sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Atuar Verdadeiramente! Ato Único de Libertação!



Atuar Verdadeiramente!
Ato Único de Libertação!


“Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. 
A liberdade não é um fim, mas uma consequência. ”

(Leon Tolstoi)



                      A liberdade do ator deve ser total. Isso é um fato inquestionável para os que buscam a autenticidade.  Todavia, o que vem a ser essa tal liberdade? Como o atuante consegue ser completamente livre para criar o seu papel, abrindo-se de forma confiante para ele, ator-doando-se nele?

                      O que aprisiona os atores e atrizes são suas percepções passivas do papel, então eles acreditam cegamente que podem se esconder por trás de alguma tradição, ou o que é pior, revoltar-se contra as tradições, considerando-as como grilhões que devem ser rompidos. Afirmo, tanto uma quanto outra posição encarceram os artistas da cena em falsas convicções.

                      Então atores e atrizes continuarão perdidos, debatendo-se ou omitindo o problema fundamental da liberdade. Vociferando, ou silenciosamente magoados, os atuantes continuam vendendo muito barato o seu inalienável direito de serem livres. Pois nenhum encenador, minimamente capaz (a praça está repleta de incapazes), aliena o artista da sua automia criativa, se assim o faz, a justificativa sempre é a omissão ou ação equivocada dos mesmos.

                      Dirigi um artista que possuía muitos recursos criativos, no entanto, fui rechaçando uma a uma as soluções que ele me apresentava para construção da personagem, é necessário ressaltar que algumas dessas soluções eram realmente muito boas, porém, eu queria algo mais daquele ator, almejava o extraordinário, vaidade de um jovem diretor que se aventura a dirigir um atuante talentoso, ele não reclamava, tão pouco se rebelava silenciosamente, como o fazem os hipócritas, apenas, trabalhávamos os dois à espera do imponderável. Foram horas naquele frenesi da criação de uma categoria essencial para os homens e mulheres do teatro, a busca suprema da verdade, onde só os verdadeiramente livres ousam chegar. Naquele exato momento, quando o caos psicofisiológico e a exaustão buscam desesperadamente a ordem, o nosso ator balbuciou uma palavra: - MÃE! Até hoje não consigo dimensionar o que aconteceu naquele exercício de cruel libertação, o certo é que naquela ação de absoluto desnudamento, a sala de ensaios ficou minúscula para tanta vibração, e eu, um pobre e jovem diretor, tonteei e não pude dizer mais nada. O atuante tinha conseguido finalmente conquistar sua alforria. Depois desse fatídico dia, realizamos a apresentação combinada, e ele nunca mais atuou.

            Onde a mentira acaba e as verdades eternas do teatro fazem morada, ali reside a liberdade de atores e atrizes. Qualquer outro discurso tradicional ou contemporâneo, conservador ou vanguardista, serão perca de tempo. Teatro é para quem tem coragem e sabe, que destruir é muito fácil, mas construir é para os valentes da vida inteira.

Dedico este texto ao ator Carlos Betão, pois sabe escutar verdadeiramente em cena, uma das mais difíceis tarefas para um atuante.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Teresina – Estação da Seca

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobre a Memória, o Teatro e a Vida


Dedico este texto ao Centro Cultural da Barroquinha,
 local mágico, onde cometi este escrito por sobre as "ruínas da memória".



Sobre a Memória, o Teatro e a Vida

“Estas pedras se gastam com o tempo.
Vão lentamente se desgastando
e o tempo lhes sobra para as lembranças
que não conservam...”
H Dobal

            O conselho que os grandes mestres me deram é que quando o sentimento de insegurança invadisse a minha alma, eu deveria retornar as minhas origens, aos meus primeiros dias na arte.
            Como fazê-lo? Nestas “ruínas da memória” tudo parece entrecortado, as imagens vêm e vão, já não fazem mais tanto sentido, como naqueles momentos distantes. O mundo mudou, a cena não é mais a mesma e o homem em que me tornei não representa os anseios do passado.
             Lembro-me de um garoto vestido de papel celofane vermelho versejando “A Morte do Leiteiro”, auditório de escola lotado, deveria ser eu, talvez não fosse, tempos depois contemplei um casal de artistas representando a história de um sujeito que abandonando a mulher, alistava-se na Legião Estrangeira, e apaixonava-se por uma camela, recortes de um teatro ingênuo, hoje esquálido para mim.
             A primeira vez que fui a uma casa de espetáculos, dessas de cortinas vermelhas, refletores de verdade e palco de madeira, foi no desfigurado, mas ainda majestoso, Teatro 4 de Setembro, subi para o balcão no terceiro pavimento, não queria ser visto, temia que algo terrível pudesse acontecer, nada aconteceu, os atuantes vistos do terceiro piso pareciam anões, um deles imitava um cientista louco e em seguida uma leva de atores e atrizes gritavam palavras de ordem incitando a sublevação, tudo tão bonito dantes, hoje, apenas poeira de lembranças. 
              A cidade era Piripiri, sertão do Piauí, o ano não recordo, o adolescer ficara para traz, e a cena já fazia parte dos meus planos, porém, com frágeis convicções, quanto tempo perdido ou ganho em frágeis convicções? Acompanhava uma trupe teatral onde os artistas passaram boa parte do dia recolhendo galhos e flores, que comporiam um cenário improvisado, composto daquelas folhagens que certamente estariam murchas ao anoitecer. Contudo, naquela noite, veria uma coisa que impregnaria meu ser para sempre, o texto era as “Criadas” do genial Jean Genet, meu sentimento era que havia um profundo senso de ordem naquele incrível espetáculo, contrariando o caos da vida daquelas personagens. Ali, por entre flores murchas, vi três atores incendiarem a cena.
              Misteriosamente acabei trabalhando com aquele grupo por muitos anos, aprendi com eles, discordei, rompi com aquelas pessoas fantásticas, larguei o teatro, quando o grupo acabou, retornei ao ofício, fiz meu próprio caminho.
              Ainda me surpreendo, emocionado, com algumas  coisas que fiz e faço, muitas vezes não me reconheço nelas, são os enigmas desta prática mágica que é o teatro. Cometi mudanças existenciais radicais, magoei dilacerantemente pessoas, alegrei muitos com a minha arte, dei e destruí esperanças, o teatro é feito de coalizões e rupturas, amor e dor.
              Sempre lembro da humildade soberba dos grandes artistas que tive a honra de contemplar, aprecio o esgarçar do tempo me impregnando nos grandes trabalhos e, trago uma certeza; as luzes sempre se apagarão no final de tudo, nossos espectadores indiferentes, aborrecidos, enternecidos ou extasiados retornarão para uma vida que nós, gente de teatro, jamais reconheceremos como única.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Salvador – Bahia
2015