural da Barroquinha,
 local mágico, onde cometi este escrito por sobre as "ruínas da memória".



Sobre a Memória, o Teatro e a Vida

“Estas pedras se gastam com o tempo.
Vão lentamente se desgastando
e o tempo lhes sobra para as lembranças
que não conservam...”
H Dobal

            O conselho que os grandes mestres me deram é que quando o sentimento de insegurança invadisse a minha alma, eu deveria retornar as minhas origens, aos meus primeiros dias na arte.
            Como fazê-lo? Nestas “ruínas da memória” tudo parece entrecortado, as imagens vêm e vão, já não fazem mais tanto sentido, como naqueles momentos distantes. O mundo mudou, a cena não é mais a mesma e o homem em que me tornei não representa os anseios do passado.
             Lembro-me de um garoto vestido de papel celofane vermelho versejando “A Morte do Leiteiro”, auditório de escola lotado, deveria ser eu, talvez não fosse, tempos depois contemplei um casal de artistas representando a história de um sujeito que abandonando a mulher, alistava-se na Legião Estrangeira, e apaixonava-se por uma camela, recortes de um teatro ingênuo, hoje esquálido para mim.
             A primeira vez que fui a uma casa de espetáculos, dessas de cortinas vermelhas, refletores de verdade e palco de madeira, foi no desfigurado, mas ainda majestoso, Teatro 4 de Setembro, subi para o balcão no terceiro pavimento, não queria ser visto, temia que algo terrível pudesse acontecer, nada aconteceu, os atuantes vistos do terceiro piso pareciam anões, um deles imitava um cientista louco e em seguida uma leva de atores e atrizes gritavam palavras de ordem incitando a sublevação, tudo tão bonito dantes, hoje, apenas poeira de lembranças. 
              A cidade era Piripiri, sertão do Piauí, o ano não recordo, o adolescer ficara para traz, e a cena já fazia parte dos meus planos, porém, com frágeis convicções, quanto tempo perdido ou ganho em frágeis convicções? Acompanhava uma trupe teatral onde os artistas passaram boa parte do dia recolhendo galhos e flores, que comporiam um cenário improvisado, composto daquelas folhagens que certamente estariam murchas ao anoitecer. Contudo, naquela noite, veria uma coisa que impregnaria meu ser para sempre, o texto era as “Criadas” do genial Jean Genet, meu sentimento era que havia um profundo senso de ordem naquele incrível espetáculo, contrariando o caos da vida daquelas personagens. Ali, por entre flores murchas, vi três atores incendiarem a cena.
              Misteriosamente acabei trabalhando com aquele grupo por muitos anos, aprendi com eles, discordei, rompi com aquelas pessoas fantásticas, larguei o teatro, quando o grupo acabou, retornei ao ofício, fiz meu próprio caminho.
              Ainda me surpreendo, emocionado, com algumas  coisas que fiz e faço, muitas vezes não me reconheço nelas, são os enigmas desta prática mágica que é o teatro. Cometi mudanças existenciais radicais, magoei dilacerantemente pessoas, alegrei muitos com a minha arte, dei e destruí esperanças, o teatro é feito de coalizões e rupturas, amor e dor.
              Sempre lembro da humildade soberba dos grandes artistas que tive a honra de contemplar, aprecio o esgarçar do tempo me impregnando nos grandes trabalhos e, trago uma certeza; as luzes sempre se apagarão no final de tudo, nossos espectadores indiferentes, aborrecidos, enternecidos ou extasiados retornarão para uma vida que nós, gente de teatro, jamais reconheceremos como única.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Salvador – Bahia
2015

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Festival Latino Americano de Teatro da Bahia: Nomes, Processos e Reflexões.

Fotos: Sidney Rocharte e Alessandra Nohvais
                                                                                                      


“A luz do teatro é aquilo que acreditamos
 com todas as forças do nosso ser....
Isso é essencial. Acreditar!
Adriano Abreu


           Este texto é, sobretudo, um agradecimento ao Oco Teatro Laboratório, e a todos os organizadores do FILTE-BAHIA 2015, pelo convite a nós do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (representado por mim, Adriano Abreu e pela atriz Silmara Silva) a participar do 3º Encontro do Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste - NORTEA, bem como, das demais ações promovidas pelo 8º Festival Latino Americano de Teatro da Bahia, ocorrido no período de 11 a 20 de setembro na cidade de Salvador.

           Durante o evento realizamos duas pequenas ações: o Colóquio Teatro em Estado de Magia (Uma Perspectiva na Formação do Atuante Através da Arte do Espetáculo), no segundo dia do NORTEA, que foi realizado no Espaço Cultural Xisto Bahia, e o estatuísmo de Silmara Silva, com a instalação LUME (Uma Boneca de Luz), no penúltimo dia do festival, no Farol da Barra. Ainda participamos de uma mesa redonda composta por 10 programadores de alguns dos mais importantes festivais de artes cênicas do país e, representantes da FUNARTE-MINC, onde podemos falar brevemente sobre o Festival de Teatro Lusófono, que a partir desse encontro, merecidamente, estará incluso nesse novo fórum de grandes festivais nacionais e internacionais, através do seu coordenador e curador Francisco Pelé, membro do Grupo Harém de Teatro.

           Assistimos 18 espetáculos, 15 apresentações de processos e metodologias, através do NORTEA, participamos do encerramento da Oficina de Circulação e Internacionalização de Teatro, ministrada por Marcelo Bones, onde alguns dos principais grupos teatrais da Bahia tiveram a oportunidade de apresentarem suas propostas em uma rodada de negócios aos programadores dos festivais.

            Para nós, do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, ficam muitas reflexões, como também, algumas ações que podem ser realizadas no Piauí, o que nos traz imensas responsabilidades, com a cena piauiense e brasileira:

            Na lista das reflexões, consideramos oportuno um questionamento profundo sobre o atual estado do mercado teatral brasileiro. Onde ele oportuniza os novos produtos cênicos e onde ele é excludente? Quais os horizontes e limitações para circulação e fruição dos bens teatrais na contemporaneidade? Sobre a cena teatral contemporânea é necessário aprofundar. Onde ela vibra com novos sentidos e visões? Por que em determinados momentos se entrega ao discurso vazio? O trabalho de grupo, revigora-se, ou apenas resiste a “nova ordem cultural”? As respostas a essas, e outras questões não menos pertinentes, definirão o universo teatral nas próximas décadas. E no Piauí? Como fortaleceremos as “Expressões Cênicas Piauienses”, que ainda sobrevivem fortemente calcadas em um diletantismo histórico, muitas vezes cultuado como virtude (com raras exceções)?

           Algumas ações podem ser implementadas (e já começam a ser), a partir da nossa participação no FILTE-BA 2015, que poderão contribuir para o avanço do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, avanço esse que tem nos motivado sempre, de forma programática, em um esforço cotidiano individual e coletivo através do estudo e pesquisa constantes, posicionamento político e estratégico, revelados nos nossos inúmeros projetos, ações e princípios. Portanto, dentre os possíveis desdobramentos da nossa experiência nesse importantíssimo festival podemos citar: possibilidade da realização de uma edição do Núcleo de Laboratório Teatrais do Nordeste - NORTEA no Estado do Piauí, convidando as Universidades Federal e Estadual do Piauí para o encontro, provocando, dessa forma, essas instituições para definitiva instalação do curso de teatro em suas opções de graduação; inserção de alguns espetáculos locais em grandes festivais nacionais e internacionais, como também, nas circulações e diálogos patrocinados por estes eventos, gerando formação, reconhecimento, crescimento e inovação para cena local; aprofundamento das pesquisas do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes e de, outros grupos parceiros, com a possibilidade a médio prazo, de que diretores e especialistas em artes cênicas de outros estados brasileiros possam realizar trabalhos (oficinas e montagens) conjuntamente conosco, esses intercâmbios poderão acontecer em mão dupla; fortalecimento do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense, através de processos colaborativos entre grupos e pessoas, como aconteceu recentemente no 6º FESTLUSO  e na Mostra de Teatro Arte ao Alcance de Todos (Grupo COTJOC), onde o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes pôde dar uma contribuição, como grupo parceiro, nessas ações fundamentais para nossa arte.

    O FILTE-BAHIA 2015 foi construído por um número incontável de seres humanos, imbuídos de firmes propósitos na construção do Teatro Brasileiro e Latino Americano, preconizando um futuro que se avizinha forte, afetuoso, porém, com muitos precipícios e, trabalhos hercúleos a serem realizados, no sentido da sua eternização na alma da civilização. A algumas dessas pessoas, prestamos nossa amorosa homenagem, contemplando, representativamente, a todos que construíram esse “Festival Baiano de Teatralidades de Latino América”:

Espectadores: Mona e Deusi.
Atuadores: Luiz Jr, Silvero, Eddy, Márcia, Flávia, Caio, Betão, Daniel.
Encenadores: Thiago, Yuri, Alonso, Gil.
Programadores: Alaôr, Paulo de Castro, Paulo Vítor, Yasca, Alexandre, Dani, Marcelo e Sergio.
NORTEA: Saulus.
Registro: Sidney e Alessandra.
Organizadores: Marcelo (e sua poderosa Van), Carla, Margarida, Karen, Karol, Renata e Mário.
Coordenador Geral e Capitão da Nau: O Destemido Luiz Alberto Alonso.


Ao Oco Teatro Laboratório e ao  povo  baiano nosso muito obrigado!


Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Salvador – Bahia
Setembro de 2015

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Teatro Para Pensar o Piauí! Teatro Para Pensar o Brasil!





Teatro Para Pensar o Piauí!
Teatro Para Pensar o Brasil!

“...fica a certeza de caminhar
em linha reta,
não fugir nunca.
remar contra a corrente, lutar
sem temer os golpes sujos dos que rastejam,
cães roendo os ossos da omissão.
fica a ânsia, o sangue queimando nas veias
até o último momento.”
Paulo Machado

          No mês de julho de 2015 o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes apresenta seu solo “Exercício Sobre Medeia” no Estado Rio Janeiro, no histórico Teatro Glauce Rocha, como convidado a compor o quadro de espetáculos de um Projeto denominado Grandes Minorias, que segundo sua idealizadora, a dramaturga carioca Marcia Zanelatto, apresenta: “um panorama de teatralidades que surgem a partir desse tema, buscando mapear as questões sócio-políticas da contemporaneidade brasileira através da cena, revelando um novo teatro engajado, emocionalmente engajado, que tenha potência poética e pensamento capazes de confrontar a indiferença e a insensibilidade que congelam as relações do indivíduo com o outro e com seu tempo e podem mesmo levar uma sociedade ao terror e a barbárie.”  Motivados por visões como estas construímos o nosso Coletivo, com ações e reflexões intensas e ininterruptas, capazes de gerar forças consideráveis, arrancando da letargia o Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense e, ao mesmo tempo, estabelecendo relações com outros agrupamentos, filosofias e éticas da cena nacional e mundial.
           Necessário fazermos uma breve digressão, para que possamos compreender os porquês dessa potência poética, desse engajamento emocional, o porquê do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes fazer parte do Projeto Grandes Minorias: o primeiro fator preponderante que nos alinha com o pensamento desse importante evento cênico do Rio de Janeiro e do Brasil é o fato de acreditarmos que nenhuma estética ou linguagem teatral possa comunicar, refletir ou interferir na realidade se vier desprovida de amor ao teatro. Isso significa que não desejamos o vazio de uma proposta meramente bela ou interessante, para o deleite da sociedade pagante. O que nos interessa é restituir a nossa arte algo perdido nos porões de uma visão meramente conceitual. Queremos o teatro do teatro, e a alma que saia pela boca das artes cênicas é a força da atuação.
           Temos nos esforçado, coletiva e individualmente, no sentido da formatação de um modelo de atuante teatral que se compreenda como proletário da arte, um cidadão artista comprometido, intrinsecamente, no combate a tola vaidade, inércia, egolatria e loucura. Defendemos uma perspectiva de homens e mulheres de teatro empenhados na sua própria cura psicossocial e espiritual, como também, com a cura das chagas do mundo. Como plataforma para o alcance desses objetivos tão nobres, nos esforçamos incessantemente, no esmero técnico, estético e conceitual. Essa forma de comportamento traduz o fazer cênico como ação política e atitude existencial.
           Nos últimos cinco anos concebemos e apresentamos três grandes espetáculos: “O Rouxinol e a Rosa”, livre adaptação da obra de Oscar Wilde, “FOGO”, livre adaptação do texto homônimo do piauiense Vítor Gonçalves, “Exercício Sobre Medeia”, bricolagem de textos de autores diversos, inclusive da atriz Silmara Silva, dezesseis leituras de textos, através do nosso Projeto Ciclo de Leituras Dramáticas, envolvendo cerca de 20 atores e atrizes convidados, lançamos um número do Suplemento Cultural Cigarra (o segundo em breve estará sendo lançado),  ministramos diversas oficinas teatrais, sempre com a coordenação de Silmara Silva, fomos destaque no 21° Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, um dos mais importantes eventos do teatro nordestino, escrevemos dezenas de artigos  e ensaios sobre teoria teatral e política cultural, colocando a reflexão e o debate sobre esses assuntos na ordem do dia, fizemos apresentações em vários projetos como SESC Aldeia Guajajara em Caxias-MA e circulação estadual pelo SESC Março de Artes Cênicas, prestigiamos praticamente todos os espetáculos teatrais produzidos em Teresina nos últimos anos, inclusive colaborando tecnicamente em muitos deles, ganhamos praticamente todos os prêmios  locais na área teatral, bem como, tivemos nossos Projetos aprovados em todos os editais locais de incentivo as artes (em alguns nunca recebemos o valor devido), promovemos encontros e debates, protestamos pública e artisticamente quando nossos direitos foram aviltados pelas Instituições oficiais de apoio à cultura e, finalmente, fomos convidados a Participar do Projeto Grandes Minorias.
            Consideramos nossas atividades ainda muito tímidas, contudo, olhando com certo distanciamento, fica claro que ampliamos muito o limite do possível, tendo em vista, a ausência quase completa de apoio das Instituições Municipal e Estadual de Cultura. Sendo muitas vezes incompreendidos por setores menos atentos e recalcitrantes da Gestão Cultural Pública e até mesmo da classe artística, avançamos sem cessar.  Quando nos perguntam de onde vem o talento e o brilho do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, respondemos sem pestanejar que provem das forças que regem o universo, de tudo que é autêntico, digno, bom e justo. Dessa forma seguimos como no poema a Raça do poeta H Dobal:
“Como fogo dormido
se faz a semente
que gerou esta raça
sem foro de ódio
de igual para igual”

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Especialmente para os anais do Projeto Grandes Minorias – Ocupação do Teatro Glauce rocha

Rio de Janeiro 8 de julho de 2015

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A Minoria Dentre as Minorias (Micro Ensaio Sobre a Busca de Luz)




A Minoria Dentre as Minorias
(Micro Ensaio Sobre a Busca de Luz)
“Não sou feliz, mas não sou mudo:
hoje eu canto muito mais.”
Belchior
            As artes cênicas, como toda e qualquer atividade humana produtiva, carecem de profundidades, luzes e reflexões, como uma nau a navegar cautelosamente entre arrecifes, nos propomos a encarar a cerração. No microcosmo “Expressões Cênicas Piauienses” coexistem motivações, comportamentos e visões diferentes.
       Alguns tentam impor esdrúxulos pensamentos, fazeres e ações para o conjunto dos artistas da cena e para própria sociedade. Esta prática é comum, em parte significativa daqueles homens e mulheres que assumem fanática e irrefletidamente, gozando no genérico e escorregadio auto rótulo do ser contemporâneo. Evidente que existem produtos de valor nessa seara, todavia, sobram obtusidades e produtos que de arte só possuem o desejo dos idealizadores.
       A grande maioria, dos nossos colegas da cena, são preguiçosos ou conformados demais para verticalizar estudos e pesquisas que conduzam a algum horizonte. Sobrevivem na superfície dos atos cênicos, a cata de inclusão no mundo da arte, ou em geral, na luta inglória por meia dúzia de trocados. Muitos limitam-se a não fazer praticamente nada, realizando de quando em vez, migalhas artísticas, na doce ilusão da pomposa denominação de artista.
       Neste minúsculo e, paradoxalmente, vasto cenário coexistem ainda aqueles que se esforçam, esquizofrenicamente, pelo reconhecimento, traduzido em falsos e vazios elogios da “classe artística” ou de um público, muitas vezes de gosto adulterado. Pobres criaturas que sobrevivem em estado manicomial e, por mais incrível que pareça, são considerados por muitos incautos como os verdadeiros artistas desse rincão.
       Poucos, bem poucos, guerreiam para agregar alguma essência aos seus atos cênicos e, consequentemente, as suas vidas. Enxergo o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes nessa trincheira, A Minoria Dentre as Minorias, um grupo reduzido de artistas que não se encantou pelo canto das sereias da ilusão, inércia, conformismo e desespero. Fazemos parte de uma categoria que é taxada de caretas, mas também, de arrogantes, certinhos demais e difíceis, ultrapassados para alguns e vanguarda para muitos. Sei que trazemos entranhado no nosso modus faciend características de cada uma dessas faces que habitam as cênicas no nosso “longínquo” território, porém, é correto afirmar, a luta é diária para nos afastar daquilo que não nos serve como farol, até porque, na plenitude da escuridão só é possível aprofundar a mais absoluta treva, e é necessário encontrar um pouco de luz para que não atrofiemos o olhar.
         
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ateliê de Atuação- Texto 2: Por que devo trabalhar corpo e voz para atuar? Porque sem esse corpo e voz lavrados você será um atuante com menores recursos expressivos.



Ateliê de Atuação

- Neste segundo texto do Ateliê de Atuação abordamos aspectos relacionados a preparação corpóreo-vocal do atuante: visões, reflexões e procedimentos.

Por que devo trabalhar corpo e voz para atuar? Porque sem esse corpo e voz lavrados você será um atuante com menores recursos expressivos.

        Antes do desenvolvimento de qualquer raciocínio, é necessário esclarecermos, a afirmação recorrente, por parte da maioria dos modernos teóricos do teatro, da existência de um corpo-voz realizador das tarefas diárias (caminhar, comer, sentar, conversar, etc), aquele que procura sempre o menor esforço energético possível, e a adaptação as rotinas individuais normalmente executadas. Esse corpo-cotidiano (termo amplamente utilizado pelo ator e diretor Eugenio Barba), também, é movido por uma série de injunções e sugestões socioculturais que fazem com que executemos, ações corpóreo-vocais, facilitadoras da aceitação e identificação com os grupos, valores, regras e situações vivenciais que nos torna parte integrante de uma comunidade. Essa configuração corporal e vocal naturalista, não corresponderia (segundo este pensamento), as necessidades das artes cênicas na contemporaneidade. Diante dessa informação, podemos inferir que existe um corpo-cênico e uma voz-cênica. Portanto, em contraposição a esse bios-natural (cotidiano), seria possível a construção de um bios-cênico, que segundo o mestre italiano, diretor do Odin Teatret, seria: “Uma qualidade de presença que estimula a atenção do espectador... um núcleo de energia, uma irradiação sugestiva e sábia... que captura nossos sentidos”. Esse corpo, utilizaria técnicas extracotidianas do corpo, onde as características principais seriam um “esbanjamento de energia”, “artificialidade crível” e uma presença marcante do atuante, capaz de atrair e dialogar de forma total com espectador mais exigente.
         Para Barba, esse bios-cênico, seria o corpo forjado em um treinamento pré-expressivo (como separar pré-expressivo do expressivo?), um corpo-voz ideal para representação, pois estaria liberto das imposições socioculturais, bem como, apto a realização de atos teatrais autênticos, através de gastos relativamente grandes de energia manipulada, conseguiria imprimir conteúdos simbólicos e vibracionais as suas ações cênicas.
        A prática tem me convencido, a impossibilidade da existência e construção de um bios-cênico 100% puro e eficiente, como também, tenho reparado, em algumas situações, corpos-cotidianos sem nenhum treinamento pré-expressivo, movimentando vibrações energéticas, conteúdos emocionais, imagéticas e simbólicos de alto teor cênico. Feitas essas considerações, podemos afirmar, que a distinção entre um bios-natural e outro, ideal a arte representacional (um bios-cênico), serve, indubitavelmente, como um excelente pré-texto para o atuante desejoso de estabelecer rotinas de treinamento corpóreo-vocal efetivas, no entanto, como em quase tudo na arte teatral, é necessário relativizar. Apesar da enorme influência e, das incontestáveis contribuições de Eugênio Barba, muitas de suas afirmações sugerem mais uma pragmática, utilizada eficientemente nos seus trabalhos, do que fatos irrefutáveis. Lamentavelmente, supostas “verdades absolutas”, são utilizadas indiscriminadamente e, sem as necessárias reflexões (e adequações), por parte de uma legião de artistas e grupos.  
          O fato irrefutável é que para um ator, atriz ou performer com amplas possibilidades físicas e vocais, conseguidas através de constante treinamento técnico-teórico orientado e fundamentado, torna-se, via de regra mais fácil, responder aos estímulos, problemas e situações expressivas com mais presteza e eficiência, que um atuante que ignore ou despreze tais necessidades. Utilizo para essa construção um termo na minha opinião mais realista, corpo e voz lavrados, aquele cujo sujeito-artista, através de intenso treino-criativo, consegue identificar e superar dificuldades físicas e vocais recorrentes na sua prática artística, como também, coloca seu corpo e voz disponíveis a um modelo criacional extremamente exigente, extenuante e, ao mesmo tempo, poético.
          Cada artista ou equipe criativa, possuem visões e necessidades especificas de trabalho físico-vocal, que irão de encontro as perspectivas, interesses, limitações e potencialidades daquilo que estão desenvolvendo como produto cultural.  O LUME, Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, Oco Teatro Laboratório e a Pequena Companhia de Teatro por exemplo precisam, certamente, de treinamentos de atuantes diferenciados, pois suas verdades, visões, sonhos e demandas são diferentes. Todavia, existem princípios, aplicados em todos esses agrupamentos, nas suas preparações corpóreo-vocais, que serão semelhantes. Neste sentido, a lavratura corpóreo-vocal consiste em um trabalho sistemático e processual por parte dos atuantes em suas realidades criativas, onde através de um reconhecimento íntimo de seus desejos, objetivos, barreiras e ideais esculpem seus corpos e vozes, como artesãos-artistas, pois o que está em jogo é a capacidade expressiva e artística que sirva efetivamente aos seus atos cênicos e, não somente, um mero acúmulo de técnicas e habilidades. Lavrar o corpo e a voz é, acima de tudo, um exercitar o essencial, relacionando-os a uma visão de arte e a uma pesquisa teatral. 
        Trabalhar a fisicalidade do atuante, requer atividades grupais e individualizadas com foco em aspectos como: respiração, flexibilidade, força, precisão, resistência, conciência e controle corporal, diminuição do tempo de resposta entre estímulo e reação corporal,  etc.  Indispensável no trabalho vocal atividades de desenvolvimento da respiração, projeção, domínio, ressonadores, performance, ritmo, flexibilidade, intensidade, resistência, dicção, prosódia, concordância, etc. Todos estes trabalhos devem levar em consideração nuances menos objetivas dos que as citadas anteriormente mas que são pilares fundamentais dessa práxis, entre elas: energia, conteúdos simbólicos, história e necessidade individual de cada atuante e claro, integração com a pesquisa teatral desenvolvida. Fundamental salientar que corpo e voz devem ser trabalhados de forma integrada, tendo em vista, formarem um todo indivisível.
          As atividades, exercícios, jogos e laboratórios podem ser os mais variados, dependendo apenas das condições materiais, interesses e necessidades dos sujeitos-artistas envolvidos no processo de pesquisa cênica, podendo variar, da esgrima ao pilates, do wu-shu a prática do basquete, do canto ao gramelot, da dança clássica a contemporânea. O importante são os princípios que fundamentam a ação e as atitudes dos indivíduos perante as práticas desenvolvidas, que devem ser sempre de aceitação, espírito investigativo, humildade, prazer consciente durante as práticas corpóreo-vocais, como também, utilização do treino criativo como mediador entre o autoconhecimento e ampliação das possibilidades criacionais e expressivas.
          No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes acreditamos que um corpo e voz lavrados, seria aquele que consegue corresponder as necessidades cênicas dos produtos culturais desenvolvidos pelo grupo de forma confortável, estabelecendo processos comunicacionais significantes com os espectadores e parceiros de cena, sem ruídos estranhos a essa comunicação, que é sempre sinestésica, imagética, vibratória, cognitiva e emocional.
         O campo da pesquisa corpóreo vocal do atuante em situação de representação é imenso e aberto, necessitando de artistas pesquisadores comprometidos com sua evolução, em geral, essa responsabilidade é atirada somente nas mãos do diretor ou professor.  Individualmente, é importante refletir, sobre o oportuno questionamento de Carlos Simioni (membro fundador do Núcleo de Pesquisa LUME): “Se a inspiração fosse a mão divina, teu corpo está preparado para receber a mão divina?”  Todavia, isso tudo, ainda é apenas uma pequena parte do ofício de atuar.   
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ateliê de Atuação (texto -1): Por Onde Começar? Pela Concentração de Suas Forças Criativas!





Ateliê de Atuação

- Corresponde a uma coletânea de textos sobre o trabalho do atuante, seus desafios, perspectivas metodológicas, proposições éticas, técnicas e filosóficas relacionadas aos princípios norteadores da produção do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes.


Por Onde Começar? Pela Concentração de Suas Forças Criativas!


            Os atuantes que trabalham no Coletivo Piauhy Estúdio das Artes são persuadidos da necessidade de desenvolverem um método de trabalho atorial. Sabem, também, que a exigência primeira, o princípio e fundamento dessa forma de trabalhar é a Concentração das Forças Criativas de quem atua.
           A palavra metodologia (arte de dirigir o espírito na investigação da verdade) tem sido negligenciada por atores, atrizes e performers reiteradamente. Representar ou performar, para muitos, depende única e exclusivamente de talento, ideias pré-concebidas ou da frágil perspectiva da inspiração. Grotowski afirmava, e eu concordo nesse ponto integralmente com ele que: “... o teatro tem certas leis objetivas e que a satisfação está vinculada a obediência dessas leis...” Essencialmente, uma é indispensável, podendo ser traduzida da seguinte forma: “Na ausência de uma concentração inabalável por parte do atuante é praticamente inviável um ato cênico autêntico e transformador (grifo meu)”.
         Apesar da obviedade de tal constatação, faz-se necessário, algumas elucidações sobre a questão:
1ª A Concentração das Forças Criativas não acontece de forma automática (como um dispositivo plug and play), trata-se de elemento processual de difícil “instalação” e aquisição.
        Infelizmente, esse recurso metodológico usado de forma consciente como princípio norteador da função de atuar e fundamento essencial do trabalho cênico, não se “instala” ao bel prazer dos atores, atrizes e performers, pelo contrário, acontece por saltos quantitativos e qualitativos de acordo com as características de cada indivíduo somados a complexidade das ações artísticas a serem realizadas. Conheço alguns atuantes que começam seu processo de concentração horas e, até mesmo dias, antes do ensaio ou apresentação. Cabe a cada artista descobrir suas necessidades, limitações e potenciais para o fortalecimento e efetividade de sua concentração.
2ª Para concentrarem-se criativamente os atuantes precisam desenvolver algumas atitudes, competências e habilidades, portanto, tal capacidade não nasce com o indivíduo, ela   pode e deve ser “treinada”.
       Podemos afirmar que no campo atitudinal a aceitação das condições objetivas e subjetivas ao desenvolvimento da criação é mesmo condição indispensável para sua realização. No entanto, tal atitude de aceitação, não pode ser subserviente, isso significa que devemos sempre lutar por melhores condições para realização do ato criativo. Porém, se reagirmos, intempestivamente, as inadequações recorrentes no nosso ofício, melhor seria, abandonar o fazer artístico, tendo em vista, essas condições quase sempre estarem longe do ideal. Portanto, o que afirmamos, é que se no momento exato do desenvolvimento do trabalho criacional, imprimirmos nuances de rebeldia infantil ou exacerbação de uma criticidade ingênua, tal atitude dificultará, ou tornará inexequível a instauração de sua concentração.
        Ser competente para concentrar-se significa, entre outras coisas, ter prazer em resolver problemas de forma criativa, saber dialogar com o tempo e espaço cênico, bem como, com os demais elementos da ação teatral ou performativa, para tanto, o atuante deverá possuir uma certa resistência a fadiga, domínio e aguçamento dos sentidos e uma mente racionalmente aberta a abstração. Além disso, buscará introjetar no seu bios-cênico habilidades interpretativas mais profundas capazes de subjetivação e ressignificação, bem como, imaginatividade e intuição afinadas, que o levem a corporificar, corretamente, a mensagem a ser (re)passada a equipe criativa (no momento dos ensaios e laboratórios) e aos espectadores na apresentação pública do produto cultural.
3ª Esse fundamento, acima de tudo, exige integração de todas as energias psicofísicas, sensoriais para sua consecução.
      Compreendemos que qualquer desequilíbrio corporal, psicológico, sensorial ou precariedade na compreensão das reações e intenções exigidas na execução do objeto cênico a ser construído, não se coadunam com processo de aquisição da Concentração das Forças Criativas. Explicitando, podemos afirmar, que problemas físicos (como má preparação ou doenças), emocionais, resistência ou má interpretação aos estímulos inerentes ao trabalho, descrença ou desconfiança naquilo que faz, baixa estima, meio ambiente inadequado, etc, podem dificultar e inviabilizar a aquisição desse fundamento. Como podemos ver o problema da Concentração das Forças Criativas é bem mais amplo do que parece e, como em tudo nas artes cênicas, não pode ser reduzido a superficialidade.  
         Alguns atuantes dificilmente alcançarão um nível satisfatório de concentração, em virtude das dificuldades na compreensão e implementação das nuances citadas anteriormente, dificuldades reforçadas por estruturas de caráter que também prejudicam este elemento tão complexo. Pessoas excessivamente inseguras ou vaidosas, estarão constantemente pré-ocupadas no que os circundantes estarão pensando sobre eles, dificilmente conseguirão, estados de atenção e objetividade satisfatórios. Elementos que nutrem de forma contumaz condutas reativas ou um racionalismo sectário em detrimento do medo de perder o controle que supõem ter sobre suas personas, terão muitos impasses na aquisição da concentração criativa. 
       Concentrar-se nas cênicas é um “abandonar-se” a um encontro mais profundo com um ser indivisível que nada mais esconde, isso exige humildade, generosidade   e uma enorme dose de coragem. Denominamos ator-doamento este momento, em que o artista através da integralização de todas as suas energias, consegue transcender a si próprio. Nestes instantes sublimes o atuante está pronto a constituir-se na própria arte da qual é oficiante. Todavia, isso tudo, ainda é apenas uma pequena parte do ofício de atuar. 
Adriano Abreu

Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)