Adriano Abreu iniciou sua carreira teatral em 1992, como ator na companhia dirigida pelo ator e encenador paulista Laurent Matallia, onde participou das montagens “Boca de Ouro” (texto de Nelson Rodrigues, 1992), “Histórias de Muitos Amores” (texto de Domingos Oliveira, 1994). Com “Boca de Ouro”, ganhou indicação de melhor ator coadjuvante no Festival Nacional de Teatro de São Mateus, ES (1994). Após o retorno do diretor Laurent Matallia para São Paulo em 1995, cria, juntamente com o ator e diretor Chiquinho Pereira, a Associação de Teatro Circo Negro, onde desenvolve intensa atividade teatral até 2003, atuando, dirigindo, escrevendo e iluminando cerca de 15 espetáculos. Em 2001, cria seu próprio grupo e, em 2003, desvincula-se definitivamente do Circo Negro. Concebe e dirige nos últimos anos quatro espetáculos “Lázaro Feito em Pedaços”, “O Rouxinol e a Rosa”, “Fogo”, “Exercício Sobre Medéia”. Coordena e dirige o Projeto Ciclo de Leituras Dramáticas do Piauhy Estúdio das Artes. Foi diretor administrativo do Teatro do Boi (Teatro Municipal) e editor de teatro da Revista de Cultura Pulsar. Professor, poeta e assessor de cultura da cidade de Água Branca, PI. Atualmente, é diretor do Sated, PI, escreve regularmente artigos sobre teoria teatral no blog Piauhy Estúdio das Artes (piauiestudio.blogspot.com.br). Apresentamos aqui um breve trecho de nossa conversa sobre seu trabalho.
Como você avalia a atual situação do Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense?
Vivemos um momento importante, diria, de reconstrução e definições em todos os aspectos. Acredito que durante muito tempo, aqui no Piauí, os artistas da cena acreditavam que podiam desenvolver suas atividades e criar dependendo apenas do seu talento, que, aliás, de maneira geral, é enorme. Hoje, uma parcela dos que fazem as artes cênicas no estado já compreendeu que o teatro chegou a um nível de desenvolvimento tecnológico, estético e conceitual tão grande que a pesquisa, somada a uma rotina duríssima de ensaios, bem como, uma produção qualificada, são imprescindíveis para que façamos um produto cultural competitivo no mercado brasileiro e internacional. Os que pensam ao contrário certamente ficarão na poeira da história, construindo espetáculos sempre muito ingênuos.
Quais as maiores dificuldades enfrentadas?
O processo de formação do artista de teatro, na minha opinião, é uma dificuldade que não podemos ignorar. Isso é primordial. Todos os meus esforços no Coletivo Piauhy Estúdio das Artes (grupo que dirijo) são no sentido da formação intelectual e técnica dos artistas. Outro problema reside no gosto adulterado do púbico. As pessoas ainda confundem show de humor com teatro; e as classes média e alta não consomem cultura. Para termos uma ideia, desconheço qualquer iniciativa fundamentada das escolas ou universidades na valorização dessa arte milenar. Me parece óbvio que, se pais e professores não frequentam as salas de espetáculo, por que os filhos e alunos frequentariam? Por fim, temos uma gestão cultural tremendamente amadora. O resultado é um teatro que vive ainda sob a égide do diletantismo.
Ao longo de seu trabalho, é possível perceber uma forte interligação, sobretudo entre teatro, poesia e música. Nesse sentido, poderia comentar um pouco seu processo de criação?
Exatamente! Essas marcas permanecem fortes nos meus trabalhos. Todavia, amadurecendo no ofício de dirigir espetáculos, percebi a importância de deixar-me penetrar pela visão dos atuantes, do iluminador, do músico, do cenógrafo, etc. Busco um teatro de cura, para quem faz e para quem assiste, como era nos primórdios dessa arte ritualística, o sábio da tribo explicando através dos mitos, cantos e poesias a magia da vida, para o povo da aldeia em volta de uma fogueira. Enxergo-me naquele xamã da gênese do teatro, quando ainda não era teatro. Uso a palavra, a música e o gesto como artes mágicas, estabeleço conexões com os artistas com quem trabalho que vão além da técnica; eles, por sua vez, têm obrigação de interligar-se aos espectadores, usando o espetáculo como via. Os espetáculos que criamos são mitopoéticos e, em detrimento disso, "terapêuticos" (rsrs). A música (vibração eterna) nas peças do Piauhy Estúdio das Artes, trabalha, entre outras coisas, a dimensão da memória; cure a memória e a saúde impera. Concluo com parte do fragmento "Primeiro/Ulisses" do livro "Mensagem", de Fernando Pessoa: “O mytho é o nada que é tudo. / O mesmo sol que abre os céus / É um mytho brilhante e mudo / O corpo morto de Deus, / Vivo e desnudo. / / Este, que aqui aportou, / Foi por não ser existindo. / Sem existir nos bastou. / Por não ter vindo foi vindo / E nos criou."
O teatro deve ocupar os espaços públicos?
O teatro deve ocupar todos os espaços, públicos e privados; todavia, o local que o teatro deve ocupar, acima de tudo, é a mente de quem assiste um bom trabalho de arte. Peças de teatro chatas, mal realizadas ou herméticas atrapalham o desenvolvimento cênico no nosso estado. Para sermos profundos e inteligentes não precisamos ser pedantes ou ingênuos. Atualmente, fiz uma opção, passageira, por apresentar espetáculos para poucas pessoas, em espaços alternativos ou salas menores, por uma questão estratégica, mas gostaria muitíssimo de ir para as ruas e praças. Infelizmente, não existe uma política que insira o teatro como produto cultural viável e os artistas ainda têm que trabalhar em outras atividades para sobreviver. O Teatro Brasileiro de Expressão Piauiense vive de raras subvenções, desconhecimento e vontade de ser grande. Após 40 anos, nossa arte teatral ainda é semente.
Você participava da edição da Revista Pulsar. Como foi esse processo?
Fazia a editoria de teatro, juntamente com a extinta Associação de Teatro Circo Negro. Realizamos a última entrevista com o dramaturgo Gomes Campos, para mim, um dos momentos importantes da Revista Pulsar. O projeto daquele periódico era demasiadamente ousado, tão ousado que aqueles que faziam cultura no Piauí na época não se reconheceram nele. Entre outras coisas, retomávamos a discussão sobre a identidade cultural piauiense, definindo-a em cada página, através da arte gráfica do Antonio Amaral. Tudo naquela revista era extremamente pensado e discutido, até o tamanho da revista obedecia a um ritmo. Cada artigo indicava uma visão de cultura. Passamos “a limpo”, de acordo com nossa visão naquele momento histórico, toda cultura do Estado. O capitão daquela "Nau Genial" era o poeta Paulo Machado, provavelmente um dos maiores e mais comprometidos intelectuais da história do Piauí. Porém, pecamos, pois não fazíamos concessões a nada, não tínhamos visão de mercado, nossa distribuição era péssima e, depois de algum tempo, aconteceram divisões internas que culminaram, como temíamos desde o primeiro número, com uma revista desfigurada, inclusive no papel, por falta de recursos. Todavia, acredito que a Pulsar era profética e cumpriu seu papel na Cultura Brasileira, inclusive recebendo elogios do poeta Ferreira Gullar, que considerou a publicação uma das melhores coisas do Brasil naquele período.
Que tipo de concessões vocês evitavam?
Primeiro, procurávamos evitar qualquer tipo de apoio institucional, bem como de políticos comprometidos com os governos. Não aceitávamos patrocínios da indústria de bebidas ou cigarros etc. Alguns artistas que possuíam produtos culturais ligados à lógica "dominante" ou com comportamento ético questionável nunca foram veiculados na revista. Por fim, abominávamos todo tipo de arte que não representava aquilo que considerávamos importante para o desenvolvimento de uma cultura piauiense autêntica e de qualidade. Como disse, éramos, muito provavelmente, fora do eixo (rsrs), numa época em que nem se falava nisso (rsrs).
Como o Coletivo Piauhy Estúdio das Artes foi constituído?
Após a nossa saída da Associação de Teatro Circo Negro, em 2004, por divergências na condução dos trabalhos, eu e o ator Carlos Aguiar, meu parceiro no exitoso projeto “Lázaro Feito em Pedaços”, passamos quatro longuíssimos anos no ostracismo (rsrs). Nessa fase, que vai de 2004 a 2009, sobrevivi artisticamente escrevendo poemas, sempre com desejo muito presente de voltar à cena teatral. Em 2009, já não aguentando mais o meu exílio voluntário dos palcos, bem como, com a extinção do Circo Negro, estava à vontade para recomeçar. Recebi um convite da atriz Sandra Loiola para que fizéssemos um trabalho. Depois de algumas reuniões, constituímos um laboratório de pesquisas cênicas denominado “Puty Teatro Labore”. Nele, realizamos a peça “O Rouxinol e a Rosa”. Após a estreia, senti as limitações do “Puty”, principalmente no que se referia às motivações da Sandra em relação às artes cênicas, muito diferente das minhas. Mais uma vez deixei o barco nas mãos de quem quisesse remar. Falei para os demais que partiria para outra. Novamente, o Carlos me acompanhou, seguido do ator David Santos. Assim nasceu o “Piauhy Estúdio das Artes”, com um modelo operativo mais flexível do que um laboratório ou grupo de teatro, podendo futuramente incorporar outras linguagens. Atualmente, compõem o Coletivo: três atores, duas atrizes, um músico, um iluminador, eu (na coordenação, direção). Conjuntamente com a atriz Silmara Silva, cuido também da divulgação e produção do “Piauhy”. Desenvolvemos três projetos, os espetáculos “Fogo” e “ Exercício Sobre Medeia”, e o “Ciclo de Leituras Dramáticas”, que vai para 7ª edição. Neste ano de 2014, desejamos implantar mais dois projetos, o suplemento cultural do Coletivo, impresso, chamado “Cigarra”, que deve sair lá para março, e os “Fóruns de Arte”, encontros onde discutiremos produtos culturais diversos com artistas e convidados. Para um Professor da PMT, lotado 40h/aulas, a tarefa é hercúlea, mas foi assim que escolhi e gosto de viver.