sábado, 27 de setembro de 2014

Iluminando o Sentido





Iluminando o Sentido

“E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, 
não queremos dizer que o homem é responsável
 pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.”
Jean-Paul Sartre

        


             Trabalho com um iluminador realmente genial. Esse jovem artista possui verdadeira obsessão pelo seu trabalho criativo, isso me interessa e inspira. As concepções em iluminação cênica que ele realiza, fazem parte, não só de um conjunto internalizado de teorias e técnicas, apuradas durante anos de convivência (provavelmente deste a infância) com extensões elétricas, mesas de luz, racks, refletores e gelatinas coloridas, sem falar, num número incontável de espetáculos de todos os gêneros mas, acima de tudo,  a maestria que enseja construir, ainda na juventude, traduz-se num sentido muito profundo, uma atitude existencial que o torna, no momento da criação, indivisível. Nestes instantes seu corpo-mente-espírito,  irrequieto,  fica apaziguado e a plenitude se instaura.   
               As experiências vivenciais, motivações e até limitações que plantaram no seu ser esse sentido são impossíveis de dimensionar na totalidade, contudo, o que nos interessa neste texto é analisar, não é essa energia interior , que o torna um artista diferenciado, mas o esforço que ele terá de realizar para equalizar sua busca pessoal em relação ao conjunto dos outros seres humanos, ou seja, aquilo que chamamos sociedade. Sociedade que o despedaçará (mesmo ele sendo um criador único), como um in-desejado, caso não compreenda certas implicações e compromissos.
                  Aqueles que assumem a aventura do mergulho na totalidade, através de quaisquer práticas, na busca legítima, mas as vezes desorientada, da sua própria unidade tendo como referencial um caminho  diametralmente oposto, daquilo que os grupos sociais consideram parâmetros da normalidade, provavelmente aprenderão, da pior forma,  que a sociedade é um fato real, impossível de ser ignorado. Os grupos sociais são portadores de códigos, normas e regras, possivelmente diferentes e conflitantes, com valores e crenças dos que buscam sua individuação, infelizmente,  quer queiramos ou não, a coletividade, que como sabemos tem meios, certamente, irá de maneira violenta, enquadrá-los, e o fará de maneira precisa e mortal, caso não saibas conduzir “seu carro e seu arado por sobre os ossos dos mortos”.
                  Alguns artistas, que se propõe a autenticidade e a in-divisibilidade, aparentemente tornam-se antissociais, neste ponto reside o problema. Jung afirmou em um de seus primeiros escritos: “- Se alguém realiza este tipo de aventura, será esmagado pela sociedade como um inimigo e, isto será justo, se ele não paga a sociedade.” O controverso psicanalista conclui: “- Se eu estou em busca do in-indivíduo  em mim mesmo, eu preciso pagar a sociedade cuidando dos doentes, em um tal caso , existe um equilíbrio entre meu interesse pessoal e o fato de que eu faço algo pela sociedade.”
                    O trabalho teatral pode tornar-se essa contrapartida  essencial, esse ponto de equilíbrio, entre   o artista e sua tribo. Porém, existem perguntas indispensáveis que devem ser feitas por todos nós, que adentramos na floresta do autoconhecimento em busca de completude:  qual o objetivo da arte que faço? Essa arte cura os doentes da minha aldeia? Realizo meu ofício como quem deixa um legado para o futuro ou, estupidamente, tento imprimir minha persona nas páginas hipócritas de uma arte exibicionista? Sempre é salutar, para os que se fizeram artistas, lembrar que as verdadeiras obras de arte, mesmo quando não são anônimas, são quase impessoais.
                    Sintetizando, para que o sentido condutor  de  sua busca pessoal faça sentido para a comunidade, evitando seu massacre, é necessário: o compromisso velado que sua experiência tem alguma serventia para a sociedade e não somente para satisfação de sua necessidade de indivisibilidade. Todavia, é importante salientar; você que definirá que serventia é essa,  caso contrário, passarás de servidor da tribo, para a condição de escravo dela.  Vale a máxima de Eugenio Barba: “-  Não adianta querer saber o que teatro representa para a sociedade, isso é uma pergunta inócua. O importante é saber o que eu quero do teatro da sociedade.”  No entanto, suas práticas artísticas sempre deverão ter caráter terapêutico. Fundamental também aceitar que meu trabalho, mesmo não sendo anônimo, deverá trazer uma força impessoal, ou seja, gravo nas páginas do futuro não somente um produto cultural, mas uma visão de arte, que aglutinará pessoas nas gerações que virão, independentemente da lembrança do meu nome. Por fim, meu caminho para iluminação deverá ser fundamentado na maestria, acompanhada de uma metodologia que se materializa numa desconcertante precisão técnica. Isso não é tarefa para vaidosos, preguiçosos ou diletantes.
                     O nosso inestimável iluminador apenas começou a sua faina. Quando terminará? Quando o derradeiro refletor apagar seu lume e, um espectador, balbuciar com a voz embargada: “- Quando aquela luz invadiu a cena e toda força, vida e emoção do atuante foi revelada, senti que tinha vivido um momento memorável...” Então, após este momento, onde a arte de artistas completamente indivisíveis e em total harmonia promoveu a saúde da sociedade, sem personalismos, nosso sempre jovem senhor da luz, já exausto pelas agruras do tempo, poderá dormir e sonhar com a eternidade.

Para Pablo Erickson.  Futuro Senhor da Luz  
               
Adriano Abreu (Diretor do Piauhy Estúdio das Artes)
Teresina – Setembro
 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

                            

Dissipando Névoas de Incertezas

(Notas Sobre a Arte do Atuante e Outras Coisas Não Menos Importantes)

         A densa névoa que cobria a cidade de Guaramiranga, Estado do Ceará, naquele oito de setembro, fez com que eu rememorasse os movimentos do passado que tinham me posto ali, naquele momento contemplativo no Maciço do Baturité.
         Entre os anos de 2004 e 2008 não fiz teatro.  Vinha de uma longa jornada de quase quinze anos de intensa atividade teatral nebulosa de incompreensões, lacunas e injustiças. Protegido pelas serras da poesia tinha decidido que não iria mas fazer teatro. Assim vivi, até que o calor das mofadas salas de ensaio me empurraram, novamente, para os tablados.
          2009 foi um ano de completa neblina. Divisava apenas três atuantes muito distante daquilo que chamamos “artista criador”, além disso, encaramos uma cidade que não só nos ignorava, fazia pouco caso do próprio teatro que realizava, esquecendo-se das grandes glórias de outrora, enquanto ria abobalhadamente na nossa frente e nas nossas costas. Eram comuns comentários jocosos de toda ordem: “- O atuante como núcleo essencial do trabalho cênico? Sei (rsrs) Atuante... (kkkk)” “- Ave Maria! Dois anos para montar um espetáculo... Deus me livre, é muito saco.” “- Vocês ensaiam demais e ninguém vê essas peças...(rsrsss).” “-Não sei pra que esse negócio de tanta pesquisa... Não vejo resultado.”
           2011 fez nascer o espetáculo “O Rouxinol e a Rosa”, que poderia ter caminhado mais, porém, pra um ou outro indivíduo é sempre difícil circular em meio a tanta nebulosidade, principalmente quando procuramos frutos e só encontramos sementes. O trabalho árduo na nossa arte tem dupla função: 1º nos mantêm vivos e qualificados, 2º expulsa os casuístas, iludidos e oportunistas e, as vezes, uma dissenção que parece trágica é uma bênção. Dois anos depois em meio a uma chuva de sol surgiram “FOGO” e “Exercício Sobre Medeia” e os comentários agora são outros... Quanto a nós? Aprendemos que apostar firmemente em um “corpo vivo que não mente em situação de representação” valeu como um lume na cerração, contudo, sabemos que o dia demora a clarear e a noite ainda é espessa, mas caminhar nessa madrugada já não nos amedronta tanto.
            Dia 9 de setembro de 2014, 19:15min, 21º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, protagonizamos uma participação vulcânica do espetáculo “FOGO”, abençoados por todas as divindades do teatro que habitam aquelas montanhas uma vez a cada ano e,  guardados por quatro policiais do corpo de bombeiros, que serviram para engrossar o coro de espectadores que superlotaram a área de convivência da Escola Municipal Professor Júlio Holanda, cumprimos a meta, cometendo poucos erros e, convictos, que tínhamos vencido a neblina para que o dia amanhecesse límpido e caloroso para nós do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes. O debate convocado oficialmente para a manhã seguinte começou de fato na noite da apresentação, regado a duas garrafas de vinho e, a alegria contagiante de Rogério Ferraz, ator e diretor do Grupo Estação do Rio Grande Norte. O debate, agora com todo cerimonial, aconteceu em 10 de setembro, exatamente as 10:00h, na sala 1 do Mosteiro dos Capuchinhos, onde ouvimos de forma irrefutável, na fala dos 3 debatedores (Luiz Alonso Aude, Wilson Coêlho e Makarios Maia Barbosa) que o espetáculo “FOGO” era universal e que o corpo cênico dos atuantes era vivo e em chamas e que uma ou outra coisa precisaria avançar, na nossa opinião colocações relativas ao senso estético dos debatedores. Contudo, naquilo que tínhamos investido, o trabalho de atuação e a universalização da linguagem, o resultado fora plenamente satisfatório.
                  Abrirei um pequeno parenteses ao amigo Caio Padilha (Grupo estação), que fez pequenas referências críticas a concessões estéticas realizadas por nós, ressalvo de forma consciente, em detrimento do padrão vibratório a ser alcançado e mantido pelos atores e pela atriz, descobertas feitas no trabalho empírico do Coletivo, mantidas por opção do elenco, portanto, consideramos um preço não muito caro a pagar pelo que nos propomos a oferecer, um teatro de cura. Aliás, o seu cantar, nos fez honrados.
          Nossos olhos e ouvidos jamais estarão fechados, as contribuições de Wilson Coêlho e Makarios Maia (O Brincalhão Contumaz). Quanto a Luís Alonso (oco teatro laboratório), irmão em armas, sua dedicação, seriedade e amor ao teatro nos inspira. A Renatta Lima, Vanildo Franco, toda Coordenação e Técnicos do 21º FNT a vida com vocês ficou bem mais fácil aí na serra. Ao pessoal da Cia Dionísio (IFCE)/Capricórnio Produções e Quimeras de Teatro “a alegria é a prova dos nove”, Marcelo Flecha um dia, “caindo dos céus”, faremos uma visita para vocês da Pequena Companhia de Teatro, então retribuiremos prazerosamente tão valorosa assistência. O Coletivo Piauhy Estúdio Artes Dissipando Névoas de Incertezas continuará sua faina de artistas brasileiros. Evoé.
Outra Nota: O cadeado nas portas do Teatro Rachel de Queiroz também é cerração, mais aí já é outra história...

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes

Teresina- Piauí
 Setembro de 2014

   
            



quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Medo Paralisante da Crítica





                                                                                  
O Medo Paralisante da Crítica
(O Corajoso Compromisso do Atuante Iluminado)


            Ninguém é obrigado a fazer Teatro. Fortalecido por convicções muito fortes, considero que muitos indivíduos deveriam, sem remorsos, eximir-se dessa atividade humana tão prazerosa, porém, exigente de dedicação, disciplina e sacrifícios. Todavia, se o seu espírito inclina-se de maneira irrefreável para o ofício cênico, realize-o com o primor dos mestres e, pleno das motivações corretas, caso contrário, pela força do tempo que sempre revela todas as contradições, você poderá tornar-se um estorvo para a arte teatral e criar imensos problemas para si mesmo.
           Todos os artistas da cena estão sujeitos a crises e situações difíceis durante a vida profissional. O ambiente que circunda a nossa arte está repleto de muitas energias, algumas extremamente benéficas e outras abjetas. A conscientização da influência dessas forças no processo criativo, para os atuantes, é essencial na diminuição do impacto negativo que algumas delas exercem sobre o produto final do trabalho, o espetáculo. Este ensaio visa contribuir para minoração do efeito destrutivo de uma das mais poderosas influencias energéticas que atores e atrizes enfrentam: “O Medo Paralisante da Crítica”.
            Antes mesmo de entrarem em cena, alguns atuantes, literalmente congelam com o pavor de um possível julgamento contrário as suas aspirações, é como se o ato teatral fosse um crime digno de culpa ou absolvição. Absolutamente pueril e de certa forma irracional, tais comportamentos e sentimentos não são resolvidos num passe de mágica. Grande parte de nossas vidas na arte passamos criticando, as vezes ferozmente, as manifestações cênicas que consumimos. O efeito dessa prática recorrente, volta-se contra nós mesmos, então começamos a internalizar um certo pavor da não aceitação do nosso trabalho e, consequentemente, das nossas personas. A vontade de atuar, confunde-se, em um grande número de casos, com a necessidade de ser amado, essa necessidade, na cabeça do artista, significa ter a aprovação (de preferência verbalizada) da nem sempre justa classe teatral em primeiro lugar (alguns forçam a aprovação e se comprazem nela), dos parentes e amigos em segundo plano, estranhamente, em último lugar, do anônimo público pagante.
          Vítimas de vaidade aguda ou baixa estima crônica, no momento do comentário, indicativo do suposto fracasso, apontado por um “colega do teatro”, alguns pensam em desistir do ofício, outros passam anos sem executar nenhuma proposta mais relevante em virtude do terror da crítica e passam a vida murmurar a eminente desgraça pelo mundo afora.
          Existe remédio para este mau? Como livrar-se da doentia dependência do elogio dos colegas de ofício, em muitos casos, como sabemos, hipócrita? Qual a cura da esquizofrênica necessidade de “arrasar” e ser reverenciado no cenário teatral no qual habitamos? A pergunta para todas essas questões resume-se em única palavra: ESTUDO.
          Quando estudamos compreendemos que o universo do teatro é bem maior que uma confraria de comadres ou um poleiro de pavões. O ato de estudar nos qualifica a entender que qualquer perspectiva cênica, inclusive a nossa (as vezes enxergamos tudo, menos o nosso umbigo), é passível de sucessos e fracassos e que ambos, são temporários, aparentes e relativos. Compreendemos, ao aprofundar o conhecimento, que fundamentar aquilo que realizamos torna-se nosso escudo contra malfadadas críticas, proporcionando-nos maturidade para aceita-las e, até incorporá-las, ao nosso aperfeiçoamento quando construtivas (aliás elas também existem). O comprometimento com nossa arte passa, invariavelmente, pela condição permanente de aprendiz e por uma dose ilimitada de coragem.
          Portadores dessa valentia percorreremos nosso caminho, enfrentando derrotas, as vezes mais valiosas que vitórias, as duas, certamente transitórias. Caminhemos destemidamente, com um sorriso nos lábios como quem diz: “- A luz que plantei em mim inundou a minha arte e, esta fonte, jamais se extinguirá."

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes




Teresina- Piauhy

Agosto 2014