domingo, 24 de abril de 2016

Um Laboratório de Descobertas



Um Laboratório de Descobertas

“A essência do teatro que procuramos é pulsar, 
movimento e ritmo”. (J.Grotowski)


O universo o qual vivemos é cheio de muitas prerrogativas que nos levam a assumir determinados sacerdócios em busca da evolução humana e artística. E, assim os caminhos iniciam com uma incessante descoberta pela criação, o teatro, um mundo de todos e que apenas alguns tem coragem de enfrentar, dos Deuses aos Monstros Sagrados, eis aqui tu teatro, velejando entre tempestivas e mansas marés de todos os gritos alcançados. E com esse pensamento de eterna aprendiz, adentro para um mergulho cênico de dias, horas e segundos no Laboratório da Cena Clowns de Shakespeare, para fundamentar e internalizar meus preceitos e conceitos, afirmando: que o trabalho de grupo sobreviverá em quanto o teatro respirar todas as notas cênicas dessa melodia imortal.

O Laboratório da Cena Clowns de Shakespeare me proporcionou algumas lições importantes para o fazer teatral. Começo relatando o trabalho engajado de cada persona que ali contribuiu para o crescimento de cada atuante envolvido naquela imersão. Os Clowns possuem uma maestria tatuada na prática grupal, que reflete alguns anos de batalhas e ascensões visíveis. Esse compartilhamento generoso, gera um modo de pensar teatro, fazer teatro, como uma ciência do aprender e ensinar para abertura de um mundo novo, de ruptura de visões retrógadas e um porvir de potências transformadoras. Um único corpo dentro de um Barracão alicerçado de completude, de um orgulho viril, onde as quedas e levantadas são motivos de um acordar horizontal. 

Vivenciar umas das experiências mais interessantes nos últimos tempos, com profissionais a serviço da verdade, ir ao encontro de si mesmo, ao encontro do outro e de um coletivo para assim a magia transcender, me renovou as forças em um acreditar infinito. O teatro como um jogo a ser revelado, sendo energeticamente transbordados em cada exercício físico, vocal e mental. Confesso que foram dias de enfretamento, aceitação, lágrimas e superação. O aprendizado para a construção de si próprio, foi detalhadamente expelido no primeiro dia de Laboratório, onde os caminhos da percepção, escuta e entrega são partituras para um treinamento eterno. Ensinamentos para se propagar por fios na existência teatral. E na caminhada dos dias, me fizeram enxergar o teatro como um jogo e o atuante como jogador, nos seus exercícios dinamizados, abrindo alguns pontos convergentes, onde o jogo no teatro é a base fundamental da imaginação criadora. Estabelecendo tempo, espaço e relação, e acima de tudo ir em busca de um teatro vivo e que não mente em situação de representação. Na empreitada de construirmos conhecimentos, viajamos em um estudo de dramaturgia, onde a linguagem é um fenômeno complexo, um lugar de experiências para serem desbravadas. No ritmo frenético dos acontecimentos, atentamente nos deleitamos com uma aula de produção, a sustentabilidade, a ação e as estratégias de um grupo que não repousa. São realidades não muito distintas de outras sentidas por grupos de teatro por todo planeta. Subitamente o Laboratório da Cena, nos presenteia com uma aula magistral de iluminação. “Todo efeito de luz está na natureza”. Uma oportunidade singular, teorizar e praticar enquanto atriz um exercício de luz, e essa inter-relação, formando uma única composição. Elemento de linguagem que não deveria ser distante, mais está presente no estudo e pesquisa, mais que muitos atores não têm acesso, devido uma série de carências. Um olhar aguçado, uma destreza e delicadeza, foram essas luzes de um ser que disse: “Luz é aquilo que nos faz ver”. 

Como todo grupo, coletivo, companhia, tem um ponto de equilíbrio, nos Clowns de Shakespeare, tem uma poderosa rocha, a parte dinâmica daquele Barracão, que carrega as dores e alegrias em um tempo onde as adversidades são cruéis, mais suas camadas são mais firmes, para suportar a labuta teatral de todos os dias. O equilíbrio que harmoniza a árvore Clowns, desde suas raízes até as folhagens mais frágeis, é assim que espio um fruto chamado Yamamoto, que nos concebeu o conhecimento e o trabalho. Eu fico com as cores, cheiros, e verdades desses artistas, homens e mulheres de teatro, impregnados na minha escrita cênica. Minha gratidão e respeito! Que o teatro seja sempre luz. Asè!


Silmara Silva
Coletivo Piauhy Estúdio das Artes
Teresina – Piauí – Sertão
Abril / 2016




   

sábado, 16 de abril de 2016




O Reino da Bruta Deselegância

“O poeta não escapa a história,
inclusive quando a nega ou ignora...”
Octávio Paz (Signos em rotação, p.55)


           Costumo escrever sobre teatro, através dessa arte vejo a impotência dos humilhados, a gélida manipulação dos comandantes das fábricas da maldade, enxergo, sobretudo, o pavor da violência insólita das microscópicas atrocidades. Contemplo, nas entrelinhas, refinadas docilidades que a vida trás: o som alegre das asas de uma abelha, o gozo da gargalhada que só os bufões promovem, a suprema magia de uma bem tecida cena.

         Hoje, porém, nada tenho a declarar sobre a arte. A realidade que se impõe de forma grotesca sobre a nação, exige, uma visão cênica mais ampla que vai além dos limites do palco, uma carpintaria teatral mais complexa, como se o País fosse um tablado tosco, onde construímos a dramaturgia da intolerância, onde o desrespeito e a estupidez povoam a boca dos engravatados, mas também, do cidadão comum que se acredita politizado.

          Brasil dos parvos, que rosnam nos quatro cantos contra a ladroagem, esquecendo-se de suas pequenas e grandes corrupções. Terra de fanáticos e fanatizados, que desejam a morte dos filhos de Deus em virtude do livre direito de amar a quem melhor lhes aprouver. 
Nação onde a imprensa, a polícia, o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, o Governo, as empresas públicas e privadas e até o povo é visto com desprezo e desconfiança.

          Quem são os inimigos? Quem são nossos heróis? Alguém pode apontar com relativo grau de segurança essas categorias? O que mais nos assusta é a descortesia e brutalidade reinantes. Já não se constroem pontes dialógicas, não se pavimentam mais estradas para o futuro, cada qual que engula, e não vomite, as crenças, valores e certezas dos seus concidadãos. 

          O que restará após a tempestade? O ódio e a angústia erguerão alguma vida em plenitude?

          Através das sombras desse tempo, além das agremiações partidárias, igrejas, siglas, estéticas, ideologias e objeções, algum ouvido deve escutar uma palavra, um olhar subirá a ladeira da época rude, postando-se no ápice de alguma elegância. O vir a ser depende disso, apesar dessa tremenda e infame falta de comunicação, sempre sobrará um momento para sentirmos um breve e suave toque de mãos.

           Através desse concreto que se avoluma, em qualquer lugar desse imenso projeto de Nação, profetas sopram sementes no deserto.

Adriano Abreu


Um dia antes do Brasil descer a ladeira mais uma vez...