terça-feira, 3 de maio de 2011

Série Estudos: O ritual no teatro de Grotowski (Por Herê Aquino).

cartaz de um dos espetáculos
de
Grotowski

TEATRO E RITUAL

“A essência do teatro que procuramos é pulsar, movimento e ritmo”- J.Grotowski

Por Herê Aquino

Grotowski nos diz que se tivesse que definir suas pesquisas cênicas com uma frase, diria: Brincamos de Shiva, se referindo ao mito da dança de Shiva, o Dançarino Cósmico, o criador dos opostos nos contos mitológicos indianos, aquele que dança a totalidade e que, dançando, “gera tudo o que é e tudo que é destruirá”.

Nessa declaração Grotowski, nada mais quer, que mergulhar na realidade em todos os seus aspectos, na multiplicidade de suas aparências e ao mesmo tempo conservar-se como de fora, a distância extrema na tentativa de apreender a dança das formas, o pulsar das formas para chegar ao que é essencialmente teatral.

Mas o que é essencialmente teatral, ou o que é aquele fator único que decide o fato de algo ser teatral? O que permaneceria se eliminássemos do teatro o que não é teatro? Qual elemento que não poderia ser retomado por qualquer outro gênero artístico?
Para Grotowski essas perguntas o levariam ao cerne da questão em relação a reconstrução no teatro do jogo ritual a partir de elementos que restituíssem o seu princípio vital, objetivo principal de sua pesquisa.

Como os ritos primitivos tinham dado vida ao teatro, Grotowski acreditou, inicialmente, que esse princípio vital estaria unicamente na espontaneidade do teatro original, ou seja, “por meio do retorno ao ritual – em que participam como duas partes, os atores, isto é, os corifeus, e os espectadores, isto é, justamente os participantes – fosse possível reencontrar aquele cerimonial da participação direta, viva, uma reciprocidade peculiar (fenômeno um tanto raro nos nossos tempos), a reação imediata, aberta, liberada e autêntica.” Ou seja, através da co-participação, conseqüentemente chegaríamos ao fenômeno teatral vivo.

Nesse período as discussões também giravam em torno do que seria “arte”, que acabaram por definir como sendo algo artificial, porque construída e lapidada quando na criação de sua forma e, conseqüentemente, que tudo que era natural e orgânico não poderia ser artístico. Ao se aprofundar em suas pesquisas apreende o que, finalmente, acreditou ser o cerne desse teatro: a arte do ator.

A respeito dessa busca por esse teatro ritualístico advindo do trabalho do ator Grotowski nos fala: “Quando analiso atualmente aquele famoso ritual primitivo, o ritual dos selvagens, o que contém? Para o europeu que observa à parte, trata-se da espontaneidade, mas para o participante autêntico existe uma liturgia muito precisa, isto é, existe uma ordem original, uma certa linha preparada a priori, destilada pelas experiências coletivas, toda aquela ordem que se toma a base; e em torno dessa liturgia se entre cruzam justamente as variações; portanto é preparado a priori e ao mesmo tempo é espontâneo. Só quando a coisa está preparada se pode evitar o caos. Assim então se se quer traçar uma certa linha do comportamento humano que possa servir ao ator como uma espécie de pista de decolagem, como a chamava Stanislávski, é preciso possuir os “morfemas” dessa partitura, assim como as notas são os morfemas de uma partitura musical.” Portanto, o que Grotowski considera morfema são os impulsos que transbordam do interior do corpo para encontrar o exterior, não é o gesto em si, este é somente o seu acabamento, o ponto final, mas a estrutura das articulações dos impulsos que fluem da vida.

Os elementos que compõem o que chamamos ritual no teatro, ou seja, a co-participação, a espontaneidade, o mito, etc se configuram como fundamentais nessa busca pela vida pulsante no teatro, mas a função do teatro como jogo “ritual” é evidentemente diferente dos estereótipos que estão em nossa cabeças sobre ritual . “O ritual na religião é uma espécie de magia, o ritual no teatro, uma espécie de jogo. A questão é renovar o ritual, o ritual teatral, não religioso, mas humano: através do ato, não através da fé.”

Como disse Grotowski: Se o ato tem lugar, então o ator, isto é o ser humano, ultrapassa o estado de incompletude ao qual nós mesmos nos condenamos na vida cotidiana. Esmorece então a divisão entre pensamento e sentimento, entre corpo e alma, entre consciente e inconsciente, entre ver e instinto, entre sexo e cérebro; o ator que fez isso alcança a inteireza.


Herê Aquino
Diretora, pesquisadora e professora de teatro. 
Formada em "Direção Teatral"
 pelo Colégio de Direção Teatral
 do Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura.

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