Ateliê de Atuação
- Neste segundo texto do Ateliê de Atuação
abordamos aspectos relacionados a preparação corpóreo-vocal do atuante: visões,
reflexões e procedimentos.
Por que devo trabalhar corpo e voz para atuar? Porque sem esse corpo e voz lavrados você será um
atuante com menores recursos expressivos.
Antes do desenvolvimento de qualquer
raciocínio, é necessário esclarecermos, a afirmação recorrente, por parte da
maioria dos modernos teóricos do teatro, da existência de um corpo-voz realizador das tarefas diárias
(caminhar, comer, sentar, conversar, etc), aquele que procura sempre o menor
esforço energético possível, e a adaptação as rotinas individuais normalmente
executadas. Esse corpo-cotidiano
(termo amplamente utilizado pelo ator e diretor Eugenio Barba), também, é
movido por uma série de injunções e sugestões socioculturais que fazem com que
executemos, ações corpóreo-vocais,
facilitadoras da aceitação e identificação com os grupos, valores, regras e
situações vivenciais que nos torna parte integrante de uma comunidade. Essa
configuração corporal e vocal naturalista,
não corresponderia (segundo este pensamento), as necessidades das artes cênicas
na contemporaneidade. Diante dessa informação, podemos inferir que existe um corpo-cênico e uma voz-cênica. Portanto, em contraposição a esse bios-natural (cotidiano), seria possível a construção de um bios-cênico, que segundo o mestre
italiano, diretor do Odin Teatret, seria:
“Uma qualidade de presença que estimula a atenção do espectador... um núcleo de
energia, uma irradiação sugestiva e sábia... que captura nossos sentidos”. Esse
corpo, utilizaria técnicas extracotidianas
do corpo, onde as características principais seriam um “esbanjamento de energia”, “artificialidade
crível” e uma presença marcante do atuante, capaz de atrair e dialogar de forma total com espectador mais exigente.
Para Barba, esse bios-cênico, seria o corpo forjado em um treinamento pré-expressivo (como separar pré-expressivo do
expressivo?), um corpo-voz ideal para representação, pois estaria liberto das
imposições socioculturais, bem como, apto a realização de atos teatrais autênticos,
através de gastos relativamente grandes de energia manipulada, conseguiria
imprimir conteúdos simbólicos e vibracionais as suas ações cênicas.
A prática tem me convencido, a impossibilidade da existência e construção de um bios-cênico 100% puro e eficiente, como também, tenho reparado, em algumas situações, corpos-cotidianos sem nenhum treinamento pré-expressivo, movimentando vibrações energéticas, conteúdos emocionais, imagéticas e simbólicos de alto teor cênico. Feitas essas considerações, podemos afirmar, que a distinção entre um bios-natural e outro, ideal a arte representacional (um bios-cênico), serve, indubitavelmente, como um excelente pré-texto para o atuante desejoso de estabelecer rotinas de treinamento corpóreo-vocal efetivas, no entanto, como em quase tudo na arte teatral, é necessário relativizar. Apesar da enorme influência e, das incontestáveis contribuições de Eugênio Barba, muitas de suas afirmações sugerem mais uma pragmática, utilizada eficientemente nos seus trabalhos, do que fatos irrefutáveis. Lamentavelmente, supostas “verdades absolutas”, são utilizadas indiscriminadamente e, sem as necessárias reflexões (e adequações), por parte de uma legião de artistas e grupos.
A prática tem me convencido, a impossibilidade da existência e construção de um bios-cênico 100% puro e eficiente, como também, tenho reparado, em algumas situações, corpos-cotidianos sem nenhum treinamento pré-expressivo, movimentando vibrações energéticas, conteúdos emocionais, imagéticas e simbólicos de alto teor cênico. Feitas essas considerações, podemos afirmar, que a distinção entre um bios-natural e outro, ideal a arte representacional (um bios-cênico), serve, indubitavelmente, como um excelente pré-texto para o atuante desejoso de estabelecer rotinas de treinamento corpóreo-vocal efetivas, no entanto, como em quase tudo na arte teatral, é necessário relativizar. Apesar da enorme influência e, das incontestáveis contribuições de Eugênio Barba, muitas de suas afirmações sugerem mais uma pragmática, utilizada eficientemente nos seus trabalhos, do que fatos irrefutáveis. Lamentavelmente, supostas “verdades absolutas”, são utilizadas indiscriminadamente e, sem as necessárias reflexões (e adequações), por parte de uma legião de artistas e grupos.
O fato irrefutável é que para um
ator, atriz ou performer com amplas possibilidades físicas e vocais,
conseguidas através de constante treinamento técnico-teórico orientado e fundamentado,
torna-se, via de regra mais fácil, responder aos estímulos, problemas e
situações expressivas com mais presteza e eficiência, que um atuante que ignore
ou despreze tais necessidades. Utilizo para essa construção um termo na minha
opinião mais realista, corpo e voz
lavrados, aquele cujo sujeito-artista, através de intenso treino-criativo, consegue identificar e
superar dificuldades físicas e vocais recorrentes na sua prática artística,
como também, coloca seu corpo e voz disponíveis a um modelo criacional
extremamente exigente, extenuante e, ao mesmo tempo, poético.
Cada artista ou equipe criativa,
possuem visões e necessidades especificas de trabalho físico-vocal, que irão de
encontro as perspectivas, interesses, limitações e potencialidades daquilo que
estão desenvolvendo como produto cultural.
O LUME, Coletivo Piauhy Estúdio das Artes, Oco Teatro Laboratório e a
Pequena Companhia de Teatro por exemplo precisam, certamente, de treinamentos de atuantes diferenciados, pois suas verdades, visões, sonhos e demandas são diferentes. Todavia,
existem princípios, aplicados em todos esses agrupamentos, nas suas preparações
corpóreo-vocais, que serão semelhantes. Neste sentido, a lavratura corpóreo-vocal consiste em um trabalho sistemático e
processual por parte dos atuantes em suas realidades criativas, onde através de
um reconhecimento íntimo de seus desejos, objetivos, barreiras e ideais esculpem seus corpos e vozes, como
artesãos-artistas, pois o que está em jogo é a capacidade expressiva e
artística que sirva efetivamente aos seus atos cênicos e, não somente, um mero
acúmulo de técnicas e habilidades. Lavrar
o corpo e a voz é, acima de tudo, um exercitar o essencial, relacionando-os
a uma visão de arte e a uma pesquisa teatral.
Trabalhar a fisicalidade do atuante,
requer atividades grupais e individualizadas com foco em aspectos como: respiração, flexibilidade,
força, precisão, resistência, conciência e controle corporal, diminuição do
tempo de resposta entre estímulo e reação corporal, etc.
Indispensável no trabalho vocal atividades de desenvolvimento da
respiração, projeção, domínio, ressonadores,
performance, ritmo, flexibilidade, intensidade, resistência, dicção, prosódia,
concordância, etc. Todos estes trabalhos devem levar em consideração nuances
menos objetivas dos que as citadas anteriormente mas que são pilares
fundamentais dessa práxis, entre elas: energia, conteúdos simbólicos, história
e necessidade individual de cada atuante e claro, integração com a pesquisa
teatral desenvolvida. Fundamental salientar que corpo e voz devem ser
trabalhados de forma integrada, tendo em vista, formarem um todo indivisível.
As atividades, exercícios, jogos e laboratórios podem ser os mais
variados, dependendo apenas das condições materiais, interesses e necessidades
dos sujeitos-artistas envolvidos no processo de pesquisa cênica, podendo variar,
da esgrima ao pilates, do wu-shu a prática do basquete, do canto ao gramelot,
da dança clássica a contemporânea. O importante são os princípios que
fundamentam a ação e as atitudes dos indivíduos perante as práticas
desenvolvidas, que devem ser sempre de aceitação, espírito investigativo,
humildade, prazer consciente durante as práticas corpóreo-vocais, como também,
utilização do treino criativo como mediador entre o autoconhecimento e
ampliação das possibilidades criacionais e expressivas.
No Coletivo Piauhy Estúdio das Artes acreditamos que um corpo e voz lavrados, seria aquele que
consegue corresponder as necessidades cênicas dos produtos culturais
desenvolvidos pelo grupo de forma confortável, estabelecendo processos
comunicacionais significantes com os espectadores e parceiros de cena, sem ruídos estranhos a essa comunicação, que
é sempre sinestésica, imagética, vibratória, cognitiva e emocional.
O campo da pesquisa corpóreo vocal
do atuante em situação de representação é imenso e aberto, necessitando de
artistas pesquisadores comprometidos com sua evolução, em geral, essa
responsabilidade é atirada somente nas mãos do diretor ou professor. Individualmente, é importante refletir, sobre
o oportuno questionamento de Carlos Simioni (membro fundador do Núcleo de
Pesquisa LUME): “Se a inspiração fosse a
mão divina, teu corpo está preparado para receber a mão divina?” Todavia, isso tudo, ainda é apenas uma pequena
parte do ofício de atuar.
Adriano Abreu
Diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das
Artes (fim da estação das águas do ano de 2015)