A Profunda Arte
do Não Saber
“Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.”
Manoel de Barros
Tinha momentos que já não sabia por onde andar e a
falta de imaginação pairava, como um bloco de concreto, sobre a minha cabeça.
Os dias dentro das horas pareciam delicadas cirurgias no coração, todo tempo
preferia não morar em mim mesmo, porém, uma parte da minh’alma sabia que sabia
de tudo, apesar, da outra banda, pular cotidianamente de um arranha céu, posto que
de nada sabia.
Dirigi desta maneira o espetáculo
“FOGO”, da mesma forma dirigi o “Exercício Sobre Medeia” e todas as demais
coisas também foram realizadas da mesmíssima forma. Certa vez olhei estupefato
a atuante, em estado de fúria, mandando porrada em todas as portas e janelas da
sala de ensaio, deu-me uma vontade tremenda de dar um chutão, daqueles de tiro
de meta, no seu e no meu orgulho ferido, nada fiz, ou se ainda me lembro,
apenas atirei o texto no chão, rídiculo e impotente protesto, os palcos da
verdade sempre encerram suas portas aos orgulhosos.
A cada atraso, descompromisso ou
negligência de um ator durante os processos de criação escorria dos meus dentes
cerrados um palavrão que envenenava as minhas rotinas, envenenei-me, contudo,
conduzi “meu carro e meu arado sobre os
ossos dos mortos.” Tudo evoluia sempre e indissolutamente, porque é assim
que um espetáculo autêntico é feito. Os não letrados na arte de construir
mundos desconhecem, mas a verdade é que
a profissão teatral é em essência idiossincrática, ao longo da vida, nos
teatros que inventamos, revelam-se gramáticas emocionais nos nossos espíritos,
no meu, trago enraizada uma morfologia que não herdei de nenhum mestre, que fala
mais ou menos assim: “- Nunca trate
nenhum milímetro do seu trabalho teatral como coisa inútil. Se assim o fizeres,
terá em mim, o diretor, um pistoleiro mortal a espreitá-lo nas veredas do seu
descaso com a arte. Essa arte, filha do louco Dioniso, coisa mais especial que
tudo para mim.” Perdi bons e valiosos amigos em virtude desta inegociável
regra gramatical.
Não existe maior sabedoria para um homem ou
mulher de teatro do que saber acender ou apagar uma luz no momento certo,
qualquer pessoa das cênicas que desconheça essa habilidade morrerá em vida, nessa
“arte saguinária” que denominam
teatral. Antes de entrarmos em cena pela primeira vez com o “FOGO” um dos
atuantes começou a chorar porque o figurino não havia chegado, eu quase berrei
no seu ouvido para que uma luz se acendesse: “- Não chore, nem fique triste, fique é com raiva.” Aquele foi um
dia memorável para todos nós. Quem não deseja correr riscos não esta pronto
para o teatro. Essa é uma verdade irretorquível.
Apago a luz com um verso do “Caderno do Aprendiz” do poeta que
conhece as grandezas do ínfimo: “Tenho o
privilégio de não saber quase tudo./E isso explica/ O resto.”
Adriano Abreu
(Diretor do Piauhy Estúdio das Artes)
Teresina - Agosto
2014
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