segunda-feira, 24 de novembro de 2014

"Pausa" nos Diálogos de Pedagogia Teatral para "Croniquinha do Silêncio Nosso de Cada Dia"


Croniquinha do Silêncio Nosso de Cada Dia

                           Silenciar em nome da necessária “Convivência Harmoniosa”, pois como sabemos, toda ética implica em renúncia. Então renuncio e falo nas entrelinhas.

              Seria maravilhoso se não fôssemos obrigados a vivenciar, cotidianamente, situações de escandalosa irracionalidade no universo da arte: ilicitudes, tendenciosíssimos, invejas não sublimadas, hipocrisia, presunção, irresponsabilidade, descortesia, falta de caráter e, a sempre presente, avidez pelo poder, dinheiro e reconhecimento sem mérito. Por que essa estúpida necessidade de autoextermínio que alguns indivíduos pertencentes ao mundo artístico nutrem?

            Steve Jobs falou certa feita, infelizmente, no agora sou obrigado a concordar com ele que; “quanto mais o mundo exterior tenta nos impor uma imagem nossa, mais difícil é continuarmos a ser artista. É por isso que muitas vezes os artistas têm de dizer: ‘- Adeus, tenho de ir. Estou ficando insano com isso e vou sair daqui.’ E depois ir hibernar para qualquer lado. Talvez mais tarde, voltemos a emergir de uma maneira um pouco diferente.” Por enquanto permaneço neste espaço e tempo, refletindo e trabalhando silenciosamente, porém, meus olhos continuam sempre abertos e o meu espírito sente todas as sórdidas nuances dessa infausta realidade.

Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Novembro de 2014

sábado, 15 de novembro de 2014

3º Diálogo de Pedagogia Teatral - O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica



Diálogos de Pedagogia Teatral
- No Terceiro Diálogo analisamos o ofício do Diretor Teatral sobre duas perspectivas: pedagogo-diretor e diretor-como-criador, técnico e artista, empenhado em uma relação dialógica com todos os componentes do ato cênico nos processos de construção de produtos teatrais, bem como, na coordenação e formação continuada de equipes criativas, utilizando como referenciais o nosso trabalho à frente do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes e o microcosmo Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense.
3º Diálogo
O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica
 “A minha convicção agora é muito sólida.
Por algum tempo eu não fui assim.”
Johann Pestalozzi

           No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, a principal tarefa do diretor (ou encenador como queiram), em suas interfaces, como pedagogo e criador, é suscitar, propor e coordenar dialogicamente, os artistas envolvidos no ofício de criar, num permanente encontro com estéticas, dúvidas, perplexidades e visões, estimulando, nesses agentes Estados Criadores. Antes de qualquer polêmica inútil gostaria de esclarecer que não enxergo diferença ontológica entre os termos diretor e encenador, em detrimento disso, usarei os dois indiscriminadamente, realizando este devido esclarecimento, não ferirei suscetibilidades. Outro ponto digno de nota é a questão do pedagogo-diretor e do diretor-como-criador, denominações que utilizo neste colóquio com intenções meramente didáticas, já que essas duas funções são indissociáveis, realizadas pelo mesmo sujeito, na multiplicidade dos processos cênicos.

        Célestin Freinet, educador francês, declara que é preciso semear nos indivíduos, dentro dos grupos de trabalho, a essa vontade da criação: “(...) Se os ATUANTES (grifo meu) não tem sede de conhecimentos, nem qualquer apetite pelo trabalho que você lhes apresenta, também será trabalho perdido enfiar-lhes nos ouvidos as demonstrações mais eloquentes. Seria como falar com surdos. Você pode elogiar, prometer ou bater... Os cavalos não estão com sede!”, ou seja, a equipe criativa e, os entes que a compõem, ainda não se encontram prontos, a qualquer ato artístico autentico, entre outras palavras, o Estado Criador não se instalou no ato teatral.

         A expressão COLETIVO, ultrapassada para alguns cultuadores do individualismo hedonista, impõe-se cada vez mais viva no teatro que vislumbramos. Nossa visão pedagógica e artística de encenador, preconiza, que processos criacionais e formativos vigorosos, desenvolvam-se com maior integridade, dentro das equipes onde as individualidades (não individualismos) conseguem, de maneira coordenada e com profundo senso de compartilhamento (caracterizando a dialogicidade), construir atos cênicos valorativamente significantes.
   
            Cabe ao diretor qualificar o agrupamento para realização das tarefas propostas, conhecendo as necessidades peculiares daquilo que escolheu como profissão, sem jamais tornar-se escravo de uma estúpida vaidade (dele ou de seus dirigidos, ou quem saiba de ambos), como o fazem, os diretores ideofrênicos (ver 1º Diálogo), acreditando-se iluminados, perfeitos e incorrigíveis.  Partindo da nossa investigação pessoal, podemos afirmar, com razoável segurança, a existência de determinados princípios essenciais que fundamentam o metier do diretor teatral, entre eles, gostaria de frisar: aceitação crítica das condições materiais e humanas colocadas à sua disposição na consecução da obra de arte, somados a um esforço continuo e gradual para transformação dessas condições. Compromisso moral e intelectual com a mensagem que deve ser re-passada a sociedade de forma corporificada pelo conjunto dos produtos culturais criados coletivamente.  Doação ilimitada (e amorosa) ao oficio de construir fenômenos teatrais de qualidade. Aguçamento sensório-cognitivo, emocional e espiritual, relativos a todos os aspectos que interferirão, positiva ou negativamente, durante a construção de espetáculos, como também, na condução dos grupos em situação de formação continuada. Solidez estética, técnica e conceitual nas propostas e projetos que realiza. Capacidade de liderar equipes criativas de forma democrática, mas não licenciosa, isso significa, uma enorme habilidade e autoridade na mediação dos conflitos, que acontecerão inevitavelmente, na condução dos trabalhos. O encenador alemão Manfred Werwerth resumiria boa parte do exposto sentenciando, que o diretor seria ao mesmo tempo um artista e técnico, “... em vias de afirmar o que talvez constitua sua mais profunda vocação: ser um educador popular”, para nós, um pedagogo-diretor.

         Hamartía é um conceito grego que significa erro de julgamento ou erro por ignorância. Nas tragédias gregas, uma forma comum de hamartía, era também o pecado contra a hybris (aquele orgulho ou excesso de autoconfiança que conduz os indivíduos a desobedecer os avisos divinos ou a violar qualquer importante lei). A hybris conduz à queda inevitável como punição pelo excesso de vaidade do herói. O diretor-como-criador, uma interface não menos importante que a do pedagogo-diretor, tendo em vista, comporem a unidade indivisível, deve possuir uma frieza cartesiana na execução de suas invenções, ou seja, deve duvidar, metodicamente, da eficácia das suas soluções estéticas e conceituais, para não ser punido por desconsiderar a hybris. Único detentor da tradução exata da linguagem empregada pela equipe criativa no espetáculo, o diretor tornou-se, em muitos casos, a prima-dona do teatro. Guindado historicamente a condição de figura mítica do fenômeno teatral, o que o tornou, em muitos momentos, vítima da sua própria condição, evadindo-se da realidade, diante dessa constatação, como nos ensinava Eurípedes: “- Aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco.” Embevecer-se com a própria criação ou com seu suposto status quo, para nós encenadores é, incontestavelmente, um ato de loucura. Neste caso, como antidoto para essa doença infantil da profissão, prescrevemos relações dialógicas a serem estabelecidas, pelo diretor-como-criador, de honesta e incondicional humildade com sua própria criação e, consigo mesmo em relação ao universo do teatro, pois será ele que pagará, até o ultimo seitil, pelas suas falhas trágicas.

         Métodos pétreos e regras inflexíveis são pouco eficazes para quem deseja enveredar pelo ofício de encenador que respeita os princípios essenciais da dialogicidade. Isso não significa, em nenhuma hipótese, a falta de método. Conheço diretores que conseguem conceber trabalhos relevantes partindo de intuições e pura criatividade, no entanto, os grandes ícones da direção, sentem a necessidade, na constituição de metodologias como arcabouços teórico-práticos que os auxiliam, mas não os acorrentam, na invenção dos seus teatros. No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes os nossos esforços, como diretor do grupo, estão voltados para duas frentes de atuação:

1ª A criação compartilhada de produtos cênicos que contribuam efetivamente para evolução do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense em todos os seus matizes, sem esquecer, naturalmente, a necessidade da convivência das nossas obras com o conjunto dos espectadores e tradições do Teatro Brasileiro. Isso implica, a necessidade de estabelecer, relações dialógicas com os grandes pedagogos-diretores de todos os tempos, do Brasil e do exterior, bem como, aprofundar estudos e pesquisas, sistematicamente, sobre a produção teatral e cultural mundial, principalmente, a realizada no século XX e início do século XXI.

2ª Dedicação a “Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude” (ver 2º Diálogo de Pedagogia Teatral), observando, as necessidades individuais de cada um deles, integrando-os as visões teórico-prática que passam a fundamentar a vida do Coletivo.

      Essas duas frentes, que denomino de Movimentos de Ação Dialógica, sendo a 1ª com o mundo sociocultural que envolve as artes cênicas e a 2ª relacionada a formação dos atuantes (isso inclui outros artistas e técnicos como músicos, maquiador, iluminador, etc), constituem, o que podemos chamar de metodologia, que não é um fim em si mesmo, mas uma possibilidade de compreender, agir e modificar realidades. Portanto, conhecer, socializar, organizar, implementar e codificar conhecimentos, práticas e atitudes, apesar de ser tarefa de todos os indivíduos da equipe, é obrigação do Diretor que incorpora a ação dialógica como práxis.

      Uma forma elucidativa na conclusão desse 3º Dialogo, é a contribuição milionária do poeta Manoel de Barros, que nos ensinou a importância das grandezas do ínfimo e, em seu magnifico poema “Uma didática da invenção”, onde nos dá, quase sem pretender, uma aula perfeita de direção, a qual reproduzo alguns fragmentos:

“Uma didática da invenção” (fragmentos)
I
“Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
II
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.
III
Repetir repetir — até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo (...)
(...) VII
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio. (...)

      “Apalpar as intimidades do mundo” é a síntese, exata e perfeita, do que é assumir com maestria o sacerdócio da Direção Teatral e, o presente verso, descredencia este ou qualquer outro ensaio sobre o tema.
                                                                Adriano Abreu

Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Estação da Seca

sábado, 1 de novembro de 2014

2º Diálogo A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude



2º Diálogo
A Formação do Atuante Numa Perspectiva de Completude
“O problema que tenho que resolver, portanto, é este:
pôr em harmonia os elementos de qualquer arte
com o ser do meu espírito, pela observação das leis psicológico-mecânicas,
mediante as quais se elevam nosso espírito das intuições sensíveis aos conceitos exatos. ”
Johann Pestalozzi

           O violonista brasileiro Marcos Tardelli declarou em uma máster class de violão erudito, ao reparar o jovem artista de 12 anos de idade tocar uma canção de forma surpreendente: “- Todo talento é uma rampa abaixo.” Acrescentaria, a esta afirmação assustadora, que se esse talento não for realmente cultivado, inevitavelmente, será a tal rampa abaixo mencionada pelo genial músico brasileiro.
            O Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense em detrimento das estruturas éticas, filosóficas, pedagógicas e estéticas, forjadas, durante todo seu processo de construção e sedimentação como manifestação cultural, através de modelos valorativos questionáveis e, na maioria das vezes obtusos, tem tratado o problema da formação do atuante como assunto irrelevante. Acreditamos, ou fingimos acreditar, que tudo é uma questão de talento; e os talentos, depois de usados e abusados (principalmente abusados), ao longo dos anos, através de um atroz processo de má-formação e, desenvolvimento incompleto de suas habilidades e competências artísticas, tornam-se apenas; manifestações de um silencioso desespero.
            A ausência da academia reforça esse quadro desalentador, porém, infelizmente, esta ausência não tem sido decisiva neste processo de-formativo. Digo, infelizmente, porque se instituíssemos um curso superior em Artes Cênicas, o problema nem de longe estaria solucionado, pois a questão, vai além do simples acesso a conteúdos acadêmicos. A experiência nos mostra que a formação de atores, atrizes e performers deve passar por permanente processo de ação/reflexão/ação, isso significa, uma vida dedicada a aprendizagem, movida por uma vontade ininterrupta de auto aperfeiçoamento, sabendo que você nunca estará pronto e, principalmente, imbuídos da consciência de que os modelos relacionais estabelecidos com o teatro, serão definitivos, para efetivação do seu produto cultural, harmonizando ou desequilibrando sua vida profissional e pessoal.
           Relacionar-se sugere perceber as conexões existentes entre suas ações, num determinado tempo e, os efeitos dessas ações, para além do tempo presente. Ilustraremos com um exemplo bastante polêmico na dita Classe Teatral e, por ser polêmico, fundamental para essa ilustração, já que, reflete essa relação de causa e efeito entre as escolhas vivenciais do atuante e seu ofício, imaginemos: um ator que utiliza-se de drogas meia hora antes de um ensaio ou apresentação, deseja convencer-se (e convencer aos outros), de que o uso daquela substância não irá alterar sua percepção e, consequentemente, seu estado psicofísico. Sem dúvida, o hipotético ator, estabelece um relacionamento hipócrita com seu fazer artístico, neste sentido, imprestável para um ato teatral autêntico; geralmente, denomino este modelo de atuante de Tartufo, pois como o personagem de Molière, considera que “não há pecado se este for escondido”. Espera-se de comportamentos questionáveis, pelo menos, que se assumam os riscos, de forma consciente, por tais comportamentos, ou seja, o atuante pode até dar-se o desfrute do consumo de substâncias psicoativas antes de ensaios e apresentações, no entanto, não queira convencer a si e a equipe criativa que tal atitude não alterará seu bios-cênico.
            Até que ponto vai a nossa liberdade de iludir, iludindo-se? Acredito, que um comportamento absolutamente honesto, entre o atuante e sua arte já é, um gigantesco passo, para re-valorização dos nossos atos teatrais. Portanto, para que sua formação não seja uma descarada mentira, não se faça de Tartufo.
         Shopenhauer afirma que a infelicidade provém de uma busca incessante por uma vida sem sofrimento. Tendo em vista, que o sofrimento é inerente a vida, assim como a alegria; dor e prazer passeiam de mãos dadas sob um dia de sol. Aceitar essa realidade seria uma maneira razoável de não adoecer por existir. Para o artista da cena o inferno é o medo da não aceitação a sua obra e, os Campos Elísios seriam os elogios a sua “grande arte”, até aí tudo bem, não fosse os problemas que esse tipo de atitude carrega.  Outro dia, assisti a um espetáculo realmente muito ruim, desses em que a gente entra na sala de espetáculos com a satisfação sempre esfuziante dos apaixonados pelo teatro e, sai pensando seriamente, em cometer um ato de selvageria contra quem montou aquela coisa, por favor, não me falem da liberdade de criação, a realidade nem sempre é condescendente com os autoproclamados politicamente corretos. O que mais me chamou atenção, naquela infausta encenação, foi o ridículo comportamento narcisista do protagonista da peça, o sujeito parecia um pavão despenado durante todo espetáculo e, ao cumprimentar os espectadores, ao final daquilo que ele, erroneamente, considerava uma obra prima de atuação mostrou-se um “ser-coisa”, que busca a todo momento o ideal, e foge do real.
           Comportamentos doentios de muitos artistas são frutos, entre outras coisas, de uma visão que privilegia processos formativos incompletos, onde o que importa é a satisfação de necessidades pessoais imediatas, e o preenchimento de vazios existenciais constantes, mais que o teatro. Atores, atrizes e performers estabelecem então, relações frágeis e superficiais com a arte, onde o que vale é a supervalorização da imagem e a busca de relações indolores com o fazer artístico, e quem procura a sabedoria, mais que o conhecimento sabe, que relações indolores inexistem na vida ou na arte, porque tudo é vida. Como um Narciso, à beira de um lago de ilusões, este tipo de “escolho” da nossa profissão, admira-se como ser único e inigualável, na vã tentativa de esquivar-se da dor de uma existência difícil, que cedo ou tarde, vai obriga-lo a suicidar-se nas águas da sua vaidade. Frustração e pertencimento, gozo e destruição, deleite e degradação, são partes integrantes de uma formação que prima pela completude. Nessa perspectiva, na sua educação no ofício da atuação, não imite Narciso.
       O ator e diretor Chiquinho Pereira, um dos grandes atores do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense de outrora,  afirmava, com muita propriedade, que para ser um bom atuante, faz-se necessário possuir uma cosmovisão, isso implicaria um artista da cena completamente integralizado em tudo que diz respeito a cultura humana, bem como, um indivíduo pleno de habilidades e competências psicofísicas e até espirituais, advinda de uma espiritualidade não vaga, ou seja, o teatro solicita sujeitos com amplas percepções do mundo aplicadas, naturalmente, a tarefa de atuar. Outro dia perguntei a um grupo de atores e atrizes o que lhes ocorria quando eu falava o nome Salvador Dali; uns disseram surrealismo, outros falaram relógios desmanchando e alguns falaram até na dimensão do sonho, etc. Umas das pessoas do grupo disse que não lhe ocorria nada, pois não sabia do que eu estava falando. A pessoa que, ingenuamente, fez essa declaração não é de forma alguma desprovida de inteligência ou talento, no entanto, fatalmente desconhece, não valoriza ou não foi estimulada a perceber a importância de uma formação cultural sólida, somada, obviamente, a um cuidado especial com seu aparelho psicofísico para a realização plena do seu trabalho. Eugenio Barba, um dos ícones do teatro contemporâneo, é taxativo ao afirmar que “o teatro não é lugar para diletantes”. Esta máxima, se seguida ao pé da letra, significaria que é exclusivamente sua responsabilidade tornar-se apto ao exercício profissional de ator, atriz ou performer. Caso não sinta-se capaz de plantar na sua persona essa cosmovisão, essencial a qualquer práxis formativa, pelo menos não sejam diletantes.   
              Woyzeck é um personagem de Georg Büchner (da peça de mesmo nome) que submete-se, por alguns trocados, a uma experimentação estúpida de somente se alimentar de ervilhas, tal procedimento, e uma vida desestruturada o leva a loucura, crime e suicídio. No teatro, é fundamental, para o processo de formação do atuante que ele saiba escolher os trabalhos que deve participar e as pessoas com quem deve desenvolver suas atividades. Muitos trabalhos cênicos não passam de verdadeiras armadilhas. Quando era ator participei de um processo de montagem frustrante, passei praticamente um ano “comendo ervilhas teatrais”, imerso em um momento da minha vida cênica que só me trouxe desapontamentos. Oito longos meses trabalhando com um elenco descompromissado, conduzido por um diretor que, da forma como começou os trabalhos continuou, valorizando mais as brincadeiras, bichices e futriquinhas do que a realização do trabalho criativo, até o feliz dia, que ganhei a porta de saída para nunca mais voltar.
          As práticas de montagens são momentos pedagógicos fundamentais, através delas, o atuante tem contato com a carne viva do teatro, neste momento privilegiado atores e atrizes poderão internalizar conceitos e atitudes relativas aos seus estudos e pesquisas teóricas, bem como, vivenciar experiências e conhecimentos de vários artistas. Conhecendo esta verdade, faz-se necessário, aprender a gerenciar a carreira no que tange a construção e realização de produtos cênicos, na minha opinião, essa é uma das essências do nosso ofício e um fenômeno educacional por excelência. Conheço gente de teatro que está no ocaso profissional, com trinta quarenta anos de palco, sem nunca ter montado nada relevante, como o infeliz personagem de Büchner, apenas submeteram suas carreiras a criaturas e propostas nefandas, que nada acrescentaram a sua educação e realização teatral. Esforce-se para consecução de objetivos nobres, com vidas dedicadas a arte, cercadas de pessoas cheias de nobreza, isso é o cerne do teatro. Procure, acima de tudo, alimentos mais substanciosos na sua formação teatral, não se torne um Woyzeck.
         Na imensidão que é o universo teatral lembremo-nos sempre do sábio conselho de Paulo, o apóstolo cristão, na sua belíssima Carta aos Coríntios: “- Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não deixarei me dominar por nenhuma delas”.  Eis uma das chaves da iluminação, para quem procura mais a sabedoria do que o conhecimento, em uma existência dedicada a arte. Busque a claridade do trabalho árduo e fuja das trevas das facilidades. Faça de sua formação teatral um eterno encontro com todos os matizes da evolução.
         
Continua no 3º Diálogo
O Trabalho do Diretor Como Ação Dialógica

          
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Estação da Seca