terça-feira, 29 de março de 2011

O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação




O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação





    Sempre fui um espectador desconfiado da dança, em parte admiro a plasticidade promovida pelos atores-bailarinos, mas, meu olhar, penetra fundo e busca uma “alma”, infelizmente, muitas vezes, não a encontro em boa parcela das representações coreográficas, como também, dificilmente encontro no teatro esse espírito. Todavia, no teatro, essa ausência me incomoda menos que na dança, geralmente, o teatro inorgânico também não possui plasticidade. Então é só tentar relaxar e esperar a peça acabar.
        Paradoxalmente, apaixonei-me pelo teatro que busco cinestesicamente, aconteceu com o espetáculo “As criadas”, texto de Gean Genet, dirigido por Laurent Matallia. Três magníficos atores: Chiquinho Pereira, Fernando Freitas e o próprio Diretor ao montarem sua versão das “Criadas” fizeram, literalmente, um balé. Os três cheios da vida daqueles espíritos humanos bailaram em cena. Não lembro praticamente nada do texto falado, mas, emociono-me até hoje quando rememoro a movimentação daquele ótimo espetáculo.
        Como Diretor de Teatro, daquele dia em diante, estava condenado a buscar “O Corpo Vivo que Não Mente em Situação de Representação”. Confesso que aprendi com o mestre Matallia aquela maneira tão particular de trabalhar a cena (aquela “dança”), tenho tentado aperfeiçoá-la submetendo-a aos interesses dos espetáculos e atores que dirigi e, é claro, aos meus próprios interesses, contudo, aquela alma da personagem Solange (contida na interpretação do Chiquinho Pereira), a Clara (executada pelo Fernando) e a Madame feita pelo Laurent, só em alguns atores (izes) que percorreram comigo as improváveis trilhas dos que fazem teatro no Piauí-Brasil, consegui imprimir.
      Na sede do Balé de Teresina trabalhávamos corpo e movimento com a competente bailarina e coreógrafa Luzia Amélia e após horas acumuladas de trabalho criativo intenso, alguns atores conseguiram plasmar em seus corpos o “Corpo em Vida”. Extraordinária sensação ver seres absolutamente indivisíveis em situação de representação. Todas as suas energias psicofísicas e espirituais ator-doadas no ato criativo. Um estado de arte superior.
       Esses momentos são raros e desejados por todos os artistas: famosos e anônimos, talentosos e medíocres, todos querem, poucos pagam o preço, que não é barato. Nesses momentos de consagração, o artista oferece seu corpo, mente e espírito em sacrifício ao seu ideal mais puro sem egoísmo, hipocrisia, preguiça ou vaidade. Quando isso acontece o trabalho do Diretor(a) do Coreógrafo(a) atinge sua plenitude, sua realização e, ao mesmo tempo, perde o sentido, o artista é a própria arte.
       Tal “glorificação” só é alcançada através de uma busca dolorosa, onde a bioenergia do ator-bailarino deve entrar em equilíbrio com o seu ser “espiritual-criativo”. O resultado sempre é a “revelação” de uma grande verdade humana.
        O espectador quando tem a sensibilidade e a sorte de presenciar um desses momentos sente-se maravilhado, mas também, na beira de um precipício. Para quem vê e faz é uma sensação indescritível. Lembro-me, com a felicidade de quem guarda um segredo, de cada um desses momentos que grandes artistas me proporcionaram, algumas vezes em espetáculos de teatro e dança e muitas vezes em ensaios e laboratórios cênicos.
      Naquele dia provei novamente desse sabor. Algo mais ficou gravado nos meus arquivos de Diretor de Teatro, além da ação orgânica dos atores, foi uma declaração contundente da nossa consultora Luzia Amélia, durante a avaliação do trabalho, momento crítico onde muitos irão para casa com a sensação de dever cumprido, outros com a impressão que a vitória escapou-lhe das mãos por sua própria ausência. A diretora do Balé de Teresina declarou: “O corpo não mente”. Ao que eu humildemente acrescentaria: “O corpo, a mente e o espírito do verdadeiro artista não metem”. Quando o ator-doa é cumprida a promessa que um dia a arte soprou repetidamente aos seus ouvidos: “ Eu sou a única vingança humana contra a morte... Eu sou a única vingança humana contra a morte... Eu sou a única vingança humana contra a morte...”


Adriano Abreu
Diretor do Piauhy Estúdio das Artes.



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