segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ateliê de Atuação (texto -1): Por Onde Começar? Pela Concentração de Suas Forças Criativas!





Ateliê de Atuação

- Corresponde a uma coletânea de textos sobre o trabalho do atuante, seus desafios, perspectivas metodológicas, proposições éticas, técnicas e filosóficas relacionadas aos princípios norteadores da produção do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes.


Por Onde Começar? Pela Concentração de Suas Forças Criativas!


            Os atuantes que trabalham no Coletivo Piauhy Estúdio das Artes são persuadidos da necessidade de desenvolverem um método de trabalho atorial. Sabem, também, que a exigência primeira, o princípio e fundamento dessa forma de trabalhar é a Concentração das Forças Criativas de quem atua.
           A palavra metodologia (arte de dirigir o espírito na investigação da verdade) tem sido negligenciada por atores, atrizes e performers reiteradamente. Representar ou performar, para muitos, depende única e exclusivamente de talento, ideias pré-concebidas ou da frágil perspectiva da inspiração. Grotowski afirmava, e eu concordo nesse ponto integralmente com ele que: “... o teatro tem certas leis objetivas e que a satisfação está vinculada a obediência dessas leis...” Essencialmente, uma é indispensável, podendo ser traduzida da seguinte forma: “Na ausência de uma concentração inabalável por parte do atuante é praticamente inviável um ato cênico autêntico e transformador (grifo meu)”.
         Apesar da obviedade de tal constatação, faz-se necessário, algumas elucidações sobre a questão:
1ª A Concentração das Forças Criativas não acontece de forma automática (como um dispositivo plug and play), trata-se de elemento processual de difícil “instalação” e aquisição.
        Infelizmente, esse recurso metodológico usado de forma consciente como princípio norteador da função de atuar e fundamento essencial do trabalho cênico, não se “instala” ao bel prazer dos atores, atrizes e performers, pelo contrário, acontece por saltos quantitativos e qualitativos de acordo com as características de cada indivíduo somados a complexidade das ações artísticas a serem realizadas. Conheço alguns atuantes que começam seu processo de concentração horas e, até mesmo dias, antes do ensaio ou apresentação. Cabe a cada artista descobrir suas necessidades, limitações e potenciais para o fortalecimento e efetividade de sua concentração.
2ª Para concentrarem-se criativamente os atuantes precisam desenvolver algumas atitudes, competências e habilidades, portanto, tal capacidade não nasce com o indivíduo, ela   pode e deve ser “treinada”.
       Podemos afirmar que no campo atitudinal a aceitação das condições objetivas e subjetivas ao desenvolvimento da criação é mesmo condição indispensável para sua realização. No entanto, tal atitude de aceitação, não pode ser subserviente, isso significa que devemos sempre lutar por melhores condições para realização do ato criativo. Porém, se reagirmos, intempestivamente, as inadequações recorrentes no nosso ofício, melhor seria, abandonar o fazer artístico, tendo em vista, essas condições quase sempre estarem longe do ideal. Portanto, o que afirmamos, é que se no momento exato do desenvolvimento do trabalho criacional, imprimirmos nuances de rebeldia infantil ou exacerbação de uma criticidade ingênua, tal atitude dificultará, ou tornará inexequível a instauração de sua concentração.
        Ser competente para concentrar-se significa, entre outras coisas, ter prazer em resolver problemas de forma criativa, saber dialogar com o tempo e espaço cênico, bem como, com os demais elementos da ação teatral ou performativa, para tanto, o atuante deverá possuir uma certa resistência a fadiga, domínio e aguçamento dos sentidos e uma mente racionalmente aberta a abstração. Além disso, buscará introjetar no seu bios-cênico habilidades interpretativas mais profundas capazes de subjetivação e ressignificação, bem como, imaginatividade e intuição afinadas, que o levem a corporificar, corretamente, a mensagem a ser (re)passada a equipe criativa (no momento dos ensaios e laboratórios) e aos espectadores na apresentação pública do produto cultural.
3ª Esse fundamento, acima de tudo, exige integração de todas as energias psicofísicas, sensoriais para sua consecução.
      Compreendemos que qualquer desequilíbrio corporal, psicológico, sensorial ou precariedade na compreensão das reações e intenções exigidas na execução do objeto cênico a ser construído, não se coadunam com processo de aquisição da Concentração das Forças Criativas. Explicitando, podemos afirmar, que problemas físicos (como má preparação ou doenças), emocionais, resistência ou má interpretação aos estímulos inerentes ao trabalho, descrença ou desconfiança naquilo que faz, baixa estima, meio ambiente inadequado, etc, podem dificultar e inviabilizar a aquisição desse fundamento. Como podemos ver o problema da Concentração das Forças Criativas é bem mais amplo do que parece e, como em tudo nas artes cênicas, não pode ser reduzido a superficialidade.  
         Alguns atuantes dificilmente alcançarão um nível satisfatório de concentração, em virtude das dificuldades na compreensão e implementação das nuances citadas anteriormente, dificuldades reforçadas por estruturas de caráter que também prejudicam este elemento tão complexo. Pessoas excessivamente inseguras ou vaidosas, estarão constantemente pré-ocupadas no que os circundantes estarão pensando sobre eles, dificilmente conseguirão, estados de atenção e objetividade satisfatórios. Elementos que nutrem de forma contumaz condutas reativas ou um racionalismo sectário em detrimento do medo de perder o controle que supõem ter sobre suas personas, terão muitos impasses na aquisição da concentração criativa. 
       Concentrar-se nas cênicas é um “abandonar-se” a um encontro mais profundo com um ser indivisível que nada mais esconde, isso exige humildade, generosidade   e uma enorme dose de coragem. Denominamos ator-doamento este momento, em que o artista através da integralização de todas as suas energias, consegue transcender a si próprio. Nestes instantes sublimes o atuante está pronto a constituir-se na própria arte da qual é oficiante. Todavia, isso tudo, ainda é apenas uma pequena parte do ofício de atuar. 
Adriano Abreu

Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)

Nenhum comentário:

Postar um comentário