domingo, 25 de agosto de 2013





             Teatro Não É Questão de Gosto!
           (Esterilidades, imprecisões e superficialidades)


              Assisti o espetáculo “Mãe In Loco” do grupo amazonense “Cacos de Teatro”,  segundo o coletivo um trabalho teatral livremente inspirado na obra “Mãe Coragem e Seus Filhos” escrita em 1939 pelo teatrólogo, dramaturgo e diretor alemão  Berthold Friedrich Brecht.  Para inicio de conversa, considero o produto cultural em questão, um trabalho ligado a uma vertente das artes cênicas denominada “Performance Art”. A diversidade das manifestações cênicas na contemporaneidade justifica a colocação de “Mãe In Loco” pelo importante projeto Sesc Amazônia das Artes na categoria teatro. As coisas são o que são independentemente dos rótulos que possuem. Porém, esse não é o único  foco deste artigo.
                O problema foram as discussões travadas entre membros do “Cacos de Teatro” e espectadores, no que deveria ser, apenas um bate papo, ao final da apresentação. Diálogos eivados por uma atmosfera estéril, recheada de superficialidades, equívocos e imprecisões de parte a parte. Vamos aos fatos e possíveis elucidações:
              O diretor do trabalho e um ator participante esclareceram que o apresentado ilustra a pesquisa do grupo, onde os membros revezam-se na direção de solos dos outros membros, onde o foco das investigações do coletivo seria o comportamento do atuante em situações de risco, bem como, as relações cênicas estabelecidas com o espaço, no caso uma piscina de lona plástica azul com quatrocentos quilos de gelo triturado (representando a inóspita Antártida). O mote para as ações seria o texto mencionado de Brecht. Até então tudo aceitável.
               Abrindo a fase de questionamentos e observações o primeiro interlocutor perguntou sobre a intertextualidade do espetáculo, com a peça do organizador do Berliner Ensemble. Então, começaram as imprecisões. O diretor relatou brevemente o roteiro do texto “Mãe Coragem e Seus Filhos” e afirmou que  o  segundo intérprete em cena era o responsável pelo efeito de “distanciamento” e que o épico estava nas ações da atuante. Declarou que o espetáculo já tinha realizado incursões pelo exterior, modificando-se ou não, ao sabor das impressões e sensações do público, a quem o grupo sempre ouvia de bom grado.
                Definitivamente, com todo respeito aos colegas do “Cacos”, o segundo atuante em nenhum momento sinalizou o “distanciamento” citado. “Distanciamento” ou “estranhamento” (verfremdusgseffect) como Brecht definiu é: “... uma técnica que permite retratar acontecimentos humanos e sociais, de maneira a serem considerados insólitos, necessitando de explicação, e não tidos como gratuitos ou meramente naturais. A finalidade deste efeito é fornecer ao espectador, situado de um ponto de vista social, a possibilidade de uma crítica construtiva.”(ver Teatro Dialético) . No contexto do espetáculo não foi possível identificar tal efeito. Nas obras cênicas com as características da apresentada não caberiam os termos “distanciamento” ou “teatro épico”. A intertextualidade residiu apenas no leitmotiv do espetáculo.
                  A partir desse momento do “bate papo”, tomando emprestado uma expressão  Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que Assola o País) instalou-se no belíssimo Teatro do Boi. Um espectador,  atabalhoadamente,  vociferou  uma série de críticas ao produto cultural apresentado e resumiu seu descontentamento com um sonoro: “- Não Gostei!” O coletivo que acabara de afirmar  que escutava a platéia com real interesse e serenidade, revelou-se descontente com o comentário, reagindo com indisfarçável indignação e o típico sorrisinho defensivo e ranhento, lido nas entrelinhas, como o salmo dos artistas incompreendidos: “-Hó meu Deus perdoai! Ele não sabe o que diz...”  
                 Um cidadão partiu para defesa do grupo, relatou que tinha feito  um exercício de Viola Spolim, trabalhando a relação com o espaço cênico, concluía: “ Teatro  não é mesmo para as pessoas gostarem; é para provocar.”  O coletivo adorou a defesa extemporânea do rapaz. Outro espectador procurou contemporizar os ânimos, parabenizou o “Cacos de Teatro”, disse compreender os prós e contras. Considerava o trabalho uma “coisa híbrida”, todavia, entendia as razões do sujeito que não gostou , por que o trabalho não “possuía emoção”. Declarou sua percepção de “alguma coisa de teatro físico”, elogiou a atuação da atriz que “criou uma mãe do seu íntimo, ora jovem, ora velha”. O  descontente continuou irascível: “- Não gostei, não me convenceu”, e outros comentários dispensáveis de relato.  O interlocutor que buscou harmonizar partes partiu com microfone em punho para o proscênio na tentativa vã de explicar o inexplicável para o reclamante. Finalmente, tudo acabou como começou,  uma tremenda gelada.
                   Poderíamos acabar por aqui, todavia, tentaremos alavancar algumas questões relevantes. Nas artes como na vida aprendemos sempre, nas luzes, mas também, nas sombras:
1.       As manifestações para teatrais (happenings, performances, work-in-progress e demais estrangeirismos das cênicas) despontaram, principalmente, na  Europa e nos EUA pós segunda guerra.  Atualmente essas manifestações encontram-se em um certo declínio nesses lugares, dando lugar a outras visões. Porém, florescem  nos países ditos em desenvolvimento, são “vendidas” aos incautos como “ultra-pós-contemporâneas”, o antigo é vendido como  novidade à multidões de artistas prontos a embarcar em qualquer nau de bobagens a busca dos cantos de sereias das falsas novidades desde que possuam o brasão do pomposo nome CONTEMPORÂNEO. Para tais representações cênicas o que valeria, segundo seus defensores, seria um estado de fruição, ou seja, não faz-se necessário a compreensão literal, objetiva, crítica, ou mesmo o encantamento estético pelo espectador, mas sim o deixar-se atravessar pela subjetividade do proposto pelos artistas. A premissa seria o sentir (como se fosse possível não sentir), esse é o caso dessas “modalidades” cênicas, esse é o caso de “Mãe In Loco”. Aparentemente nem o coletivo “Cacos de Teatro” nem o público presente encararam desta forma.
2.       Improvável estabelecer qualquer relação possível entre as perspectivas da sistematizadora dos Jogos Teatrais (Viola Spolin) que são exercícios de improvisação para atores (geralmente usados para  iniciantes) e o trabalho apresentado. Mais difícil ainda é compreender o paralelo traçado pelo interlocutor e a afirmação: “ Teatro  não é mesmo para as pessoas gostarem; é para provocar.” Não pretendo sair da eterna posição de aprendiz, onde estou por opção, mas permita lhe dizer, com franqueza afetuosa, meu entusiasta artista, sua colocação é ingênua, anacrônica e necessita de reestruturação. Sem pretensão de impor-lhe nenhum paradigma , gostaria de lhe propor a seguinte reflexão (caso leia algum dia este modesto texto). Concordo, não devemos “paparicar” o espectador com belas mentiras, nosso compromisso é com a verdade. Mas ninguém (de posse de suas faculdades mentais) sai de casa e dirige-se a uma sala de espetáculos para ser “provocado”, ou pior, para detestar uma apresentação.  Manfred Wekwerth (também diretor do Berliner Ensemble) afirma, e eu sou obrigado a concordar, “... a verdade no palco só será verdade se aparecer aliada a sua irmã a beleza.”  Creia meu caro, reside no público a esperança no alumbramento, mesmo no horror. O espectador é parte da cerimônia do espetáculo, tem direito a um produto cultural acabado, e jamais, deve ser ignorado, vilipendiado com arrogância e estupidez pelo artista cultuador de um mundo doente. Relembrando Brecht (Pequeno Organom Para o Teatro): “É preciso lembrar mais uma vez que a tarefa do ator é divertir os filhos da era científica, os espectadores, com sentimento e alegria. Precisamos repetir isso frequentemente para nós mesmos[...] Nada do que fazemos representa um esforço a alegria e para justificarmos os nossos atos não invocamos o prazer que tivemos, mas sim, o suor que nos custou.”  
3.       As colocações do cidadão que afirmou que  “Mãe In Loco” era uma “coisa híbrida(difícil imaginar tal coisa)” , estão maculadas pela imprecisão, equívoco e contradição.  Com a designação “híbrida” o espectador, talvez, quis frisar o caráter performático da proposta, junção de elementos inusitados na execução do trabalho (piscina de gelo, barulho de xícaras, atmosfera e interpretações surreais), ainda assim a infeliz assertiva, não explicaria a obra. As cênicas (teatro, dança, circo, performance, etc) não são manifestações “puras” e já utilizam linguagens de outras manifestações correntemente.  Dizer que tal manifestação cênica é “híbrida” tornar-se redundante e  carece de aprofundamento.
A “experiência” sensorial da atuante com o gelo não possui referência alguma com o “teatro físico”,  apesar desse conceito ter diferentes interpretações,  contudo: “A definição mais comum, onde todos concordam, é de um trabalho que coloca a fisicalidade do artista cênico em primeiro plano no resultado estético final de uma performance. (Victor de Seixas, Revista on line Mimus de Mímica e Teatro Físico).” O que não foi notado em “Mãe In Loco”. Por fim, a afirmação do espectador  que o espetáculo não trabalhava a emoção e sua posterior afirmação de que a atuante   “criou uma mãe do seu íntimo, ora jovem, ora velha”  é, no mínimo, contraditória.
                    Necessário e urgente repensar o “Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense”  diferentemente das bases grosseiras do “gostei ou não gostei”, satisfiz ou não minha subjetividade e crenças estéticas: “Todos os juízos de gostos são singulares”. (Kant), tão pouco sobre os alicerces da imprecisão, falta de fundamentação e “achismos”, comuns  no percurso da curta formação da nossa arte. Igualmente nociva uma visão academicista, vazia e ideofrênica não ainda em voga no Piauí, mas comum em outros centros. Fundamental lembrar  a advertência do pensador George Lukács: “Uma arte que seja por definição sem eco incompreensível para os outros – uma arte  que tenha caráter de puro monólogo – só seria possível num asilo de loucos[...] A necessidade de repercussão, tanto do ponto de vista da forma, quanto do conteúdo, é a característica inseparável, o traço essencial de toda obra de arte autêntica em todos os tempos”. Por citar o essencial, apesar dos “gostares”, essencialidade pura, para nós gente de teatro, e o que não existiu naquele 18 de agosto no Teatro do Boi, foi um pouco de sabedoria e um pouco de bom senso.

Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes




sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Por Que Faço Teatro? A Importância do Teatro Que Faço?




Por Que Faço Teatro? A Importância do Teatro Que Faço?

“Confia ao Senhor as tuas obras,
e os teus desígnios estão estabelecidos”
Provérbios 16; 3

                Fui desafiado por meu filho a escrever sobre essas duas questões, não duelo mais, paradoxalmente jamais me furto aos desafios.
               O teatro que faço é revolucionário, eu preciso dessa trincheira para não perecer como revolucionário que sou. A cidade necessita de guerreiros, a apatia tomou conta das calçadas, os gabinetes estão infestados de baratas e cupins. Sou poeta, a cena foi à forma escolhida para materializar a poesia que habita em mim. Essa arte, na sacada da minha vida, como um pássaro, fez seu ninho, protegeu-me dos temporais que arrastaram muitos dos meus irmãos para os córregos de uma vida sem sentido.
               O teatro que faço é cheio de força, inteligência, sensualidade, uma onda assoprada por vendavais de imaginação, disciplina e amor. Invade a nossa aldeia para quem se habilitar a enxergar alguns homens e mulheres abarrotados de vida, impregnados de uma verdade pulsante, corações loucos de paixão, humildade e servidão a esse povo que olha o futuro com medo e desconfiança de algo inevitável, terrível, se aproximando não se sabe donde. Os atores e atrizes gritam: “O Piauhy venceu a morte com o gesto e as palavras que cantamos, curem-se todos, sintam o cheiro da esperança nos nossos suores, vejam o fogo santo nos nossos olhos, toquem nossos espíritos sem temores, as chagas da cidade fecharão se os cidadãos resistirem à hipocrisia dos senhores mortos.”
                O teatro que faço nunca saiu de perto dos rios que matam a sede da nossa tribo, não estava pronto, hoje as forças sublimes do universo pretendem que eu e meus companheiros saiámos da chapada para dançar no mundo, feito andarilhos, estamos prontos.
                A importância do teatro que faço? Nenhuma e toda a essência do mundo, hoje sei, meu amado filho e irmão, todos os sofrimentos foram, são e serão dádivas para a plantação das dores e flores da vida e da eternidade que construiremos juntos.

Adriano Abreu

Presidente do Piauhy estúdio das Artes