sábado, 16 de abril de 2016




O Reino da Bruta Deselegância

“O poeta não escapa a história,
inclusive quando a nega ou ignora...”
Octávio Paz (Signos em rotação, p.55)


           Costumo escrever sobre teatro, através dessa arte vejo a impotência dos humilhados, a gélida manipulação dos comandantes das fábricas da maldade, enxergo, sobretudo, o pavor da violência insólita das microscópicas atrocidades. Contemplo, nas entrelinhas, refinadas docilidades que a vida trás: o som alegre das asas de uma abelha, o gozo da gargalhada que só os bufões promovem, a suprema magia de uma bem tecida cena.

         Hoje, porém, nada tenho a declarar sobre a arte. A realidade que se impõe de forma grotesca sobre a nação, exige, uma visão cênica mais ampla que vai além dos limites do palco, uma carpintaria teatral mais complexa, como se o País fosse um tablado tosco, onde construímos a dramaturgia da intolerância, onde o desrespeito e a estupidez povoam a boca dos engravatados, mas também, do cidadão comum que se acredita politizado.

          Brasil dos parvos, que rosnam nos quatro cantos contra a ladroagem, esquecendo-se de suas pequenas e grandes corrupções. Terra de fanáticos e fanatizados, que desejam a morte dos filhos de Deus em virtude do livre direito de amar a quem melhor lhes aprouver. 
Nação onde a imprensa, a polícia, o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, o Governo, as empresas públicas e privadas e até o povo é visto com desprezo e desconfiança.

          Quem são os inimigos? Quem são nossos heróis? Alguém pode apontar com relativo grau de segurança essas categorias? O que mais nos assusta é a descortesia e brutalidade reinantes. Já não se constroem pontes dialógicas, não se pavimentam mais estradas para o futuro, cada qual que engula, e não vomite, as crenças, valores e certezas dos seus concidadãos. 

          O que restará após a tempestade? O ódio e a angústia erguerão alguma vida em plenitude?

          Através das sombras desse tempo, além das agremiações partidárias, igrejas, siglas, estéticas, ideologias e objeções, algum ouvido deve escutar uma palavra, um olhar subirá a ladeira da época rude, postando-se no ápice de alguma elegância. O vir a ser depende disso, apesar dessa tremenda e infame falta de comunicação, sempre sobrará um momento para sentirmos um breve e suave toque de mãos.

           Através desse concreto que se avoluma, em qualquer lugar desse imenso projeto de Nação, profetas sopram sementes no deserto.

Adriano Abreu


Um dia antes do Brasil descer a ladeira mais uma vez...

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