sábado, 17 de maio de 2014

Fogo Fátuo - Teatro Consequente por Maneco Nascimento

Impressões do Ator, Radialista e Estudante de Jornalismo Maneco Nascimento sobre o Espetáculo "FOGO", apresentado no Teatro Estação dias 01,02 e 03 de Maio de 2014

Foto: Zé Orlando


O Coletivo Piauhy Estúdio das Artes realizou nova temporada de um dos seus + novos espetáculos. "Fogo" esteve em temporada nos dias 01, 02 e 03 de maio de 2014, às 20h, no Teatro Estação (Miguel Rosa), antiga estação ferroviária. 

Espetáculo que revisita a memória dos incêndios, em Teresina, na década de 1940, apontados como processo de higienização da cidade, afastamento de casas de palha do perímetro urbano e espelhar belepoquismo e modernização dos centros urbanos e capitais que precisavam acompanhar novos tempos.

O texto original, conto Fogo, registra crônica da cidade em um dos momentos + lamentáveis da história local. Esse mesmo tema também é foco de pesquisas que abrem suspeição sobre a polícia getulista e outros desmandos oficiais.


É romance e poema trágico. Sensibilidade histórica transversal se concretiza em Vítor Gonçalves Neto (Fogo); Fontes Ibiapina (Palha de Arroz); Francisco Alcides do Nascimento (A cidade sob o fogo - modernização e violência policial em Teresina[1937-1945]) e José Afonso de Araújo Lima (A cidade em chamas - poema trágico de um crime impune).

A dramaturgia de Adriano Abreu, adaptador do original para licença dramática, a partir da obra original de Vítor Gonçalves Neto, traz boas surpresas e estética apropriada na compreensão, estudo detido, pesquisa aquecida na boa tradição de teatro e na ruptura que revaloriza a cena local e abre margem a renovação da práxis teatral.

Mantém a porta aberta à chama viva da memória dos incêndios em Teresina e fogo fátuo da paixão ardente pelo teatro consequente.

Entre o mito, os arquétipos e inconsciente coletivo  e um misto de crenças, religião e sincretismo, a narrativa estética de dramaturgia estabelece dialogismo que apodera discurso de (des)crença e fé no Deus que parece abandonar os ofendidos pelo fogo.

A negação da fé é demonstrada no flagelo das imagens de santos protetores (Santo Antonio, São José, São Francisco das Chagas e São Jorge),  ou cambonas entre o céu e a terra dos penitentes.

O contexto se instaura nas vidas ribeirinhas, de razão social no bairro do cajueiro (atual barrocão/centro), e vizinhança do rio que abrigava as gentes simples, moradoras de casas de palha e sobreviventes do mundo de prostituição, miséria, paixões e amores perdidos ao destino determinista das castas inferiores.

O fogo cai sobre vidas simples feito "chuva flamejante" e define destinos feito falha trágica das tragédias originais clássicas e míticas.

Não à toa que o espetáculo começa com ladainha de clamor de proteção à Virgem Nossa Senhora, mãe dos aflitos e Madona das dores,  numa preparação ao que está por vir. Também visita a inquisição, intertextual com a religião medieval de pecha vaticana para caça à bruxa e, + distante ainda, pega referência no mito de Prometeu, aquele divino que, em amor aos mortais, entregou-lhes o fátuo fogo (conhecimento). O mesmo privilégio dos deuses seria, em novos contextos históricos e religiosos, poder de força e domínio de mortais sobre mortais.

História do conhecimento e humanidades confrontadas, no memorial das civilizações e civilidades, cultura de apreensão, povoam o conhecimento do Coletivo e reiteram a dramaturgia de criação e reativação do fogo de Prometeu. A dialética dramática intensifica o calor da ciência da cena e queima mortais na arte de fingir, enquanto repara memórias na mímesis da história.

Érica Smith, David Santos, Vítor Sampaio e Carlos Aguiar completam-se e queimam prazer em encenar arte e vigor cênico acertados. As partituras de intérpretes às personagens têm força de particularidades das construções afiliadas ao conjunto da obra pesquisada.

Corpos com linguísticas intrínsecas, de verdade de cena contundente. Érica Smith, por exemplo, alia economia e dramaticidade durante toda a narrativa e culmina desespero comovente quando sua personagem Lucinha perde a filha para as chamas. Os colegas de cena (David, Vítor e Carlos) protagonizam, cada um a seu tempo, sincronia compensada no fogo artístico.

A luz das lamparinas, candeeiros, velas, candelabros, lampiões, luzes e filamentos alumiam e intensificam assinatura de iluminação, afinada por Pablo Erickson, com requintado efeito de técnica e sensibilidade. A música incidental e sonoplastia, ao vivo, de Arnaldo Pacovan, não só alimentam toda a cena ardente, como abrem trânsito ao transe trágico que se nos pega na força dramática. Silmara Silva, opera os offs que abrem clareira de redenção e clareiam a hora do drama no pontapé de início do jogo teatral eficiente.

"Fogo", do Piauhy Estúdio das Artes, é "Chuva flamejante" que cai sobre a recepção e pontua verdades em mentiras cênicas com arte e cuidado do teatro praticado pelo Coletivo.

http://manekonascimento.blogspot.com.br/2014/05/fogo-fatuo.html

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