quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A Profunda Arte do Não Saber

          

A  Profunda Arte do Não Saber


“Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.”
Manoel de Barros



              Tinha  momentos que já não sabia por onde andar e a falta de imaginação pairava, como um bloco de concreto, sobre a minha cabeça. Os dias dentro das horas pareciam delicadas cirurgias no coração, todo tempo preferia não morar em mim mesmo, porém, uma parte da minh’alma sabia que sabia de tudo, apesar, da outra banda, pular cotidianamente de um arranha céu, posto que de nada sabia.

              Dirigi desta maneira o espetáculo “FOGO”, da mesma forma dirigi o “Exercício Sobre Medeia” e todas as demais coisas também foram realizadas da mesmíssima forma. Certa vez olhei estupefato a atuante, em estado de fúria, mandando porrada em todas as portas e janelas da sala de ensaio, deu-me uma vontade tremenda de dar um chutão, daqueles de tiro de meta, no seu e no meu orgulho ferido, nada fiz, ou se ainda me lembro, apenas atirei o texto no chão, rídiculo e impotente protesto, os palcos da verdade sempre encerram suas portas aos orgulhosos.

               A cada atraso, descompromisso ou negligência de um ator durante os processos de criação escorria dos meus dentes cerrados um palavrão que envenenava as minhas rotinas, envenenei-me, contudo, conduzi “meu carro e meu arado sobre os ossos dos mortos.” Tudo evoluia sempre e indissolutamente, porque é assim que um espetáculo autêntico é feito. Os não letrados na arte de construir mundos desconhecem, mas  a verdade é que a profissão teatral é em essência idiossincrática, ao longo da vida, nos teatros que inventamos, revelam-se gramáticas emocionais nos nossos espíritos, no meu, trago enraizada uma morfologia que não herdei de nenhum mestre, que fala mais ou menos assim: “- Nunca trate nenhum milímetro do seu trabalho teatral como coisa inútil. Se assim o fizeres, terá em mim, o diretor, um pistoleiro mortal a espreitá-lo nas veredas do seu descaso com a arte. Essa arte, filha do louco Dioniso, coisa mais especial que tudo para mim.” Perdi bons e valiosos amigos em virtude desta inegociável regra gramatical.

                Não existe maior sabedoria para um homem ou mulher de teatro do que saber acender ou apagar uma luz no momento certo, qualquer pessoa das cênicas que desconheça essa habilidade morrerá em vida, nessa “arte saguinária” que denominam teatral. Antes de entrarmos em cena pela primeira vez com o “FOGO” um dos atuantes começou a chorar porque o figurino não havia chegado, eu quase berrei no seu ouvido para que uma luz se acendesse: “- Não chore, nem fique triste, fique é com raiva.” Aquele foi um dia memorável para todos nós. Quem não deseja correr riscos não esta pronto para o teatro. Essa é uma verdade irretorquível.

              Apago a luz com um verso do “Caderno do Aprendiz” do poeta que conhece as grandezas do ínfimo: “Tenho o privilégio de não saber quase tudo./E isso explica/ O resto.”


Adriano Abreu (Diretor do Piauhy Estúdio das Artes)

Teresina - Agosto 2014

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